Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, dezembro 19, 2003

O genérico de Acácio


Nós os brasileiros não fazemos muita questão de apreender o significado das palavras, mas, em compensação, somos hipersensíveis ao tom, à ênfase, ao pathos emocional com que são pronunciadas. Julgando tudo por esse critério auditivo ou epidérmico, quase sempre chegamos a conclusões que são a inversão simétrica da realidade.
Um exemplo nos vem do, ainda, Ministro de Estado da Educação, Cristovam Buarque (PT-DF), o qual, por jamais fazer uso daquela retórica de açougueiro tão característica do líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o trotskista de cabide João Pedro Stedile, é tido como um primor de equilíbrio e moderação, como um democrata avesso a radicalismos e truculências. Mesmo aqueles que o desprezam não vêem nele senão um discursador inócuo, o equivalente intelectual do placebo, ou, para não sairmos dos domínios da farmacopéia, o genérico do Conselheiro Acácio.
Para vocês verem que nem sempre o estilo é o homem, àquela criatura acaba de confessar em público uma das intenções mais brutais e prepotentes que já passaram por um coração de político neste País. Num recente seminário em Brasília (DF), Buarque disse que a Universidade brasileira deve inspirar-se no radicalismo do MST e tornar-se uma máquina de guerra ideológica, “uma ameaça contra os ‘conservadores”. Meus colegas setoristas que cobrem diariamente a rotina da Esplanada dos Ministérios o ouviram e entenderam-no perfeitamente bem, mas, como torcedores e zeladores d e sua imagem convencional, não desejaram reconhecer nas suas palavras o seu óbvio sentido de pregação totalitária e preferiram dar a impressão de que ele não fizera senão um apelo a que a Universidade cumprissem seu papel normal de espaço aberto para o confronto das idéias. Com isso, deram à proposta do ministro a eficácia letal de uma mensagem cifrada, destinada a ser compreendida somente pelo círculo interno dos loucos-de-pedra, incumbidos da realização do projeto, sem despertar suspeitas no âmbito mais vasto da opinião pública, isto é, daqueles que um dia hão de arcar com as conseqüências do projeto realizado. Mas, quer o público o perceba ou não, a livre discussão de idéias na Universidade é exatamente o contrário do que Buarque propôs. Uma Instituição que se abre democraticamente a todas as correntes de opinião não pode, ao mesmo tempo, cerrar fileiras contra uma delas, muito menos fazê-lo a ponto de tornar-se, para ela, “uma ameaça”. E nesse ponto Buarque não poderia ter sido mais claro. O ministro não disse que deseja um confronto, dentro da Academia, entre os conservadores e seus adversários, esquerdistas, progressistas ou como se queira denominá-los. Ele disse, sem qualquer atenuação ou ambigüidade, que a Academia, como um todo, deve investir com a força unificada de um bloco ideológico contra os conservadores, e fazê-lo com a “radicalidade” do MST. Qual o espaço concedido às idéias “conservadoras” no MST? Tal é exatamente a quota de liberdade que elas devem desfrutar na Universidade ideal do, ainda, ministro Cristovam Buarque.
Não sei bem o que Buarque quer dizer com “conservadores”. O que quer que eles sejam, uma coisa é clara: no entender de Sua Excelência, o lugar deles não é na Universidade, ensinando, expondo e debatendo: é fora delas, recebendo os ataques que vêm de dentro. Seria o caso de perguntar: mas onde é que eles estão agora, senão precisamente aí? Alguém neste País ignora que o pensamento conservador e liberal já está excluído do nosso ambiente universitário? Alguém ainda não foi informado de que os autores mais estudados e pesquisados no meio acadêmico brasileiro são Marx e Gramsci, enquanto os pensadores antimarxistas importantes, um Russel Kirk, um Von Mises, um Irving Kristol e todos os demais na mesma linha são sistematicamente omitidos? Alguém é tão inculto que não saiba disso, ou cínico a ponto de fingir que não sabe? O ministro é uma coisa ou a outra. Para ele, os poucos conservadores e liberais que restam na Academia, marginalizados, acossados, intimidados, já são em número excessivo, o bastante para levá-lo a caracterizar o pensamento brasileiro como “profundamente conservador”. Como se houvesse, na nossa Universidade, um festival de apologias do capitalismo em vez de um florescimento de revisionismos históricos comunistas, de teologias e filosofias “da libertação”, de “direitos alternativos” e de mil e um outros marxismos recauchutados.
