Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, novembro 12, 2012

Na esperança do melhor

É FATO que nem tudo que é bom para os cidadãos norte-americanos é bom para os cidadãos brasileiro, ao contrário do que pensava o primeiro embaixador do Brasil em Washington (DC), Juracy Magalhães, na Ditadura Militar (1964-85). Mas será bom para os brasileiros - e para o mundo – os norte-americanos terem reconduzido Barack Houssein Obama a mais quatro anos na Presidência da República dos Estados Unidos da América (EUA). Quanto mais não seja porque a alternativa - a ida à Casa Branca do oponente republicano Mitt Romney - dificilmente deixaria de empurrar os EUA a um retrocesso econômico que seria sentido nos quatro cantos do globo. Sem falar no ressurgimento do militarismo na política externa, o que se poderia antecipar dado o primarismo das posições do desafiante derrotado em relações internacionais e a sua dependência dos mesmos gurus neoconservadores que atiçaram o então presidente George W. Bush (2001-08) para a aventura da guerra no Iraque. Uma vitória de Romney de certo seria saudada pelo governo de Israel como o sinal verde norte-americano para deter, à bomba, o programa nuclear do Irã.



ROMNEY, ex-governador do Estado de Massachusetts, onde implantou a reforma do sistema de saúde que inspirou a reforma implantada pelo governo Obama neste primeiro mandato presidencial, apresentou-se como moderado às prévias da legenda, apenas para guinar à direita, onde se aglomeravam todos os seus rivais, quando, com espantoso atraso, “descobriu a pólvora”: o fim do centrismo na vida partidária. A radicalização republicana começou com a chamada revolução conservadora de 1968 e foi levada literalmente ao extremo com a hegemonia conquistada pelo movimento Tea Party, com seu horror ao Estado e às políticas sociais, aliado aos ultramontanos religiosos que abominam a extensão dos direitos civis aos homossexuais e pregam a revogação do direito ao aborto. Passando a fazer coro com os pregadores do privatismo, da tributação leniente com os mais ricos e da amputação do gasto público, Romney invocou ainda a experiência administrativa e a condição de empresário bem-sucedido do setor financeiro para arrebatar a candidatura.



INDICADO pelos republicanos, tratou de abrandar a sua defesa de uma política econômica darwinista que, levada à prática, mergulharia os EUA numa crise econômica talvez ainda pior do que aquela de 2008. Mas o verdadeiro Romney se deu a conhecer em um reservado jantar de arrecadação de fundos a US$ 50 mil por cabeça, ainda em Maio último. Ali confessou que não se importava com 47% dos concidadãos que, segundo ele, não pagam Imposto de Renda (IR) e vivem do Estado.



POR seu turno, o presidente Obama da Casa Branca pouco conserva do candidato que galvanizou a América e o mundo com sua trajetória, carisma e visão de mudança. Na realidade, a Presidência da República é que mudou Barack Obama - e não o contrário. Ainda assim ele vem resgatando o país da recessão. Embora a taxa de desemprego continue a flertar com a marca de 8%, a economia nacional começou a se recuperar já no quinto mês da administração democrata e, desde então, só não cresceu mais do que a alemã, entre os países ricos.



BARACK Obama é criticado por não ter feito mais. Como se fosse pouco implementar um pacote de estímulo econômico da ordem de US$ 830 bilhões, prevenir o desmanche da indústria automobilística, criar e conservar 2,5 milhões de postos de trabalho, reduzir o déficit público de 13,3% para 8,7% do Produto Interno Bruto (PIB), aprovar um histórico plano de saúde para um país com 48,6 milhões de habitantes sem seguro médico-hospitalar e acabar com a guerra no Iraque. E isso diante de uma oposição feroz a ponto de o líder republicano na Câmara dos Representantes, John Andrew Boehner, ter dito em 2010 que a prioridade absoluta da legenda era assegurar que Barack Obama fosse presidente de um mandato só. Podia ter acrescentado, como tantos de seus correligionários tentando disfarçar o racismo, que esse presidente "nasceu no Quênia", é "muçulmano enrustido", "socialista convicto" e "não compartilha dos valores norte-americanos".



