O genérico de Acácio
Nós os brasileiros não fazemos muita questão de apreender o significado das palavras, mas, em compensação, somos hipersensíveis ao tom, à ênfase, ao pathos emocional com que são pronunciadas. Julgando tudo por esse critério auditivo ou epidérmico, quase sempre chegamos a conclusões que são a inversão simétrica da realidade.
Um exemplo nos vem do, ainda, Ministro de Estado da Educação, Cristovam Buarque (PT-DF), o qual, por jamais fazer uso daquela retórica de açougueiro tão característica do líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o trotskista de cabide João Pedro Stedile, é tido como um primor de equilíbrio e moderação, como um democrata avesso a radicalismos e truculências. Mesmo aqueles que o desprezam não vêem nele senão um discursador inócuo, o equivalente intelectual do placebo, ou, para não sairmos dos domínios da farmacopéia, o genérico do Conselheiro Acácio.
Para vocês verem que nem sempre o estilo é o homem, àquela criatura acaba de confessar em público uma das intenções mais brutais e prepotentes que já passaram por um coração de político neste País. Num recente seminário em Brasília (DF), Buarque disse que a Universidade brasileira deve inspirar-se no radicalismo do MST e tornar-se uma máquina de guerra ideológica, “uma ameaça contra os ‘conservadores”. Meus colegas setoristas que cobrem diariamente a rotina da Esplanada dos Ministérios o ouviram e entenderam-no perfeitamente bem, mas, como torcedores e zeladores d e sua imagem convencional, não desejaram reconhecer nas suas palavras o seu óbvio sentido de pregação totalitária e preferiram dar a impressão de que ele não fizera senão um apelo a que a Universidade cumprissem seu papel normal de espaço aberto para o confronto das idéias. Com isso, deram à proposta do ministro a eficácia letal de uma mensagem cifrada, destinada a ser compreendida somente pelo círculo interno dos loucos-de-pedra, incumbidos da realização do projeto, sem despertar suspeitas no âmbito mais vasto da opinião pública, isto é, daqueles que um dia hão de arcar com as conseqüências do projeto realizado. Mas, quer o público o perceba ou não, a livre discussão de idéias na Universidade é exatamente o contrário do que Buarque propôs. Uma Instituição que se abre democraticamente a todas as correntes de opinião não pode, ao mesmo tempo, cerrar fileiras contra uma delas, muito menos fazê-lo a ponto de tornar-se, para ela, “uma ameaça”. E nesse ponto Buarque não poderia ter sido mais claro. O ministro não disse que deseja um confronto, dentro da Academia, entre os conservadores e seus adversários, esquerdistas, progressistas ou como se queira denominá-los. Ele disse, sem qualquer atenuação ou ambigüidade, que a Academia, como um todo, deve investir com a força unificada de um bloco ideológico contra os conservadores, e fazê-lo com a “radicalidade” do MST. Qual o espaço concedido às idéias “conservadoras” no MST? Tal é exatamente a quota de liberdade que elas devem desfrutar na Universidade ideal do, ainda, ministro Cristovam Buarque.
Não sei bem o que Buarque quer dizer com “conservadores”. O que quer que eles sejam, uma coisa é clara: no entender de Sua Excelência, o lugar deles não é na Universidade, ensinando, expondo e debatendo: é fora delas, recebendo os ataques que vêm de dentro. Seria o caso de perguntar: mas onde é que eles estão agora, senão precisamente aí? Alguém neste País ignora que o pensamento conservador e liberal já está excluído do nosso ambiente universitário? Alguém ainda não foi informado de que os autores mais estudados e pesquisados no meio acadêmico brasileiro são Marx e Gramsci, enquanto os pensadores antimarxistas importantes, um Russel Kirk, um Von Mises, um Irving Kristol e todos os demais na mesma linha são sistematicamente omitidos? Alguém é tão inculto que não saiba disso, ou cínico a ponto de fingir que não sabe? O ministro é uma coisa ou a outra. Para ele, os poucos conservadores e liberais que restam na Academia, marginalizados, acossados, intimidados, já são em número excessivo, o bastante para levá-lo a caracterizar o pensamento brasileiro como “profundamente conservador”. Como se houvesse, na nossa Universidade, um festival de apologias do capitalismo em vez de um florescimento de revisionismos históricos comunistas, de teologias e filosofias “da libertação”, de “direitos alternativos” e de mil e um outros marxismos recauchutados.
Buarque não sabe de nada, ou faz que não sabe? É um ignorante ou um cínico? Não tenho a menor idéia, mas um ministro de Estado da Educação que, para impor sua concepção totalitária, despreza a esse ponto as evidências mais gritantes, não é decerto um “moderado” nem um Conselheiro Acácio: é um sectário perigoso, um fanático cego, um militante intoxicado de ideologia, que, em nome das ambições partidárias, se permite pisotear sem o menor escrúpulo de consciência os deveres da honestidade intelectual que, pelo cargo que ocupa, lhe incumbiria representar em grau eminente.
Nunca, ao longo da História do Brasil, uma concepção tão policial e ditatorial da Universidade foi defendida de maneira tão explícita. Nunca uma doutrina educacional tão abjeta e hedionda foi advogada em voz alta por uma autoridade federal. Até o público que a aplaudiu de perto, aliás, foi apropriado para a ocasião: pois ladeavam Buarque, na oportunidade, o ministro de Estado da Educação de Cuba, país onde a redução da Universidade à condição de arma de guerra ideológica já não é um ideal e sim um fato, e o Ministro de Estado da Educação do Sudão, tirania escravagista e genocida empenhada na sistemática matança de cristãos. O discurso de Cristovam Buarque não podia ter tido platéia mais apropriada. (Wladmir Álvaro Pinheiro Jardim)
Nós os brasileiros não fazemos muita questão de apreender o significado das palavras, mas, em compensação, somos hipersensíveis ao tom, à ênfase, ao pathos emocional com que são pronunciadas. Julgando tudo por esse critério auditivo ou epidérmico, quase sempre chegamos a conclusões que são a inversão simétrica da realidade.