Buarque não sabe de nada, ou faz que não sabe? É um ignorante ou um cínico? Não tenho a menor idéia, mas um ministro de Estado da Educação que, para impor sua concepção totalitária, despreza a esse ponto as evidências mais gritantes, não é decerto um “moderado” nem um Conselheiro Acácio: é um sectário perigoso, um fanático cego, um militante intoxicado de ideologia, que, em nome das ambições partidárias, se permite pisotear sem o menor escrúpulo de consciência os deveres da honestidade intelectual que, pelo cargo que ocupa, lhe incumbiria representar em grau eminente.
Nunca, ao longo da História do Brasil, uma concepção tão policial e ditatorial da Universidade foi defendida de maneira tão explícita. Nunca uma doutrina educacional tão abjeta e hedionda foi advogada em voz alta por uma autoridade federal. Até o público que a aplaudiu de perto, aliás, foi apropriado para a ocasião: pois ladeavam Buarque, na oportunidade, o ministro de Estado da Educação de Cuba, país onde a redução da Universidade à condição de arma de guerra ideológica já não é um ideal e sim um fato, e o Ministro de Estado da Educação do Sudão, tirania escravagista e genocida empenhada na sistemática matança de cristãos. O discurso de Cristovam Buarque não podia ter tido platéia mais apropriada. (Wladmir Álvaro Pinheiro Jardim)

Um socorro para a Universidade brasileira


O Governo lançará nos próximos dias um plano para injetar recursos e dar sobrevida à Universidade Brasileira. Uma espécie de Programa de Reestruturação Financeira, tal qual o Proer implantado no setor bancário nacional pelo Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) à época da bancarrota financeira que abateu a Ásia e as economias emergentes em 1997.
Endividada, desfalcadas de docentes e com o pagamento das contas de água, de energia e de telefonia atrasados, as 52 Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) do Brasil perdem cada vez mais espaço. Hoje, representam apenas 16,7% das vagas oferecidas no Vestibular, enquanto o ensino privado concentra 83,3%. Em 1991, as universidades públicas tinham 31,5% das vagas. Se o plano emergencial sair do papel, essas instituições poderão receber um reforço de caixa de mais de R$ 2 bilhões por ano.
Uma das propostas preparadas pelo grupo interministerial que analisou a situação da nossa Universidade é a possibilidade de transferir os encargos com docentes e técnicos-administrativos aposentados da Instituição para a União. Se a proposta for aceita pelo Governo, poderá até mesmo sobrar dinheiro para a contratação de 28 mil novos docentes e técnicos-administrativos — outro ponto que está listado entre as ações emergenciais.
Hoje, os gastos com pessoal inativo representam 35% da folha da Instituição, podendo chegar este ano a R$ 2,7 bilhões. Com a corrida às aposentadorias após a reforma da legislação previdenciária, o valor deve aumentar.
A proposta não é exatamente nova. Os professores universitários são a única categoria de servidores federais que, mesmo quando inativos, continuam sendo pagos pelo ministério de origem, já que a Constituição Federal obriga a aplicação de 10% da receita federal na área de Educação. Incluindo o pagamento dos aposentados nessa conta, o Governo precisa gastar menos com a Educação. O estratagema foi considerado um drible à lei pelo grupo interministerial.
A entrada de recursos novos poderia solucionar boa parte da crise e das queixas dos reitores das 52 IFES. Quadro de professores e técnicos reduzido e insuficiente para atender maior oferta de cursos (e vagas noturnas), escassez de material, de salas de aula, contas de água, energia e telefonia atrasadas, necessidade de reformas e reparos estruturais são os problemas emergenciais apontados pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e referem-se, basicamente, à escassez de recursos. A proposta da comissão interministerial apresentada ao Governo reconhece essa necessidade e aponta a retirada dos gastos com o pessoal inativo da folha de pagamento do Ministério da Educação (MEC) como uma das possibilidades, mas nada garante.
Há necessidades e também há idéias sobre onde conseguir dinheiro. Se vai ter ou não recursos, isso é uma decisão mais ampla, de acordo com a estabilidade monetária que terá de se manter e com outras prioridades do Governo.
