Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, novembro 20, 2009

Liberdade fustigada

A ABORDAGEM da 65ª Assembleia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) sobre as vicissitudes do Jornalismo independente no hemisfério evidenciou um nexo inquietante entre o acúmulo de restrições - menos ou mais ostensivas, conforme o país - ao direito do público à informação e o que a entidade considera a "deterioração das liberdades" na América Latina (AL). O cenário é de "tendência ao autoritarismo", concluiu a SIP ao fim do evento que reuniu, em Buenos Aires, mais de 500 editores de jornais. Fundada em 1942, a organização é integrada por 1.300 periódicos das três Américas, cuja circulação alcança 50 milhões de exemplares diários. O cerceamento da Imprensa, como parte dos mecanismos de controle social dos quais dependem a imposição e a sobrevivência de regimes autocráticos, tem sido disseminado pelo mais virulento deles, o do caudilho venezuelano Hugo Chávez - descontada, naturalmente, a esclerótica ditadura castrista em Cuba, onde a Imprensa foi exterminada logo que Castro ingressou na órbita da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

INTERNAMENTE, a repressão à Imprensa livre se acentua a olhos vistos. Segundo o Instituto Imprensa e Sociedade (Ipys), sediado em Caracas, 2009 vem sendo o pior ano para a mídia desde a ascensão de Chávez, em 1999. Foram 107 ataques a jornalistas e meios de comunicação em 10 meses. Destes, 2/3 perpetrados por agentes ou aliados do governo - o que talvez ajude a explicar por que apenas 10% dos atos de violência são denunciados à Justiça. Além da proposta de uma lei de "delitos midiáticos", ele tem no seu prontuário o fechamento de 34 emissoras de rádio e a ameaça de fazer o mesmo com outras 240. No plano regional, o seu principal produto ideológico de exportação é a ofensiva contra a Imprensa, no marco da chamada "revolução bolivariana". O termo é um eufemismo, mas as investidas são reais. A exemplo da Lei de Comunicação do governo Rafael Correa, no Equador, o assédio tem o claro propósito de intimidar e afinal asfixiar a imprensa independente, criando condições para o monopólio estatal de fato da informação.

O CHAVISMO e a propensão autoritária de governantes como o casal presidencial (Nestor e Cristina) Kirchner na Argentina se coordenam para construir uma "arquitetura legal" destinada a debilitar a mídia, denunciou semana passada o então presidente da SIP, Enrique Santos Calderón (ele foi sucedido ao término da reunião de Buenos Aires por Alejandro Aguirre). No caso argentino, a recente Lei de Serviços Audiovisuais restringe drasticamente a atuação das empresas de comunicação do país. O vice-presidente da Argentina e presidente do Senado Federal, Julio Cobos, que rompeu com a presidente da República, Cristina Kirchner, prega a revisão da lei e o estabelecimento de "relações institucionais" entre o Estado e a Imprensa a fim de preservar a liberdade de expressão - tudo que a presidente Kirchner abomina. Para respaldar o garroteamento legal, a estratégia autoritária procura "submeter os meios de comunicação ao desprestígio", denunciou a SIP no seu relatório anual, divulgado no fim de semana.

TAL PROCESSO varia de país para país. Na Argentina, é política de governo. Na Bolívia, traduz-se nas agressões verbais do presidente Evo Morales a jornalistas e órgãos de informação. Mesmo no Brasil, onde o Executivo decerto não teria condições de amordaçar a mídia, o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), não perde oportunidade de promover o descrédito da Imprensa, com o argumento de que o povo dispensa "formadores de opinião" - como se estes existissem apenas nas redações e não na própria sociedade. O problema da liberdade de informar, de todo modo, é outro no País. Em um ano, 16 decisões judiciais impuseram a censura a periódicos. Desde 31 de julho, este O Jornal O Estado de S. Paulo está proibido de publicar reportagens com base nas investigações do Departamento de Polícia Federal (DPF) sobre o empresário Fernando Sarney, primogênito do presidente do Senado Federal e ex-presidente da República (1985-90), senador José Sarney de Ribamar (PMDB-AP). A censura prévia, imposta ao Estadão por um desembargador relacionado com o político, foi considerada pela SIP "um vexame para a democracia brasileira".

A SIP dedicou ao assunto amplos trechos da sua resolução. Depois de historiar o caso, o documento solicitou ao Poder Judiciário "interferência e ação imediatas para acelerar o processo de restabelecimento da plena liberdade de imprensa no País".