Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, setembro 02, 2010

A corrupção é endêmica

TAMANHA quantidade de irregularidades constatadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) na mais recente edição de seu programa de fiscalização do uso que os municípios fazem do dinheiro repassado pela União Federal comprova, ao mesmo tempo, a extensão da prática de fraudes em licitações por todo o País, a ineficácia das ações dos órgãos de controle e fiscalização na redução da corrupção e a impunidade dos praticantes de atos ilegais. Sete anos depois de a CGU ter iniciado o programa, continua assustadoramente alto o índice de problemas encontrados nas licitações realizadas pelas Prefeituras Municipais. Dos 60 municípios fiscalizados entre Outubro e Dezembro de 2009, e cujos relatórios foram divulgados em Julho último, a CGU detectou irregularidades em licitações em 57, ou 95% do total.


ESSE programa de fiscalização foi criado em 2003 e, sendo os municípios escolhidos por sorteio, visa a coibir a corrupção na administração pública. A cada sorteio são definidos 60 municípios com menos de 500 mil habitantes a serem fiscalizados pela CGU. Os auditores examinam as contas e os documentos financeiros das Prefeituras, inspecionam as obras e serviços em realização com recursos transferidos pelo governo federal e ouvem a população, consultando diretamente os munícipes e mantendo reuniões com associações e conselhos comunitários.

QUANDO a fiscalização é concluída, os auditores elaboram relatórios, que são encaminhados aos Ministérios responsáveis pelo repasse das verbas federais, ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal e, conforme a natureza da irregularidade, ao Ministério Público Federal (MPF), à Advocacia-Geral da União (AGU), às Prefeituras e às respectivas Câmaras Municipais para as providências necessárias.

ENTRE as irregularidades constatadas na última operação de fiscalização - cujos resultados estão no endereço eletrônico da CGU na web - estão a utilização de licitações caducas na contratação da mesma empresa para a execução de obras novas, a celebração de novo contrato com a mesma empresa por meio de termo aditivo ao contrato anterior, a não realização de licitação para contratos que exigiam concorrência pública nacional e a prática de sobrepreço.

A PREFEITURA Municipal de Pimenta Bueno (RO), utilizou recursos repassados pelo Ministério da Educação (MEC) para, três semanas antes do encerramento do ano letivo, comprar 6 mil quilos de frango, quantidade suficiente para alimentar todos os alunos da rede pública durante um ano, e a Prefeitura não dispõe de equipamentos para conservar essa quantidade de alimentos. Em Gentio do Ouro (BA), a Prefeitura utilizou verba federal para adquirir uma ambulância, que não foi emplacada pelo Departamento Estadual de Trânsito da Bahia (Detran-BA) nem examinada pelos auditores da CGU. Em Mossoró (RN) foram pagos com recursos oriundos do governo federal serviços que não foram prestados e foram pagas pela Prefeitura obras que não foram executadas.

O MINISTRO-CHEFE da CGU, Jorge Hage (PP-SP), atribuiu "boa parte das irregularidades" não a desvio ou intenção de fraudar, mas ao "despreparo, ao desconhecimento da legislação". Segundo Haje, a maioria dos Municípios carece de sistemas de controle interno e de pessoal qualificado, com algum conhecimento da legislação. Por isso, no seu entender, a fiscalização da CGU tem também uma função educativa.

ADEMAIS, por mais minucioso que seja o trabalho dos auditores da CGU, no entanto, ele não está tendo a função pedagógica lembrada pelo ministro Haje. "O controle feito pelas instâncias federais só consegue detectar a fraude muito depois do ocorrido, ou seja, não tem caráter preventivo", observou o advogado Nélson Lacerda à reportagem do jornal Brasil Econômico, essa semana.

IMPRENSCINDÍVEL para uma apuração do uso irregular do dinheiro que a União Federal transfere para a administração dos municípios, o programa da CGU não está sendo suficiente para punir os atos ilegais e a corrupção em geral. A persistência das irregularidades na esfera municipal, praticamente sem redução sensível, é uma prova disso.