Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, julho 24, 2011

Em Cortes “de papelão” republiquetas afora

LAS VEGAS (EUA) – DA MESMA forma como a livre expressão do pensamento, o recurso à Justiça por quem quer que se considere caluniado pela Imprensa é um direito consagrado nos regimes democráticos. Aparentemente, portanto, o presidente da República do Equador, Rafael Correa, agiu com inteira legitimidade ao processar por injúria o jornalista Emilio Palacio, ex-editor de Opinião do Jornal equatoriano El Universo, o principal diário daquele país, publicado a partir de Guayaquil, e os seus proprietários, os irmãos Carlos, César e Nicolás Pérez. Na edição do dia 06 de Fevereiro último, em artigo intitulado: “Não às mentiras”, Palacio acusou o presidente da República do Equador, a quem se referia invariavelmente como "ditador", de crime de lesa-humanidade.

E AO criticar a intenção de Correa de indultar os policiais e membros da Marinha que se amotinaram em 30 de Setembro de 2010, invocando reivindicações salariais - o que ele qualificou como uma tentativa de golpe de Estado -, o jornalista escreveu que um futuro presidente da República daquele país, talvez inimigo do atual, poderia levá-lo aos tribunais por haver mandado abrir fogo indiscriminadamente e sem prévio aviso "contra um hospital cheio de civis e gente inocente". Ele aludia à inesperada ida de Correa a um quartel sublevado, onde desafiou que o alvejassem. Atacado, refugiou-se no hospital da instalação, de onde foi resgatado por tropas do Exército que mandou chamar. A rebelião afinal sufocada deixou 10 mortos e cerca de 270 feridos.

RAFAEL Correa, que não se vê como um ditador, mas como um democrata avançado, a exemplo do seu mentor venezuelano, o coronel-paraquedista Hugo Chávez, alegou que o articulista lhe atribuiu, sem provas, "uma conduta prevista pela lei penal". E pediu, a título de reparação, que ele e os donos do diário El Universo fossem condenados a pagar-lhe o equivalente a assombrosos US$ 80 milhões - e a passar três anos na prisão. Deixou claro assim que, mais do que punir os responsáveis por uma presumível calúnia publicada contra si, desejava o fechamento daquele jornal, no que não passa de uma nova manifestação de endurecimento no cerco que vem empreendendo ao que resta de Imprensa livre no Equador. Mas o pressuposto do seu direito de pedir a indenização que lhe aprouvesse seria a existência de um poder Judiciário independente naquele país, que poderia, ou não, lhe dar ganho de causa à luz dos fatos.

EM verdade, o julgamento dos réus mostrou o oposto: a Justiça como extensão do cada vez mais nítido autoritarismo chavista de Correa. A sentença de primeira instância que os multou em "apenas" US$ 40 milhões, mantendo o pedido dos três anos de cadeia, foi tomada com a presença de soldados armados de fuzis e bombas de gás lacrimogêneo, em frente e dentro do tribunal. Palacio foi proibido de apresentar provas em sua defesa, a pretexto de não serem "pertinentes". O mais escandaloso de tudo foi a conduta do juiz Juan Paredes, o sexto a se ocupar da matéria em poucos meses. Ele havia deixado o processo depois que a defesa de Carlos Pérez, um dos sócios no Jornal El Universo, pediu o seu afastamento. Reassumiu na última Terça-feira, 19, em caráter temporário.

E EM não mais de 33 horas, realizou a audiência, "estudou" as 5 mil páginas dos autos e proferiu uma sentença de 156 páginas. Em seguida, foi substituído pelo juiz titular. Repetiu-se a farsa das Cortes “de papelão” de todas as ditaduras, em que a condenação daqueles que o regime quer dobrar ou destruir precede o devido processo legal. No caso, os condenados dispõem de três instâncias para recorrer da violência sofrida. O desfecho, de todo modo, pode ser previsto desde já - a menos que a indignação das instituições internacionais de defesa da liberdade de Imprensa se traduza em pressões que se façam sentir no Equador - pela exultante reação de Correa. "O reino de terror instalado pela mídia está acabando", tripudiou.

DISSE, magnânimo, que destinará a bolada da indenização para um projeto ambiental na Amazônia equatoriana e que, quando o processo transitar em julgado, retirará o pedido de prisão contra os jornalistas - um ato de arbítrio, portanto, coerente com o seu gosto pelo poder ditatorial.

DITO tal barbaridade, embarcou para Cuba onde foi celebrar com seus aliados Fidel, Raúl Castro e Hugo Chávez mais uma façanha contra a democracia que sonham extirpar da América Latina (AL).