Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, março 06, 2006

Livres leves e soltos

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
RIO DE JANEIRO


Poucas vezes se viu um tal grau de confusão em relação às regras de uma eleição. O plenário do Tribunal Superior Eleitoral TSE virou mais uma vez de cabeça para baixo o quadro eleitoral de 2006 ao decidir manter a verticalização das alianças estaduais. Na prática, apesar do rastro de dúvida que ainda vai levar a decisão ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), dá-se por não dito tudo aquilo que foi dito e acertado no último mês sobre coligações, palanques etc.

O plenário do TSE deu recados claros, como o inequívoco placar de 5 x 2 e a defesa da observação do princípio da anualidade para mudanças nas regras eleitorais. Para bom entendedor, é sinal de que os ministros do STF dificilmente vão rever essa decisão e tende a considerar inconstitucional a entrada em vigor este ano da emenda que fulminou de vez a obrigatoriedade de reprodução das alianças nacionais nos estados.

A esta altura do campeonato, porém, o principal é que o plenário do STF decida logo, pois enquanto não o fizer o quadro eleitoral continuará sob o signo da incerteza.

De concreto, o que se tem hoje é que todas as conversas e tratativas dos partidos e candidatos sobre alianças ficam em suspenso, e justamente quando o calendário eleitoral e político começa a acelerar-se. Fica o dito pelo não dito, pelo menos até segunda ordem.

E, se confirmada mesmo pelo Supremo a decisão tomada semana passada pelo plenário do TSE, o quadro que se desenhou nas últimas semanas tende a sofrer mudanças profundas. Só para começar a ver o tamanho do estrago, maior ainda se a palavra final do STF não vier até o fim deste Março das águas.

As prévias do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), marcadas para o próximo dia 19, podem ir para o ralo e o partido dificilmente terá candidato. Muita gente no Palácio do Planalto vai ficar feliz. A decisão “irreversível” do PMDB de ter candidato próprio já estava seriamente abalada com a recuperação da popularidade do vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva (2003-6) nas pesquisas de intenção de voto, publicadas nas últimas semanas. Agora, então, se a verticalização prevalecer, os governadores e caciques regionais do partido não vão querer ficar amarrados a um candidato que não lhes inspira a menor fé. A tendência é liberar geral, tirando do cenário inconvenientes para o governo como a candidatura do ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PMDB-RJ). Mas o vosso presidente-candidato pode esquecer o sonho de aliança formal e um peemedebista na vice. O PMDB ficará livre, leve e solto.

O número de candidatos será menor e a eleição pode até se decidir no primeiro turno. Os pequenos partidos que se preparavam para decolar devem arremeter. Com a verticalização, e precisando cumprir a cláusula de desempenho, não é negócio para eles ter candidato próprio que amarre as alianças, estas que poderão lhes dar votos e bancadas. Então, é bem possível que o Partido Popular Socialista (PPS), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e outros saiam de cena. Sem um candidato do PMDB, sobra a polarização entre o presidente-candidato e o oposicionista (José Serra ou Geraldo Alckmin), ambos do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e alguns poucos coadjuvantes, como a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), por exemplo.

Dificuldades nas escolhas: até 31 de Março, os ocupantes de cargos executivos têm que se desincompatibilizar. Sem saber muito bem com que alianças poderão contar para se candidatar a governador, senador e até deputado, muita gente vai ter que decidir no escuro. O ministro extraordinário das Relações Institucionais da Presidência da República Jacques Wagner (PT-BA), por exemplo, que quer se candidatar ao governo da Bahia em ampla aliança do Partido dos Trabalhadores (PT) com o PDT e outras forças que não apóiam necessariamente a candidatura governista, vai ou não vai?

Luiz Inácio da Silva terá menos palanques nos estados, mas o PT pode se dar bem. Se, por um lado, o presidente-candidato ganharia com a saída de Garotinho de cena (ele tira mais votos dele do que dos candidatos peessedebistas) e a redução do número total de candidatos, por outro sua estratégia de ter palanques duplos em alguns estados fica prejudicada. No Maranhão, por exemplo, já não vai poder subir no palanque da senadora Roseana Sarney, do Partido da Frente Liberal (PFL) na campanha pelo governo daquele estado, que estará coligado ao PSDB na eleição nacional. No Rio de Janeiro, onde planejava ficar com um pé no palanque do bispo Marcelo Crivella (Partido Republicano do Brasil – PRB) e outro no palanque de Vladimir Palmeira (PT-RJ), o acordo terá que ser revisado. Só vai valer se Crivella não se coligar a outro partido adversário. Com isso, a tendência é fortalecer os palanques do PT — o partido do presidente, aliás, nunca quis o fim da verticalização e votou majoritariamente contra a emenda aprovada no Congresso Nacional na convocação extraordinária de Janeiro último.

Os partidos clientes do delubiovalerioduto e beneficiários do mensalão vão fazer a festa. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido Progressista (PP), o Partido Liberal (PL) e outros partidos médios podem retomar aquela estratégia de não ter candidato à Presidência d República e ficarem livres para se coligar com quem bem entenderem nos estados, enquanto os partidos maiores (PT, PSDB, PFL) estarão presos e limitados por alianças nacionais. Com isso, avançam nos espaços dessa turma, elegendo boas bancadas e engordando o cacife para negociaçõe$ futuras em Brasília (DF). Quem disse um dia que a verticalização, isolada, era uma medida moralizadora?

