Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, abril 17, 2006

Nosso quinhão
WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
RIO DE JANEIRO


Quando olhamos para esse Congresso Nacional que ai está, e que os mais experientes analistas consideram dos piores de nossa história, nos espantamos e tendemos a per iiiiiiiiiiiiiiiiiguntar como nós, tão éticos, honestos e íntegros, fomos capazes de elegê-lo? Consideramos imensa a distância moral que separa a sociedade dos que a representam. Decididamente, nos achamos muito melhores do que os vereadores, deputados e senadores em quem votamos. Se estivéssemos em seus lugares, o País estaria muito melhor, evidentemente. Será? Será que na realidade não temos os políticos que merecemos?

Outro dia mais um mensaleiro, e desta vez dos grandes, se não pela quantia que surrupiou, pelo peso político, foi absolvido pelo plenário da Câmara dos Deputados num misto de compadrio e irresponsabilidade que, mais cedo ou mais tarde, se voltará contra a imagem de toda a classe política, enfraquecendo um dos Poderes da República e a democracia brasileira. O deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara dos Deputados (2003-4), que recolheu, tendo como intermediária a própria esposa, R$ 50 mil pagos pelo lobista Marcos Valério de Souza (empreendedor do valerioduto), se declarou uma pessoa “do bem” e encorajou seus pares a não temerem a Opinião Pública, a exemplo do que já fizera, com êxito, o deputado mineiro Roberto Brant (PFL-MG).

A tese de que os meios de comunicação não refletem necessariamente a opinião média do eleitorado, mas apenas o pensamento das elites brasileiras, transforma os deputados em parceiros do nivelamento por baixo de nossa política, e tem o respaldo no comportamento do próprio presidente-candidato da República Luiz Inácio da Silva (PT-SP) – sem sombra de dúvida o mentor e amigo oculto daquela Quadrilha dos 40 larápios denunciados pelo procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza na última Terça-feira, 11 -, e quem se orgulha de ter um canal direto com o povo que dispensa a intermediação das elites, políticas ou intelectuais.

Esse desprezo por intermediações e pela elite do País está espelhado no texto que o ministro extraordinário de Estado das Relações Institucionais da Presidência da República Tarso Genro (PT-RS) distribuiu a militantes do petismo, no qual destaca como um dos feitos deste governo, e que seria alvo dos conservadores, a “plebeização do processo democrático no País”.

Como se a defesa da democracia dependesse de uma permanente luta de classes, uma disputa entre elite e povo, na qual a elite está sempre do lado errado e este governo sempre do lado certo, o do povo. Um discurso diversionista para um dos governos mais conservadores em termos econômicos e sociais que esta nação já teve em sua história, e isso num momento da economia mundial que permitiria um salto à frente no caminho do desenvolvimento.

Nunca as elites financeiras ganharam tanto dinheiro com os juros. E os programas sociais de cunho assistencialista permitem que o governo garanta sua popularidade nos setores mais miseráveis e mais excluídos da sociedade brasileira, e permitem também que esses mensaleiros se apeguem à esperança de que o grosso do eleitorado não será atingido pelo clamor de seriedade que os meios de comunicação, de maneira geral, ecoam.

A chamada Opinião Pública surgiu no fim do século XVIII, como maneira de as elites se contraporem à força do Estado absolutista, e a Imprensa teve papel fundamental na sua consolidação. Não é à toa, portanto, que o surgimento da Opinião Pública está ligado ao surgimento do Estado Moderno, e a negação da Opinião Pública, como virou moda no Parlamento e no governo brasileiros, representa a tentativa de retroceder na História, de fazer prevalecer o atraso nas relações do Congresso Nacional com os eleitores. Não é à toa também que esta está sendo considerada a pior de todas as legislaturas.

O mensaleiro João Paulo Cunha, na sua análise histórica sobre o papel da Imprensa no País, quer também retornar no tempo, quando os jornais, no Brasil e no mundo, existiam para defender interesses dos grupos políticos ou familiares aos quais pertenciam. O que os militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) sempre criticaram e atacaram, o uso dos meios de comunicação em apoio a um determinado grupo político, Cunha apontou como uma prática que deveria ser retomada, contra a profissionalização, tendência dominante.

Segundo a historiadora Isabel Lustosa, em seu livro “Insultos impressos”, os jornais surgidos no Brasil no período de intenso debate político que antecedeu a Independência, em 1822, nasciam impulsionados pelo propósito de preparar o povo para o regime liberal que se inaugurava. Para Hipólito da Costa, o primeiro jornalista brasileiro, fundador do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, impresso em Londres em 1808, a instrução seria a chave de uma conduta racional e asseguraria o bom funcionamento dos governos.