A Andifes fez sua própria conta do que a Universidade Brasileira precisa. Seriam cerca de R$ 800 milhões por ano para custeio e outros R$ 250 milhões por ano, pelos próximos cinco anos, para recuperação da infra-estrutura. Hoje, o orçamento de custeio — que paga contas, material e diárias, por exemplo — está em R$ 525 milhões. A Andifes conseguiu mais uma emenda orçamentária de R$ 226 milhões, para 2004, no Congresso Nacional - a chamada emenda Andifes -, que normalmente chega com atraso. “Precisamos recompor urgentemente nosso orçamento para que dê conta dos gastos atuais e garanta fôlego à universidade para cumprir o plano de expansão que apresentamos ao presidente da República”, diz a presidente da Andifes, Professora Wrana Panizzi.
O plano emergencial do Governo propõe garantir recursos, abrir concursos para repor docentes e técnicos-administrativos, também, dar mais autonomia às universidades para que façam a sua própria captação de recursos. Abre ainda a possibilidade de contribuições voluntárias para a Universidade baseadas em incentivos fiscais — o que permitiria à Instituição receber doações em dinheiro e não apenas em material, como acontece hoje. E inicia, ainda, a discussão sobre contribuições não-voluntárias, especialmente de ex-alunos.
Dados da última década (1991/2000) pesquisados pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Pesquisas em Educação (Inep) mostram o quanto a Universidade Pública Brasileira perdeu espaço para as faculdades particulares. O número de IFES — incluindo-se aí tanto as federais quanto as estaduais e municipais — que era de 222 em 1991, caiu para 195 em 2002. Chegou a estar em 176 em 2000, mas voltou a subir nos anos seguintes. Em compensação, o número de faculdades privadas passou de 671 em 1991 para 1.442 em 2002.
Além do número de estabelecimentos, cresceu também o número de vagas oferecido no ensino particular. Apesar do número de cursos oferecidos ter aumentado em torno de 20% nos dois casos, estes estabelecimentos de ensino particular tendem a oferecer mais vagas, em mais de um turno, enquanto a capacidade da Universidade Pública em atender a mais estudantes continua limitada. Existem, hoje, 9.147 cursos nos estabelecimentos particulares e 5.252 nas Instituições Públicas Superiores de Ensino, incluindo federais, estaduais e municipais.
Em 1994, boa parte dos estabelecimentos privados (32%) tinha menos de dois mil alunos. Hoje, 48,5% delas têm mais de dez mil alunos, apesar de, na média, oferecerem menos cursos por estabelecimento. As Universidades Públicas, além da melhor qualidade comprovada pelas pesquisas e pelo Exame Nacional de Cursos têm, em média, 32 cursos. Os estabelecimentos particulares de ensino têm seis cursos em média.
Ainda assim, a Universidade Pública concentra 52% das inscrições no exame Vestibular. Isso faz com que haja quase dez candidatos para cada vaga no exame Vestibular da Universidade Pública Federal, Estadual ou Municipal. Já nos estabelecimentos particulares, há apenas 1,6 candidato por vaga. Em alguns casos, os estabelecimentos de ensino privado fazem diversas chamadas e promoções – como foi o caso do Unicentro Newton Paiva (de Belo Horizonte), que realizará um segundo concurso Vestibular neste segundo semestre, para a metade dos cursos ofertados -, para tentar conseguir completar o número de alunos por turma de alguns cursos. (Wladmir Álvaro Pinheiro Jardim)

Decisão comportada


Com a última resolução do Copom no ano, os juros consolidaram a queda de dez pontos percentuais do nível mais alto em que estiveram. Uma queda forte, mas insuficiente para impedir que o ano termine com crescimento zero. A dívida pública/ Produto Interno Bruto (PIB) caiu um pouco no ano, mas permanece alta demais, em parte, pelo custo excessivo provocado pelos juros altos. A política monetária implementada pelo comando do Banco Central do Brasil (BC) melhorou a composição da dívida. Caiu o volume de títulos corrigidos pelo dólar e aumentou o de papéis prefixados.
No fim do ano passado, o País não conseguia rolar sua dívida, o mercado não aceitava correr risco de emprestar para o Governo. A venda de títulos de curtíssimo prazo era apenas com papéis pós-fixados, aqueles nos quais os juros pagos são os do dia do vencimento. Isso significa, em outras palavras, que a expectativa era de que os juros subiriam. Além disso, 40% da dívida eram corrigidos pelo dólar. Em resumo: dívida de vencimento curto, protegida pelo câmbio e, mesmo assim, com juros a fixar no dia do vencimento. Todos sinais de medo de que algo fosse acontecer com a dívida.
