Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, março 25, 2006

O escolhido!

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
RIO DE JANEIRO


Embora não esteja, na largada, em posição competitiva para a disputa presidencial, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB-SP) tem, apesar das aparências de divisão interna, um ambiente menos conturbado, dentro e fora do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), do que o que encontrou o prefeito da Capital paulista José Serra (PSDB-SP) quando foi candidato nas últimas eleições presidências em 2002. Naquela ocasião, Serra teve de dar muitas cotoveladas para se transformar em candidato viável, dentro e fora do partido. Cotoveladas que reforçaram a fama de prepotente e agressivo e dificultaram as relações políticas com o Partido da Frente Liberal (PFL) e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), agremiações que compunham a base do governo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e que acabaram “lulando”, pelo menos em partes importantes.

O rompimento com o PFL, porém, não teve início com a escolha de Serra como candidato à Presidência, nem mesmo quando, em 2001, o então deputado Aécio Neves da Cunha (PSDB-MG) decidiu quebrar um acordo tácito entre a base governista e ganhou o apoio do PMDB contra a candidatura do PFL para a Presidência da Câmara dos Deputados.

Já em 1999, tendo como pano de fundo a queda de popularidade do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso depois da desvalorização do real, logo após sua reeleição, o PFL já ensaiava lançar candidato próprio, na figura do então presidente do Senado Federal, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). A disputa pelas Presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, dois anos depois, apenas deixou explícita a união entre PSDB e a maioria do PMDB, que acabou sendo a coligação que disputou as eleições presidenciais contra o vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva (PT-SP) um ano depois.

Antonio Carlos Magalhães foi pivô da divisão de então, e tornou-se um grande aliado de Luiz Inácio da Silva depois que seu partido teve que desistir da candidatura da senadora Roseana Sarney (PFL-MA), abortada quando parecia fadada a derrotar o então candidato petista, devido a um inexplicável pacote de dinheiro vivo encontrado no escritório de seu digníssimo consorte, Jorge Murad (PFL-MA).

A ação do Departamento de Polícia Federal (DPF) até hoje é atribuída à influência de Serra, e fez com que parte do PFL e a família Sarney se virassem contra o atual prefeito de São Paulo. Hoje, ironicamente, o PFL, com exceção de Antonio Carlos Magalhães, preferia a candidatura Serra, superados os mal-entendidos. Mas nada indica que a escolha de Alckmin venha a ser rejeitada pelos liberais.

Quem deu, no episódio recente, impensáveis cotoveladas foi Alckmin, enquanto Serra, que tinha a seu favor os números das pesquisas de opinião e intenções de voto e o apoio do PFL, nem tentou competir à base da força, mas do convencimento de que seria a melhor opção partidária.

A estratégia não deu certo, e Serra saiu do episódio abatido, mas tendo assumido o papel certo para o momento. Colocou-se à disposição do partido, e não aceitou dividi-lo com disputas de facções. Uma possível derrota na eleição deste ano para o vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva ficará debitada para sempre na conta de Alckmin.

Serra preservou-se para nova disputa, agora ao governo do Estado de São Paulo ponto de maior destaque, e se tudo der certo, poderá ter um bom cartão de visita para apresentar ao eleitorado (obras, melhoria da segurança pública, etc & tal) em 2010 e continuará sendo uma das referências nacionais do PSDB caso Alckmin não consiga se eleger presidente da República. Terá uma provável disputa com o governador do Estado de Minas Gerais Aécio Neves da Cunha, mas esta será outra história, no tempo político certo.

Por paradoxal que pareça, o fato de Alckmin ser um candidato mais fraco eleitoralmente faz com que seja mais aceito pelos líderes peessedebistas, pois para uma vitória precisará mais do apoio de todos, e fará, portanto, mais concessões nos acordos, ao contrário de Serra, que seria o candidato imposto pela preferência do eleitorado peessedebista e teria o comando total da campanha eleitoral.

O jeito interiorano de Alckmin agrada aos prefeitos no Nordeste e Centro-Oeste, onde o presidente-candidato Luiz Inácio da Silva está mais forte. Seu jeito “família” pode capturar a classe média, que havia abandonado o barco do Partido dos Trabalhadores (PT) e está voltando a apoiá-lo. No rápido discurso que fez ao ser indicado oficialmente, Alckmin já mostrou a direção que terá sua campanha: falou mais em competência e eficiência do que em corrupção.

Ao abrir mão do candidato que aparecia até então em melhor posição nas pesquisas, o PSDB agiu com pragmatismo: preferiu manter a hegemonia em São Paulo, um pólo de poder importante no País, a arriscar perder tudo de uma vez. Mas também admitiu implicitamente que considera possível uma derrota. A corrida pela Presidência, que já esteve irremediavelmente perdida e praticamente ganha, no momento parece tender-se a um resultado imponderável.