Agora, ainda que Luiz Inácio da Silva (PT-SP) diga de vez em quando que o mensalão não existiu, o seu governo não moverá uma palha para salvar os petistas que estão a caminho do cadafalso a partir desta semana. Nem mesmo pelo Professor Luizinho (PT-SP), ex-líder do governo que recebeu R$ 20 mil do delubiovalerioduto. Pragmaticamente, o governo avalia que é melhor manter distância e entregar o pessoal à própria sorte. Afinal, a cassação do ex-todo-poderoso-comissário Zé Dirceu (PT-SP), embora dolorosa, teve o efeito de desvincular o presidente-candidato de seu ex-capitão no Gabinete Civil e das acusações de que era alvo. Coincidência ou não, depois disso o presidente-candidato começou a se recuperar nas pesquisas e opinião.

O distanciamento de Luiz Inácio da Silva não irá necessariamente selar a sorte dos petistas no plenário, já que aparentemente, mesmo sem ajuda do governo, alguns podem acabar salvando os mandatos. Assim como o fato de lavar as mãos não eximirá o Luiz Inácio da Silva de enfrentar esse assunto mal resolvido — o mensalão (que retornará com força nas Comissões Parlamentares de Inquéritos [CPIs] em andamento em Brasília devido às novas revelações publicadas pela revista Veja esta semana) — mais adiante, na campanha eleitoral.

Afinal, a popularidade presidencial se recuperou nas pesquisas, o cenário parece infinitamente melhor do que há três meses, mas não há como passar uma borracha no passado e se comportar como se não houvesse acontecido tudo o que de fato aconteceu. O tema da corrupção ainda vai aparecer muito no debate, e há um grupo de auxiliares bastante preocupado em convencer o presidente-candidato a se preparar. Como?

As discussões no Palácio do Planalto giram em torno de: não adianta bancar o avestruz: é preciso construir o discurso sobre o delubiovalerioduto e o mensalão. Divididos, os petistas vêm se consumindo nesse dilema. Uns acham que o tema corrupção se esgotou com a recuperação de da popularidade de Luiz Inácio da Silva, que o povo está cansado de ouvir falar em mensalão e delubiovalerioduto e que o assunto deve ser deixado para lá. Outros temem essa estratégia.

A Oposição terá muitas oportunidades de ressuscitá-lo, e se o presidente-candidato não tiver um discurso bem preparado, pode acabar desabando. Não resolve, por exemplo, continuar negando a existência do mensalão por uma questão semântica. Tecnicamente, pode não ter havido depósitos regulares mensais. Pode ser também, na hipótese mais rósea, que eles não tenham ligação direta com votações ou mudanças de partido. Ainda assim, há muito a explicar: há provas concretas de que o PT patrocinou um esquema ilegal de repasse de recursos a petistas e aliados. Algum dia Luiz Inácio da Silva terá de admitir isso com todas as letras, apresentar as providências tomadas, os responsáveis punidos e as medidas para que não se repita. Só aí poderá virar a página.

O próximo palco da disputa é o relatório final da CPMI dos Correios. É o canto do cisne da Oposição na temporada de escândalos, o momento em que terá que provar por A mais B tudo o que anunciou e prometeu desvendar. Será, para o governo, um momento de desgaste na medida em que vão rememorar denúncias e mostrar provas como a da existência do delubiovalerioduto petista que regou a horta dos mensaleiros. Por outro lado, é a hora de rebater tudo o que não foi provado — e aí também há muita coisa. Para isso, porém, o PT não pode ficar parado vendo a banda passar, como fez na maior parte do tempo durante os trabalhos da CPMI. Tem que ter explicações convincentes, consistentes e tempestivas. Ou o governo organiza a tropa ou vira alvo de novo.

O PT tem que se antecipar e tomar providências públicas contra o caixa dois. Isso já está sendo discutido nos altos escalões petistas. Ainda que as mudanças na legislação em relação ao caixa dois tenham sido pífias, o PT pode adotar procedimentos internos mais rigorosos e transparentes em relação a doações, tesoureiros etc.

Os julgamentos na Câmara dos Deputados devem ser concluídos a qualquer custo. Seguindo o raciocínio que leva Luiz Inácio da Silva a lavar as mãos em relação aos acusados, o governo vai trabalhar para que a temporada de cassações vá até o fim. A pior coisa, para a candidatura governista, é ter esse processo de punições interrompido ou ver todo mundo absolvido. Pior ainda, com ares de que houve ajuda do inquilino do gabinete número 1 do Palácio do Planalto.

Acusados serão bem tratados, mas não ocuparão lugar de destaque nem no governo e nem na campanha. Não é preciso nem explicar por quê.

Administrar Duda Mendonça e Marcos Valério de Souza. São homens-bombas que podem detonar muita gente, não só do governo. A convocação para novos depoimentos na CPMI provoca certo desconforto. Será fator de preocupação constante na campanha eleitoral deste ano, durante a qual deverá sofrer processo por evasão de divisas, sonegação etc.