Todos os jornais se outorgavam a tarefa de educar o povo. Mas o clima tenso e apaixonado que caracterizava a vida política se transferiu rapidamente para o texto, em que cada jornal defendia seu ponto de vista político, a favor ou contra a Independência. No mundo inteiro os jornais começaram assim, panfletários, e os brasileiros não foram exceção à regra, e só muito recentemente, mais acentuadamente no eixo Rio de Janeiro-São Paulo-Porto Alegre, começaram a se profissionalizar e a dar mais atenção a questões éticas na informação.

A maior influência hoje na Imprensa brasileira é a da cultura anglo-saxônica, e atribui-se a essa influência, especialmente da Imprensa norte-americana, distorções da ética jornalística, especialmente a glamurização da notícia, a busca do espetáculo para atrair os leitores. O colega e mestre, jornalista Alberto Dines (Observatório da Imprensa/TVE Brasil), fazendo uma análise sobre essa influência, lembra os aspectos positivos dela desde que o poeta, político e publicista inglês John Milton publicou Areopagítica (1644), primeiro documento explícito em favor da liberdade de expressão na história da cultura universal, que Hipólito da Costa traduziu numa das primeiras edições do Correio Braziliense.

Hoje, é dos Estados Unidos da América (EUA) que vêm as grandes inovações tecnológicas que fundem as mídias e inauguram uma nova era da comunicação, com base na Internet. Mudou a relação dos empresários de mídia com seus próprios jornais.

Jornais e revistas são empresas independentes e precisam estar mais perto do público leitor do que dos governantes para serem bem-sucedidos. Para tanto, publicam textos ou depoimentos com posições antagônicas, privilegiam o pluralismo de opiniões entre seus colunistas e colaboradores, dando mais opções de informação aos leitores.

E demarcam mais claramente a sua opinião, tratando que ela não influencie o noticiário, que deve ser o mais imparcial e abrangente possível. Os jornais deixaram de ser partidários, sectários, e isso é sinal de amadurecimento, político e empresarial.

Numa pesquisa recente para saber se o eleitor é “vítima ou cúmplice” da corrupção política, o levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas de Opinião Pública e Estatística (Ibope) respondeu de alguma maneira aquelas questões, e as respostas não são nada animadoras. No fundo, a maioria agiria do mesmo modo. Diante da relação de 13 atos ilícitos do dia-a-dia — tais como, por exemplo, dar gorjeta para se livrar de multa, sonegar impostos, comprar produtos piratas, apresentar atestados médicos falsos no trabalho ou na escola, entre outros — 69% dos entrevistados admitiram já ter praticado pelo menos uma dessas bandalhas.

Tolerantes em relação às próprias transgressões, eles não esconderam que, se tivessem oportunidade, praticariam também as irregularidades que condenam nos parlamentares e governantes. Assim, 75% dos entrevistados cometeriam alguma das infrações morais propostas em uma outra lista contendo 13 atos ligados à política e ao poder, como trocar de partido por dinheiro, contratar sem licitação, escolher parentes para cargos de confiança, aproveitar viagem oficial para lazer, aceitar gratificação, usar caixa 2 em campanha, superfaturar obras públicas e desviar o dinheiro para o patrimônio pessoal, contratar funcionários fantasmas, votar a favor do governo em troca de cargo.

A ambigüidade e o relativismo ético se manifestam com mais freqüência quando as ações envolvem familiares e amigos, confirmando o princípio de que “para os amigos tudo, para os inimigos a lei”. Achando legítima a nomeação de parentes para cargos de confiança, 69% aceitam, portanto, como natural o nepotismo, enquanto 43% admitem aproveitar viagens oficiais para lazer próprio e da família.

Ao realizar essa pesquisa inédita, o Ibope quis propor uma reflexão sobre até que ponto os nossos problemas éticos “estão de fato concentrados nas elites e lideranças ou se trata de uma conduta social presente em todas as camadas e grupos de nossa sociedade”. É mesmo uma boa hora para autocrítica e reflexão, principalmente sobre a parte que nos toca a nós, cidadãos e eleitores. Não dá para tirar o corpo fora.
Em matéria de estrelas, a época está mais para apagão. A estrela do PT perdeu todo o brilho, enquanto seus dirigentes perderam a vergonha; a estrela da Varig ameaça desaparecer de vez. Só a estrela do Botafogo, solitária, voltou a brilhar. Palavra de rubronegro!