Superado o risco do calote, o BC começou uma lenta caminhada para a normalização. Não completada, mas já com alguns sinais bons. Veja os gráficos abaixo feitos pelo Banco Central.
Primeiro, a queda dos títulos corrigidos pela variação do dólar, que são problemáticos em época de crise. Se o valor do dólar dispara — como já aconteceu várias vezes nos últimos anos — a dívida fica instantaneamente mais cara. O BC foi reduzindo o total da rolagem, resgatando um pouco a cada vencimento. Aumentou o volume de resgate durante o ano. Isso evitou que o real subisse muito e reduziu este ponto de vulnerabilidade. Agora, o volume de papéis cambiais é de 24% do total.
Segundo, a alta do volume de venda de títulos prefixados, dando mais um sinal de que o mercado prevê a queda dos juros nos próximos meses.
Terceiro, a queda dos juros privados. Nas operações de 360 dias que têm impacto nos custos de financiamento das empresas, os juros vêm caindo mais fortemente do que as taxas do Banco Central.
A taxa Selic com que se encerra o ano de 2003 é a menor desde Abril de 2001. Nos últimos anos, os juros têm sido altos e com oscilações bruscas. O ano de 99 começou com um mega-choque de juros para enfrentar a desvalorização. Chegou a 45%. Depois foi caindo ao longo do ano e fechou em 19%. Nos dois anos seguintes, ficou relativamente estável. No ano passado, começou o novo choque de juros que vem sendo desfeito este ano. Em outubro foi de 18% para 21% e continuou subindo até à segunda reunião do Copom de 2003 quando atingiu os 26,5%. Em junho, começou a lenta queda que, em sete meses, derrubou a taxa em dez pontos percentuais. O BC aproveitou a onda de melhora — após o sucesso na política antiinflacionária — para mudar a composição da dívida.
Ainda há uma enorme estrada no trabalho de tornar a dívida mais barata, reduzi-la como proporção do PIB, ter taxas compatíveis com o crescimento, diminuir os juros para as empresas e pessoas físicas, diminuir as enormes diferenças cobradas pelos bancos entre as taxas de captação e de empréstimo, aumentar o volume de crédito na economia. Passos fundamentais para que o Brasil tenha uma economia normal. Hoje ainda não tem. O que se fechou ontem, com sucesso, foi o processo de superação da gravíssima crise de confiança que fazia com que, há pouco mais de um ano, os relatórios dos bancos apostassem no calote brasileiro. Não houve calote e os juros caíram dez pontos percentuais em 2003. Isso não resolve a aflição da falta de crescimento, mas encerra de forma positiva o ano.
A propósito, o BANCO do Brasil S/A (BB) concluiu na Quarta-feira, 17, a sua mais longa captação no mercado internacional desde 1997: foram US$ 250 milhões com prazo de 10 anos e spread de 2,92%. Segundo o vice-presidente da área internacional do banco, Rossano Maranhão, “um sinal inequívoco de que a tendência é reduzir cada vez mais o spread e aumentar o prazo”. No total, o BB captou este ano US$ 940 milhões, quase o dobro da meta inicial. (Wladmir Álvaro Pinheiro Jardim)

Trombadas e trombetas




Neste final de ano o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vem descarregando números relativos aos últimos anos do governo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que, cá pra nós, só fazem melhorar a imagem do antecessor do presidente Luiz Inácio da Silva (PT-SP). Recentemente, foi o Produto Interno Bruto (PIB) de 2002 que foi revisto para cima exatos 0,4%, isto é, um PIB inteiro do primeiro ano de governo Lula.
O mesmo se dá com o combate à fome, marketing preferencial do programa de governo do Partido dos Trabalhadores (PT). Pois a FAO (um braço da ONU que trata das necessidades alimentação e combate à fome no mundo) divulgou um relatório cheio de elogios ao Brasil, uma exceção de redução dos famintos num mundo onde o problema só faz aumentar.
