Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, setembro 30, 2009

O BNDES entra no jogo

O GOVERNO do petismo decidiu envolver o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na construção e reforma de estádios para a Copa do Mundo de 2014. O banco estatal poderá emprestar até R$ 400 milhões ou 75% do custo de cada projeto - o menor dos dois valores - a governos estaduais e prefeituras. Os empréstimos poderão, portanto, chegar a R$ 3,6 bilhões, se forem financiados somente os estádios públicos de 9 das 12 cidades-sede pré-selecionadas. Mas já se admite a hipótese de créditos para as obras de estádios particulares - o Morumbi, pertencente ao São Paulo Futebol Clube (SFC); a Arena da Baixada, do Atlético Clube Paranaense (PR); e o Beira-Rio, do Internacional de Portão alegre (RS). Dirigentes do SFC já confirmaram interesse na obtenção de uma quantia entre R$ 120 milhões e R$ 140 milhões. O governo também propõe uma linha de financiamento para projetos de mobilidade urbana - metrôs e corredores de ônibus, por exemplo. Com o envolvimento na Copa, amplia-se mais um pouco o leque de responsabilidades atribuídas ao BNDES. Também fica um pouco mais difícil entender o seu atual papel como instituição de fomento e seus padrões de administração financeira.

NÃO HAVERIA dinheiro público nas obras para a Copa do Mundo de 2014, garantiam há dois anos as principais figuras envolvidas no empreendimento. Mas a ideia foi abandonada e, como registrou o Jornal O GLOBO em recente reportagem publicada, em Agosto o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, anunciou o provável financiamento de obras com recursos públicos. Ele só excluiu, na ocasião, os três estádios particulares.

O GOVERNO poderia ter proposto o uso de verbas orçamentárias, mas preferiu usar o BNDES como canal de financiamento. Formalmente, pelo menos, prefeituras e governos estaduais tomarão empréstimos e assumirão o compromisso de devolver o dinheiro. Pela proposta apresentada ao governo do Rio Grande do Norte, haverá dois anos de carência e dez para pagamento, com remuneração de 1,9% ao ano mais Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente fixada em 6% ao ano. Mas terão os governos e prefeituras suficiente rentabilidade, com esse investimento, para liquidar o empréstimo no prazo estabelecido?

PORÉM, este não é o único e talvez nem seja o detalhe mais importante. Falta esclarecer se o financiamento de obras para a Copa do Mundo de 2014 é de fato prioritário para um banco de fomento. Essa questão é especialmente relevante quando esse banco é a principal fonte de empréstimos de longo prazo para a ampliação e a modernização das empresas brasileiras. Também não se pode esquecer o papel do BNDES como financiador das exportações. A importância desse papel deverá crescer nos próximos anos, porque a competição no comércio internacional será provavelmente mais dura nos primeiros anos pós-crise.

TODAS essas dúvidas sobre os objetivos, prioridades e funções do banco não são novas, no entanto. O BNDES interveio, no começo do ano, para facilitar a compra da Aracruz Celulose pelo Grupo Votorantim. "É uma das tarefas do BNDES apoiar a formação de empresas brasileiras eficientes, com atuação global", me disse o presidente da instituição, Luciano Coutinho, procurando justificar o negócio.

DE FATO, uma das empresas, a Aracruz, estava com grave problema, depois de perder R$ 2,18 bilhões em operações com derivativos cambiais. Outras grandes empresas também perderam dinheiro com operações desse tipo e não foram socorridas por bancos estatais.

TEM CAUSADO estranheza, também, a participação do BNDES no financiamento à Petrobrás S/A, mesmo depois da melhora das condições no mercado internacional. A estatal, assim como outras grandes companhias brasileiras, tem normalmente acesso ao crédito externo e pode dispensar o apoio de bancos ligados ao governo, deixando espaço para outras empresas.

A AÇÃO do BNDES, nesse e noutros casos, parece obedecer não a critérios próprios nem a um plano formal de desenvolvimento, mas a uma estratégia de poder definida no Palácio do Planalto. Essa estratégia envolve uma companhia pública: a Petrobrás S/A; um bando público: Banco do Brasil S/A (BB); um banco estatal: a Caixa Econômica Federal (CEF) e as empresas estatais do setor produtivo com a Eletrobrás e a Telebrás. Na prática, essas empresas deixam de ser órgãos do Estado e/ou empresas públicas, com funções claras e critérios técnicos, para se tornarem instrumentos políticos.