Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, outubro 12, 2011

Esmola com o chapéu alheio

SÃO PAULO (SP) - NUMA sessão bastante tumultuada, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) do Estatuto da Juventude que, entre outras inovações estapafúrdias, assegura a meia-passagem em ônibus intermunicipais, interestaduais e de turismo a jovens assim classificados em três faixas etárias: o jovem adolescente, entre 15 e 16 anos; o jovem-jovem, entre 18 e 24 anos; e o jovem adulto, entre 25 e 29 anos.

TAL projeto contou com o apoio da União Nacional dos Estudantes (UNE), hoje uma "entidade chapa branca" que vive à custa do monopólio da expedição das carteirinhas que garantem o direito de estudantes à meia-entrada em eventos culturais e de entretenimento. Dominada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), ao qual é filiada a relatora do PL - a deputada federal gaúcha Manoela D'Ávila (PCdoB-RS) -, a entidade estudantil providenciou uma claque para aplaudi-la durante a votação do PL Estatuto da Juventude.

ALÉM da meia-entrada em cinemas e teatros, o PL concede às três categorias de jovens o mesmo direito em eventos esportivos, o que pode levar o governo a enfrentar mais problemas com a Federação Internacional de Futebol (Fifa). No acordo firmado com a entidade ficou estabelecido que não será admitido qualquer tipo de desconto - inclusive a meia-entrada para estudantes - nos jogos da Copa do Mundo da Fifa a ser realizada no Brasil em 2014. A relatora alega que uma preocupação pontual, como a relativa aos jogos da Copa do Mundo da Fifa, não pode inviabilizar a concessão de um benefício em caráter permanente.

OUTRO ponto de colisão com a Fifa diz respeito à propaganda de bebida alcoólica, uma vez que as grandes cervejarias mundiais estão entre os principais patrocinadores da Copa da Fifa e o Estatuto da Juventude prevê restrições para este tipo de publicidade. Para contornar o problema, que foi levantado pela Oposição, D'Ávila propôs uma redação que prima pela imprecisão. Segundo o texto aprovado, "a política de atenção à saúde do jovem terá como diretriz a proibição da propaganda com qualquer teor alcoólico (sic), quando esta se apresentar com a participação de jovem menor de 18 anos".

O PL do Estatuto da Juventude também se destaca pela profusão de boas intenções, frases vagas e dispositivos que já constam da legislação em vigor. No capítulo sobre o "direito à saúde integral", por exemplo, ele recomenda às escolas que incluam no currículo temas relativos ao consumo de álcool, drogas, doenças sexualmente transmissíveis, planejamento familiar e saúde reprodutiva. Segundo o texto, as políticas de saúde devem reconhecer o impacto da gravidez nos jovens, "em todos os aspectos, do psicológico ao econômico". No capítulo sobre profissionalização e trabalho, o PL enfatiza a necessidade de cumprir as leis que tratam de vagas para aprendizes e proíbem a exploração do trabalho infantil. E, repetindo o que já consta da Constituição Federal do Brasil (CFB), o PL afirma que o jovem não será discriminado por sua etnia, cor, cultura, condição social, condição econômica e orientação sexual.

D’ÁVILA classificou como "histórica" a aprovação do PL do Estatuto da Juventude. Já para a secretária nacional da Juventude, Severine Macedo (PCdoB-RJ), ele representa "um grande avanço". Evidentemente, trata-se de um exagero. Se há algo que merece aplauso, com relação ao projeto, foi o que de bom senso prevaleceu nas negociações. Por pressão da oposição, foram suprimidos os dispositivos que abriam caminho para mais um trem da alegria, como a criação de cargos remunerados para os Conselhos da Juventude nos Estados da Federação e nos mais de 5,5 mil Municípios brasileiros. E, por recomendação da Secretaria Nacional da Juventude, a relatora Manoela D’ávila alterou o texto original, deixando claro que os Estados e Municípios que criarem conselhos terão de fazê-lo com recursos próprios.

AO repetir o que já está previsto pela legislação atual e enumerar um extenso rol de princípios óbvios, o PL do Estatuto da Juventude é uma bandeira mais vistosa do que necessária. Mas, pelo impacto que a concessão indiscriminada da meia-entrada pode causar em companhias de transporte coletivo, teatros, redes de cinema, casas de lazer e estádios de futebol, ele se tornou um problema - seja para os empresários do setor, seja para os Estados e Municípios, que serão pressionados a subsidiar a generosa iniciativa. Cabe ao Senado Federal como legítima Casa revisora do Poder Legislativo no Brasil escoimar o PL do Estatuto da Juventude dos dispositivos mais absurdos.