O resultado foi tão bom que o líder do Governo, senador Tião Vianna (PT-AC), apressou-se a saudá-lo, sendo lembrado pelo senador José Jorge (PFL-PE), de que os números da FAO paravam em 2001, ou seja, abrangiam apenas o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP).
Terça-feira, 02, foi a vez da divulgação de dados referentes à expectativa de vida dos brasileiros, relativa a 2002, que melhorou para 71 anos, acima da média mundial de 65,4 anos. O brasileiro ainda vive pouco, em relação aos países desenvolvidos como o Japão ou alguns da Europa como a Suécia, que têm expectativa de vida acima de 80 anos. Mas vem melhorando gradativamente.
O presidente da República Luiz Inácio da Silva, no entanto, está convencido de que dias melhores virão. E assim como já está com validade vencida a desculpa da "herança maldita", haverá o dia em que os números da economia não serão mais comparados, nem vistos como meras continuações da administraçaõ Fernando Henrique Cardoso. Serão só seus, para o bem ou para o mal.
O ministro de Estado da Educação Cristovam Buarque (PT-DF) garante que o novo sistema de avaliação do ensino superior que está propondo não tira os méritos do que foi implantado pelo ex-ministro Paulo Renato Souza (PSDB-SP), mas o aperfeiçoa. Buarque acha que seus críticos estão demonstrando um enorme apego ao passado. "Ninguém está vendo que eu estou acrescentando coisas, que não estou tirando nada?", diz ele. "Quem acha que o Provão é uma maravilha de Deus, terá o Provão", afirmou.
No último dia 03, o ministro foi à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados com um documento de dez páginas em que explicou suas idéias. Amanhã, 04, Buarque envia o projeto de lei para o Gabinete Civil da Presidência da República. As idéias iniciais da comissão que montou para estudar o assunto já foram alteradas, mesmo assim, ficou a sensação de choque das declarações iniciais de que o Exame Nacional de Cursos (o Provão) seria extinto. O ministro garante que não, mas, ainda assim, há vários pontos de interrogação e um medo enorme de retrocesso.
O Exame não será feito todo ano em todas as escolas, nem por todos os alunos. E os alunos que se submeterão à prova serão escolhidos por amostragem e não universalmente, como era feito antes. "Quem não acredita em amostragem, não acredita em estatística. E quem critica o fato de ser feito só de três em três anos, não percebeu ainda que, atualmente, é feito em apenas trinta por cento dos cursos. É simplesmente impossível avaliar todos os 14.000 cursos todos os anos", diz Buarque.
O ex-ministro Paulo Renato Souza acha que não é necessariamente ruim fazer a prova por amostragem: "Desde que o aluno tenha esta nota registrada em seu currículo escolar. Isso fará com que ele se empenhe para fazer o melhor mostrando o quadro verdadeiro do ensino em sua escola", afirma.
Buarque diz que as faculdades atualmente fazem uma "malandragem": "Elas pagam cursinhos para alguns alunos e dispensam os demais das provas. Assim, conseguem bons conceitos".

O risco maior dessa mudança no formato da avaliação é uma redução da visibilidade do conceito. O ministro Buarque explica que serão feitas quatro avaliações, e a prova do aluno será apenas uma delas.
A rigor, sempre foi assim, e o ministro mesmo lembra isso no documento que levou ao Congresso Nacional. O governo anterior tinha, além da prova, o sistema de avaliação das condições de ensino que analisava também a qualificação dos professores, a qualidade das instalações e o projeto pedagógico.
Agora haverá ainda uma "avaliação de responsabilidade". "As empresas não estão todas com programas de responsabilidade social? Por isso, queremos que as universidades também tenham", disse o ministro.
Ponderei que esse movimento foi espontâneo, uma mudança de valores dentro das empresas. "Elas fazem isso porque têm incentivos fiscais, nós queremos dar incentivos educacionais. Uma escola de medicina terá um pontinho a mais se tiver residência no Nordeste, por exemplo. Terá um pontinho quem estiver formando mais profissionais requeridos pelo mercado. Terá um pontinho a mais a escola de agronomia cujo curso tiver ênfase nas culturas da região onde está a escola. Isso é para informar ao próprio mercado, porque há escolas de agronomia que se negam a formar alunos nas vocações agrícolas da região porque seus professores, formados nos Estados Unidos, têm outra qualificação ", afirma Buarque.