A escolha do PSDB recoloca ao alcance do partido um voto da elite financeira e empresarial que, temerosa de uma certa “independência” de Serra em relação à política econômica atual, chegava a preferir a manutenção da equipe chefiada pelo ainda ministro de Estado da Fazenda Antonio Palocci Filho (PT-SP), apesar de todas as enrascadas em que o médico-ministro e sua “turma de Ribeirão Preto” vêm sendo flagrados nos últimos meses pelas Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs) instaladas no Congresso Nacional.

É provável que a divisão PSDB não tenha grandes reflexos na campanha, pois o grupo de Serra, para elegê-lo o sucessor de Alckmin no Palácio dos Bandeirantes (sede do governo do Estado de São Paulo), vai precisar do apoio dessa máquina do governo que Alckmin controla e usa tão bem. Só haveria uma crise séria se, inebriado pela vitória, o grupo de Alckmin começasse a trabalhar para fazer também um outro candidato ao governo paulista. Mas nada indica que Alckmin seja um suicida político.

Se todo o esforço do PSDB na escolha de seu candidato foi para evitar feridas e seqüelas, a ausência de José Serra na cerimônia de anúncio da candidatura Alckmin simbolizou a inutilidade da delonga novelesca. Evitando a disputa (que possivelmente perderia) para não rachar o partido, o prefeito jogou sobre os ombros de Alckmin e dos dirigentes a responsabilidade pela escolha do nome menos competitivo.

Seguem-se agora, para o PSDB e o escolhido, três tarefas imediatas e importantes para a implementação da escolha feita. Em primeiro lugar, curar as feridas e seqüelas já visíveis. Depois, compor-se com o PFL. Alckmin precisa seduzir os peefelistas liderados pelo prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia (PFL-RJ) que preferiam a candidatura de Serra e desdenharam a sua. E por fim, segue-se a escolha do candidato a governador de São Paulo, cujo palanque funcionará como pilar central da campanha presidencial peessedebista. Não se deve ainda descartar, diz um peessedebista bem situado, a hipótese de Serra a aceitar o desafio proposto pelo amigo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nos próximos dias.

Começando pelas feridas, abertas mesmo sem a ocorrência de prévias: Serra e os seus acreditaram que em algum momento o trio condutor (Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves e Tasso Jereissati) faria valer o critério do favoritismo nas pesquisas, enquadrando o governador, que a todos surpreendeu com sua determinação. Não se colocando na disputa, permitiu que Alckmin, em campanha aberta, subvertesse os critérios estabelecidos, fazendo prevalecer a lógica do apoio partidário. Em recente jantar que teve com a bancada federal na casa do deputado Eduardo Gomes, em Brasília (DF), a subversão ficou evidente. A conta de apoios internos prevalecia sobre os índices nas pesquisas.

Serra perderia, por isso não topou a disputa, dizem os alegres alckministas. Mas colocando-se como candidato na última hora, lembrando seus índices nas pesquisas e recusando-se a participar de uma disputa que favoreceria o adversário interno, ele se descolou da opção do partido. Sua nota de véspera deixa isso claro. A ausência também. Em 2002 ele viu muitos peessedebistas cruzarem os braços. Se não quiser passar pelo mesmo, Alckmin terá que entrar em campo com boa dose de habilidade e curativos.

A questão com o PFL foi explicitada por seu presidente, senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), ao dizer que fará uma consulta ampla sobre três hipóteses: aliança com o PSDB, candidatura própria ou independência na eleição presidencial. Rodrigo Maia lembrava que a candidatura de seu pai, César Maia, oficialmente ainda está colocada, devendo ele ser consultado sobre sua retirada. É natural, dizem peessedebistas, que o PFL agora queira encarecer o acordo. Por isso mesmo Alckmin precisa ir à luta, valendo-se da ajuda dos peefelistas que torceram mais abertamente por ele, como os senadores José Agripino Maia (PFL-RN) e Antonio Carlos Magalhães.

Por fim, a candidatura a governador Geraldo Alckmin. Tendo abdicando da disputa em nome da unidade, é natural que a escolha do candidato a governador seja uma prerrogativa de Serra e seu grupo, não de Alckmin. Entre os serristas, há quem admita a hipótese e há quem a despreze. Mas as pesquisas apontando Serra como um candidato quase imbatível, serão consideradas. O governo de São Paulo não é um prêmio de consolação, é o segundo pólo de poder mais importante do País. Os outros candidatos peessedebistas são fracos e a dobradinha facilitaria a unidade partidária.

Agora, segue o baile com a novela do PMDB. Chuchu com rapadura ou com carne de sol? A brincadeira é dos peefelistas, referência aos senadores José Jorge (PFL-PE) e José Agripino, cotados para serem vice de Alckmin. Vale tudo mesmo contra o petismo!