QUEM prevaleceu? Uma nação bem mais dividida do que aquela que o consagrou há quatro anos manteve na Casa Branca o presidente Obama, rejeitando a plataforma do candidato republicano Mitt Romney de cortes de impostos e dos gastos sociais - menos Estado, em suma -, para reanimar a economia e conter o déficit público. Mesmo a maioria dos insatisfeitos com os modestos progressos obtidos por Obama no combate à mais severa recessão desde a Grande Depressão dos anos 1930, que surgiu pouco antes de sua primeira vitória, parece ter preferido o certo ao perigoso. Grosso modo, a densidade dessa maioria variou conforme a posição dos seus membros na escala social. Quanto mais pobre, vulnerável e inseguro o eleitor que enfrentou horas de fila nos postos de votação, maior foi a sua propensão para barrar o acesso ao governo de um representante acabado do "poder do dinheiro".



AO voto dos have not somou-se o voto dos hispânicos, como se designam nos EUA os habitantes de origem latino-americana, com uma presença sem paralelo na história das eleições presidenciais do país. Romney revoltou esse contingente cada vez mais ativo na vida nacional, ao lado dos asiáticos, ao defender na campanha a "autodeportação" dos imigrantes ilegais. Os números apertados da disputa no Estado da Flórida deixaram patente a repulsa dos latinos à ameaça a muitos dos seus - nesse país construído por forasteiros e em plena aceleração da diversidade demográfica. Além disso, parte ponderável do eleitorado feminino bisou o apoio dado a Obama em 2008, enquanto aumentou o apoio da sociedade à nova agenda de liberdades civis, a que os conservadores têm horror, com o casamento gay, o direito ao aborto que procuram bloquear, a separação entre ciência e religião, e desta do Estado. A coalizão social obamista incluiu ainda os muitos para os quais a nova lei da saúde, que os republicanos pretendiam derrogar, representa um avanço histórico - o que, de fato, é.



COM tantos eleitores com tantos motivos para reeleger o presidente, apesar do desmanche do seu mito, era de esperar, talvez, que ele tivesse nas urnas um desempenho, se não à altura do pleito anterior, pelo menos que não o apequenasse. Não foi o que aconteceu: o conservantismo é uma força na América profunda. Embora não se saiba quando serão conhecidos - e pacificados - os números finais da disputa direta pela Casa Branca, tudo indica que Obama terá sobre Romney uma vantagem nitidamente mais modesta do que os 7 pontos porcentuais com que deixou John McCain para trás em 2008. As projeções de ontem, apresentadas com compreensível cautela, sugeriam que a vantagem poderá alcançar 3 pontos, mas dificilmente irá além. Obama saiu-se um tanto melhor do que o oponente em quase todos os Estados-pêndulo, disputados voto a voto. Foi o que bastou, nesse restritivo modelo eleitoral, para ele conquistar a maioria dos 538 delegados que, afinal, escolhem o presidente da República nos EUA.



DE qualquer modo, Barack Obama não voltou a ter os 365 "votos eleitorais" de 2008, ao passo que Romney superou em muito os 173 de McCain. E, como se previa, os republicanos mantiveram na Câmara dos Representantes a maioria tomada dos democratas nas eleições de meio de mandato de 2010; em compensação, os democratas consolidaram o seu domínio no Senado Federal. O que interessa é que os republicanos parecem tão refratários ao diálogo com Obama como estiveram ao longo do período presidencial que, rancorosamente, se empenharam em manietar. A vantagem de Obama, a curto prazo, é ser esse um Congresso em fim de mandato. É improvável que a atual oposição se negue a um acordo que impeça os EUA de cair no "abismo fiscal". É o que ocorrerá se não for desativado a tempo o pacote de US$ 600 bilhões em cortes de gastos e aumento de impostos, a entrar em vigor em janeiro. A partir daí Barack Obama terá de provar, como disse, já reeleito, que "o melhor ainda está por vir".