Seja como for, o importante é que cada item avaliado tenha sua nota em separado para que se saiba exatamente em cada ponto qual é o conceito que os avaliadores consideraram. Se ficar tudo diluído no tal índice que será criado aí, sem dúvida, será um retrocesso. O avanço se dá pelo aumento da transparência e não pela mistura de conceitos e critérios.
O debate sobre o Exame mostrou a consolidação de uma mudança importante implantada pelo ex-ministro Paulo Renato. O próprio texto do ministro Buarque, apesar de dizer que o exame já existia desde os anos 80 no Brasil, admite este salto na cultura da avaliação feita no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O primeiro movimento da comissão formada pelo ministro sobre o assunto foi dizer que o Exame seria extinto. A reação foi forte e veio de todos os lados. Cristovam Buarque anda visivelmente irritado com as criticas que recebeu, acha exagerada a defesa do sistema anterior, mas admite que houve uma tendência ideológica no grupo que inicialmente sugeriu mudanças: "Cada comissão diz o que acha, mas eu disse, desde o começo, que o Provão não iria acabar. Ficaria e seria ampliado".
Todo processo pode ser alterado desde que seja para melhor. Em alguns pontos, ainda há dúvidas, como os conceitos subjetivos tirando a transparência das avaliações mais objetivas. Cabe ao ministro demonstrar ao Congresso Nacional e à sociedade brasileira que o sistema que pretende implantar é mesmo um avanço e não uma tentativa de alterar algo que estava dando certo apenas porque a idéia pertenceu ao governo anterior.
Os números da pesquisa do IBGE sobre expectativa de vida dos brasileiros revelam, mais que uma melhora dos nossos índices, os paradoxos da sociedade que estamos construindo. Aumentamos nossa esperança de vida ao nascer para 71 anos, mas estamos ainda longe de países que têm economias muito menores que a nossa, como Cuba e Chile (76,1 anos), Argentina (74,2 anos) e até mesmo Colômbia (72,2 anos), com todo o seu problema de violência.
A principal razão para a melhora é a drástica redução da mortalidade infantil, que nos últimos 20 anos caiu de 69 óbitos por cada mil crianças nascidas vivas para 28,4. Mesmo assim, estamos em posição literalmente medíocre entre os países do mundo.
A meta do Governo para 2007, de reduzir a mortalidade infantil em 11%, chegando a 24 óbitos por mil, não nos garante uma melhoria relativa contínua. Os mesmos países citados acima têm também um índice de mortalidade infantil menor que o nosso. Cuba tem índice de 6,5 crianças mortas por cada mil nascidas vivas, melhor que os Estados Unidos, cujo índice é de 7 crianças. O Chile tem 10,1 e a Argentina 16,6.
Mas o mais grave de todos os paradoxos é que nossa média de expectativa de vida não cresce mais por causa da violência urbana entre os jovens da faixa etária entre 15 e 24 anos. As principais causas de morte dos jovens no mundo são os acidentes de trânsito e homicídios, e a situação do Brasil no ranking mundial é simplesmente catastrófica.
Na terceira edição do Mapa da Violência, pesquisa realizada pela Unesco, quando se trata de homicídios e outras violências, o Brasil ocupa a 3 posição, só superado por Colômbia e Venezuela.
A situação nas capitais é dramática. Em 1980, no Rio de Janeiro, os homicídios de jovens entre 15 e 24 anos representavam 33,2% das mortes totais na capital. Em 2000, passou a representar 53,2%.
Em São Paulo, o índice era de 22,1% em 1980 e passou a 61,8% em 2000. A situação piorou em todas as capitais brasileiras, transformando-se em uma praga social: a média brasileira era de 14% em 80 e mais que dobrou, passando a ser de 35,1% em 2000.
Essa tragédia social faz com que o diretor-geral da Unesco no Brasil, o sociólogo Jorge Werthein, se pergunte: por que não há uma política nacional em relação aos jovens? Ele lembra que sempre que o governo estabelece um projeto nacional, os resultados acabam aparecendo. A redução da mortalidade infantil é um exemplo claro. A política de combate à Aids implementada pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tendo o ex-ministro de Estado de Saúde José (PSDB-SP) à frente, é outro exemplo de projeto nacional bem-sucedido.
