Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, março 03, 2012

Farsa de autocrata

CINICAMENTE e simulando ser um chefe de Estado não apenas imbuído das mais acendradas convicções democráticas, como ainda por um governante magnânimo em face de seus críticos injustos, o autocrata equatoriano Rafael Correa - que disputa com o presidente da Bolívia, Evo Morales, a duvidosa honraria de ser o mais fiel seguidor do caudilho venezuelano Hugo Chávez - decidiu "perdoar" três diretores e o ex-editor de Opinião do jornal El Universo, de Guayaquil, contra os quais abriu processo por alegado crime de injúria.

A CORTE Nacional, a mais alta instância do Judiciário no Equador, semanas atrás, condenou os irmãos Carlos, César e Nicolás Pérez, que dirigem o diário equatoriano, e o jornalista Emilio Palacio a três anos de prisão e ao pagamento, ao próprio Correa, do equivalente a US$ 40 milhões a título de multa, pela publicação do artigo Não às mentiras, em Fevereiro de 2011. O texto, de autoria de Palacio, comentando a conduta do autocrata durante a revolta policial de Setembro de 2010, em Quito, chama-o de "ditador" por ter ele mandado abrir fogo, sem aviso prévio nem consulta a quem quer que fosse, contra os amotinados entrincheirados em um hospital. Oito policiais foram mortos. "Vale recordar", assinalou o jornalista, "que os crimes de lesa-humanidade não prescrevem".

AS PENAS extravagantes pedidas por Rafael Correa deixaram escancarado que o seu intento não era obter uma reparação pelo que teria o direito de considerar um ataque pessoal infundado da parte de um jornalista raivoso, mas, isto sim, intimidar a Imprensa no Equador. Para ele, a divulgação de fatos e opiniões com independência constitui nada menos do que "abusos" - dos quais ele tinha o dever de proteger o país. Tudo não passou de uma farsa - a começar da autonomia da Corte Nacional de Justiça. No começo do ano, Correa substituiu quase todos os membros do colegiado por figuras de sua confiança. Fez mais: deixando patente quem manda no Poder Judiciário equatoriano, mandou antecipar de Outubro para Fevereiro o julgamento dos acusados, para que o caso marcasse a estreia daquela Corte reestruturada para servi-lo.

E ESTE simulacro de Justiça foi saudado por Correa como uma "vitória histórica" contra os "abusos da Imprensa". Da sua perspectiva estreita e contaminada pelo exercício voluptuoso do poder unipessoal, ele não conseguiu antecipar a repulsa internacional à sentença, cobrindo o seu governo de opróbrio e ridículo.

A REPERCUSSÃO desmoralizadora deste caso desferiu um golpe letal nas pretensões do discípulo do coronel Chávez de se mostrar artífice do que seria a nova e vibrante democracia equatoriana. Restou-lhe a alternativa de tentar reverter a situação em seu próprio favor, aparecendo desta vez como generoso e tolerante - e, ainda assim, vítima. Além do "perdão" aos quatro jornalistas do El Universo, cujo processo a obediente Corte Nacional de Justiça apressou-se a arquivar, ele desistiu de uma ação contra dois outros jornalistas por "dano moral".

EM seu livro El Gran Hermano, Juan Carlos Calderón e Christian Zurita denunciaram o favorecimento a empresas de um irmão do presidente da República do Equador, Fabricio Correa, em contratos de mais de US$ 200 milhões firmados com o governo. Condenados em primeira instância a pagar ao chefe do governo uma indenização de US$ 1 milhão cada um, recorreram, à falta de melhor, ao subserviente Tribunal Superior de Justiça, que obviamente manteria a pena - o que, por sua vez, apenas redobraria os protestos internacionais contra o regime liberticida de Correa. O seu recuo, sem sombra de dúvida, é apenas tático. "Perdoo, mas não esqueço", ameaçou, ao anunciar as "concessões a quem não as merece". Procedem, portanto, as preocupações das entidades de defesa do direito à livre expressão com o futuro do Jornalismo naquele país sob o guante de Correa.

BEM como observado pelo presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Milton Coleman, "os cidadãos equatorianos não podem perder de vista que se mantém o precedente de um presidente que coage a imprensa de seu país com ameaças legais. A liberdade de imprensa é um direito humano inerente e não existe simplesmente porque um presidente deseja concedê-la como um favor especial".