Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, janeiro 03, 2010

Lances eleitorais do final do ano (passado)

SALVADOR (BA) – FESTAS do final de ano, bimbalhavam os sinos e o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) se fantasiou de Papai Noel dos pobres, distribuindo bondades a catadores de material usado e a moradores de rua. Ele aproveitou a ocasião, como era previsível, para falar mal do bicho-papão de sempre, o rico insensível e egoísta. A festa natalina inclui - por que não? - uma breve malhação de Judas. Afinal, não há populismo sem a lembrança permanente de um inimigo do povo. Mas era hora de alegria. Desta vez o saco de bondades trouxe um incentivo fiscal para as empresas compradoras de resíduos, a promessa de habitações e uma ampliação do programa Bolsa-Família para moradores de rua. Os presentes foram anunciados num discurso com farto conteúdo eleitoral. A cena prenunciou o estilo da campanha dos próximos meses.

“O-CARA” estimulou o auditório a apresentar reivindicações, sem medo e com pressa, porque dentro de um ano ele será um "rei posto". Há pouco tempo para a distribuição de bondades e para a formulação de promessas. Em Dezembro deste 2010 de Deus outro brasileiro terá sido eleito para a Presidência da República. Há risco para o povo, mas também há esperança de continuidade: "Se for quem eu penso que vai ser, a gente pode trazer junto aqui para fazer promessa". Rei posto, sim - pois ele não se refere a si mesmo como "rei morto". O discurso é quase místico: "Não faço isso por bondade, faço isso porque está no meu sangue, nas minhas entranhas. Sei de onde eu vim e para onde vou voltar”.

QUEM se oporá, em princípio, à concessão de incentivo fiscal - crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), neste caso - a quem converter resíduo em matéria-prima? Pode ser bom para o meio- ambiente, para toda a sociedade e, de modo especial, para os catadores de material reciclável organizados em cooperativas. Falta saber se as empresas precisam desse estímulo para usar o material reciclável. É um detalhe técnico, mas disso o vosso presidente da República não cuida. Não é assunto para comício. Seja qual for a seleção de materiais para uso incentivado, o lance eleitoral está feito.

DA MESMÍSSIMA maneira, a promessa de entrega de imóveis federais a moradores de rua não se cumprirá imediatamente. Foi formulada antes, pelo mesmo governo, e seu cumprimento mal começou, mas quem se lembra disso? Seja qual for a fidelidade aos compromissos, “O-CARA” não tem motivo de preocupação. Sempre sobra um saldo político aproveitável e sempre se pode responsabilizar os inimigos do povo, se os benefícios não se concretizarem.

CONTUDO, pelo menos com dinheiro “O-CARA” não tem de se preocupar. Todos os presentes prometidos no encontro com os catadores e moradores de rua são relativamente baratos. Mas não haveria grande problema, se fossem caros. O governo dispõe de uma enorme tributação para distribuir benefícios a setores e a grupos selecionados segundo seus critérios de conveniência - ou segundo seus interesses eleitorais.

POR ISSO mesmo, “O-CARA”, não admite discutir a redução da carga tributária. É indispensável, segundo ele, a um Estado forte. A alegação é falsa. Estados muito mais fortes que o brasileiro - mais eficientes na prestação de serviços e mais poderosos militarmente - são mantidos com impostos menos pesados. Em 2007, pelo menos 12 dos países da OCDE, o clube dos industrializados, tinham carga inferior à brasileira.

NOSSA excessiva tributação no Brasil é um fator de força não para o Estado, mas para o governante. Impostos pesados servem para pressionar, para ameaçar e para causar danos. Mas servem também para financiar a distribuição de favores, a cooptação de aliados e a competição eleitoral. Mesmo com a recessão e com a concessão de benefícios anticrise, a tributação brasileira continuou mais pesada que a da maior parte dos emergentes. Com a reativação, os incentivos desnecessários serão eliminados, anunciou o secretário do Tesouro Nacional (TN), Arno Augustin (PT-SP). Estímulos distribuídos segundo o critério do governo poderão, de fato, ser dispensáveis a partir de agora ou em breve. Mas o problema essencial permanecerá: os produtores brasileiros são onerados por tributos incompatíveis com o investimento e com o aumento da competitividade. Se esses tributos forem reordenados de forma ampla e racional, o Brasil será um país mais forte. Mas o governante terá menos recursos para o exercício do arbítrio e do poder pessoal ou de grupo. “O-CARA” sabe disso e fez sua escolha.