Diante desse quadro de atrocidade, tem sentido focar a discussão na redução da idade para punição dos menores? Eles já estão sendo eliminados pelos subúrbios e periferias do país. Sempre que há uma comoção como a que provocou o brutal assassinato da estudante paulistana Liana Friendenbach e de seu namorado, a discussão começa pela pena de morte — que é defendida por pessoas tão díspares quanto a apresentadora Hebe Camargo (SBT) e o rabino Henry Sobel.
Embora os dois tenham se arrependido publicamente depois, fica a marca da vingança predominando no debate. Apesar de o presidente da República Luiz Inácio da Silva e o ministro de Estado da Justiça Márcio Thomaz Bastos terem se pronunciado prontamente contra a redução da idade, há poucos dias a Fundação Perseu Abramo, órgão de estudos ligado ao PT, apresentou uma pesquisa em que 70% da população apoiavam a medida. E com o agravante de que ela foi feita antes dos assassinatos que comoveram o País.
É compreensível a reação, inclusive porque, no caso do delinquente Champinha, ele é um reincidente que matou com requintes de crueldade. Mas é triste notar que a violência do dia-a-dia nos fez perder a capacidade de vislumbrar soluções que, mesmo utópicas, nasçam do desejo de recuperar esses jovens, em vez de apenas pensar na repressão.
Uma história acontecida no Rio de Janeiro há 40 anos pode servir de inspiração para mudar o rumo dessa discussão. O jornalista Odylo Costa perdeu seu filho, brutalmente assassinado por um Champinha da época. Foi o primeiro assassinato de um jovem da classe média por um menor delinqüente, e chocou a cidade.
Pois Costa, católico fervoroso, não apenas perdoou publicamente o assassino de seu filho, como começou uma cruzada nacional para criação de um organismo que substituísse o Serviço de Assistência ao Menor, o famigerado SAM, considerado na época uma fábrica de bandidos.
Nasceu assim a Fundação Nacional de Assistência ao Menor, sem verbas e já depois do golpe militar de 1964. Transformou-se com o tempo na famigerada Funabem, outra escola do crime, até que a Constituição de 1988 passou aos estados a tarefa de lidar com os menores infratores.
E, dois anos depois, nascia o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A tentativa de Odylo Costa não deu certo, mas sua origem foi generosa. Quem sabe não encontramos hoje caminhos diferentes da simples repressão para atacarmos essa tragédia nacional, e com melhores resultados?
O estado de São Paulo se mobiliza na tentativa de uma solução efetiva do problema. Além de trabalhar a parte repressiva, sugerindo alterações no ECA que permitam aumentar a pena dos menores criminosos, o governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB-SP), está fazendo uma experiência nova, passando a Febem para a alçada da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEESP).
O secretário de Estado da Educação Gabriel Chalita (PSDB-SP) organizou um programa de empregabilidade dos internos, na expectativa de dar a esses jovens uma perspectiva de futuro que hoje simplesmente lhes é negada pela sociedade, que discrimina os jovens infratores.
Hoje já são 700 jovens trabalhando, e outros tantos sendo treinados para poderem assumir diversas funções em empresas que aderiram ao programa. Ao mesmo tempo, a SEESP está fazendo convênio com diversas fundações e Organizações Não Governamentais (ONGs), que vão assumir a administração das unidades da Febem, numa tentativa de acabar com os focos de banditismo que se enraízam nessas instituições.
São experiências no sentido da recuperação dos menores delinquentes e criminosos, que dão sentido ao debate e esperança de solução dessa verdadeira tragédia brasileira.
É possível que, passados o primeiro ano de Governo do PT e os primeiros impactos de uma mudança tão drástica de atitude política, ninguém mais perca tempo em procurar nas declarações antigas de seus membros as contradições do PT no Governo. Essas contradições, a partir de determinado momento, passarão a fazer parte do procedimento normal do partido e, portanto, a não mais existir como contradições.
Os dissidentes mais radicais, não necessariamente aqui identificados em termos críticos, mas radicais no sentido de intransigentes com seus princípios éticos, já não estarão fazendo parte do partido governista. Como a senadora Heloísa Helena (PT-AL) que, ao recusar publicamente um aceno conciliador sugerido pelo próprio presidente da República, encerrou de vez sua história no PT.