Um exemplo nos vem do, ainda, Ministro de Estado da Educação, Cristovam Buarque (PT-DF), o qual, por jamais fazer uso daquela retórica de açougueiro tão característica do líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o trotskista de cabide João Pedro Stedile, é tido como um primor de equilíbrio e moderação, como um democrata avesso a radicalismos e truculências. Mesmo aqueles que o desprezam não vêem nele senão um discursador inócuo, o equivalente intelectual do placebo, ou, para não sairmos dos domínios da farmacopéia, o genérico do Conselheiro Acácio.
Para vocês verem que nem sempre o estilo é o homem, àquela criatura acaba de confessar em público uma das intenções mais brutais e prepotentes que já passaram por um coração de político neste País. Num recente seminário em Brasília (DF), Buarque disse que a Universidade brasileira deve inspirar-se no radicalismo do MST e tornar-se uma máquina de guerra ideológica, “uma ameaça contra os ‘conservadores”. Meus colegas setoristas que cobrem diariamente a rotina da Esplanada dos Ministérios o ouviram e entenderam-no perfeitamente bem, mas, como torcedores e zeladores d e sua imagem convencional, não desejaram reconhecer nas suas palavras o seu óbvio sentido de pregação totalitária e preferiram dar a impressão de que ele não fizera senão um apelo a que a Universidade cumprissem seu papel normal de espaço aberto para o confronto das idéias. Com isso, deram à proposta do ministro a eficácia letal de uma mensagem cifrada, destinada a ser compreendida somente pelo círculo interno dos loucos-de-pedra, incumbidos da realização do projeto, sem despertar suspeitas no âmbito mais vasto da opinião pública, isto é, daqueles que um dia hão de arcar com as conseqüências do projeto realizado. Mas, quer o público o perceba ou não, a livre discussão de idéias na Universidade é exatamente o contrário do que Buarque propôs. Uma Instituição que se abre democraticamente a todas as correntes de opinião não pode, ao mesmo tempo, cerrar fileiras contra uma delas, muito menos fazê-lo a ponto de tornar-se, para ela, “uma ameaça”. E nesse ponto Buarque não poderia ter sido mais claro. O ministro não disse que deseja um confronto, dentro da Academia, entre os conservadores e seus adversários, esquerdistas, progressistas ou como se queira denominá-los. Ele disse, sem qualquer atenuação ou ambigüidade, que a Academia, como um todo, deve investir com a força unificada de um bloco ideológico contra os conservadores, e fazê-lo com a “radicalidade” do MST. Qual o espaço concedido às idéias “conservadoras” no MST? Tal é exatamente a quota de liberdade que elas devem desfrutar na Universidade ideal do, ainda, ministro Cristovam Buarque.
Não sei bem o que Buarque quer dizer com “conservadores”. O que quer que eles sejam, uma coisa é clara: no entender de Sua Excelência, o lugar deles não é na Universidade, ensinando, expondo e debatendo: é fora delas, recebendo os ataques que vêm de dentro. Seria o caso de perguntar: mas onde é que eles estão agora, senão precisamente aí? Alguém neste País ignora que o pensamento conservador e liberal já está excluído do nosso ambiente universitário? Alguém ainda não foi informado de que os autores mais estudados e pesquisados no meio acadêmico brasileiro são Marx e Gramsci, enquanto os pensadores antimarxistas importantes, um Russel Kirk, um Von Mises, um Irving Kristol e todos os demais na mesma linha são sistematicamente omitidos? Alguém é tão inculto que não saiba disso, ou cínico a ponto de fingir que não sabe? O ministro é uma coisa ou a outra. Para ele, os poucos conservadores e liberais que restam na Academia, marginalizados, acossados, intimidados, já são em número excessivo, o bastante para levá-lo a caracterizar o pensamento brasileiro como “profundamente conservador”. Como se houvesse, na nossa Universidade, um festival de apologias do capitalismo em vez de um florescimento de revisionismos históricos comunistas, de teologias e filosofias “da libertação”, de “direitos alternativos” e de mil e um outros marxismos recauchutados.
Buarque não sabe de nada, ou faz que não sabe? É um ignorante ou um cínico? Não tenho a menor idéia, mas um ministro de Estado da Educação que, para impor sua concepção totalitária, despreza a esse ponto as evidências mais gritantes, não é decerto um “moderado” nem um Conselheiro Acácio: é um sectário perigoso, um fanático cego, um militante intoxicado de ideologia, que, em nome das ambições partidárias, se permite pisotear sem o menor escrúpulo de consciência os deveres da honestidade intelectual que, pelo cargo que ocupa, lhe incumbiria representar em grau eminente.
Nunca, ao longo da História do Brasil, uma concepção tão policial e ditatorial da Universidade foi defendida de maneira tão explícita. Nunca uma doutrina educacional tão abjeta e hedionda foi advogada em voz alta por uma autoridade federal. Até o público que a aplaudiu de perto, aliás, foi apropriado para a ocasião: pois ladeavam Buarque, na oportunidade, o ministro de Estado da Educação de Cuba, país onde a redução da Universidade à condição de arma de guerra ideológica já não é um ideal e sim um fato, e o Ministro de Estado da Educação do Sudão, tirania escravagista e genocida empenhada na sistemática matança de cristãos. O discurso de Cristovam Buarque não podia ter tido platéia mais apropriada. (Wladmir Álvaro Pinheiro Jardim)