É sintomático que o presidente da República, ao ser abordado por seus correligionários que pediam uma anistia para Heloísa Helena, tenha dito que gostaria de vê-la na prefeitura municipal de Maceió (AL) para que aprendesse o que é ser Governo. Essa é, a meu ver, a chave para o entendimento das mudanças do PT no Governo e, ao mesmo tempo, a explicação para a inércia administrativa que foi a tônica desse primeiro ano de Governo.
A falta de experiência em administrações de grande porte, juntamente com um espírito voluntarista que parecia bastar para dar soluções a todos os problemas, forma a base para a verdadeira paralisia deste governo nesse primeiro quarto do mandato presidencial.
Os petistas estão cada vez menos desconfortáveis no papel de governistas, e já admitem que mudaram forçados pelas circunstâncias com que se depararam.
A votação da reforma da legislação previdenciária no Senado da República foi um marco nesse sentido. Não apenas pelo choro de duas senadoras que votaram a favor da reforma legislativa em lágrimas. Explicitando pela primeira vez publicamente, diante de uma galeria apinhada de servidores públicos hostis e de uma audiência nacional de TV e rádio, a dificuldade que tinham diante da necessidade de tomar uma atitude contraria a tudo que sempre defenderam.
Emblemático foi o voto do vice-presidente daquela Casa, senador Paulo Paim, que passou a semana anterior à votação ameaçando votar contra a reforma, mas conseguiu arranjar um pretexto para votar com o Governo, fingindo que mantinha sua posição original.
Também o discurso do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), líder do Governo no Senado, não tendo pejo de lembrar os escritos de Max Weber e os mesmos argumentos usados pelo, então, presidente Fernando Henrique Cardoso para justificar suas reformas, é um marco na história política brasileira.
A ética da responsabilidade impõe-se aos governantes sem que eles possam reagir, desde, é claro, que não estejam dispostos a virar a mesa, como parece ser o caso do presidente da República Hugo Chávez na Venezuela, ou a senadora Heloísa Helena em Maceió.
Ou então, como acontece na Argentina, o país chega ao fundo do poço e, por absoluta falta de alternativa, tem possibilidade de rejeitar soluções por demais rígidas como única maneira, paradoxalmente, de se manter parte da comunidade internacional.
A bravata do presidente argentino com o Fundo Monetário Internacional (FMI) só se concretizou com absoluta conivência do próprio FMI, interessado em manter o país dentro das regras econômicas internacionais.
O presidente da República Luiz Inácio da Silva, frise-se, nunca fraquejou em suas convicções desde que assumiu o Governo. Ele sabia exatamente o que tinha pela frente, e deu ao ministro de Estado da Fazenda, Antonio Palocci Filho (PT-SP), total autonomia para executar a política econômica ortodoxa que vem sendo o ponto forte do governo para a comunidade internacional. E o ponto fraco com a esquerda do PT, ainda não convertida à ética da governabilidade.
Vai chegar um momento, porém, em que ele vai se deparar com o mesmo problema que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teve que enfrentar: entregar a Palocci todo o comando da economia para terminar de vez com as ambigüidades que ainda persistem no governo.
O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, já no início de sua administração, optou pelo economista Pedro Malan no Ministério de Estado da Fazenda quando tinha o economista José Serra à frente do Ministério de Estado do Planejamento Orçamento e Gestão. O presidente Luiz Inácio da Silva terá que definir com mais clareza a prevalência de Palocci dando a ele, por exemplo, a possibilidade de nomear um técnico competente e de confiança para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) urgentemente.
Mas, enquanto as mudanças dos petistas não transformam-se em banalidades, aqui e ali sempre surgem as comparações. Como agora que recuperaram do baú uma frase de Luiz Inácio da Silva em 1995, criticando o tamnho do barulho e o pouco gasto que o Comunidade Solidária havia feito naquele que foi o primeiro ano de governo Fernando Henrique Cardoso. A verba era simplesmente quatro vezes maior do que o orçamento contigenciado para o Programa Fome Zero neste primeiro ano de governo Lula. Os números, decididamente, não são favoráveis ao Governo Lula nos últimos dias.
PS: agora vem cá: trocar a nossa Escola de Samba Portela pela agremiação dos Gaviões da Fiel como representante do samba brasileiro nesta caravana rolidei presidencial às Arábias é tão esquisito quanto mandar "dois pastel" e "um chopes" do Rio de Janeiro para representar a gastronomia nacional lá fora. Com todo o respeito. (Wladmir Álvaro Pinheiro Jardim)