Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, outubro 20, 2009

Agente intervencionista

O GOVERNO Luiz Inácio da Silva (2003-10) decidiu envolver o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na construção e reforma de estádios para a Copa do Mundo de 2014. O banco poderá emprestar até R$ 400 milhões ou 75% do custo de cada projeto - o menor dos dois valores - a governos estaduais e prefeituras. Os empréstimos poderão, portanto, chegar a R$ 3,6 bilhões, se forem financiados somente os estádios públicos de 9 das 12 cidades-sede. Mas já se admite a hipótese de créditos para as obras de estádios particulares - o Morumbi, de São Paulo; o Arena da Baixada, de Curitiba; e o Beira-Rio, de Porto Alegre. Dirigentes do São Paulo Futebol Clube (SFC) já confirmaram interesse na obtenção de uma quantia entre R$ 120 milhões e R$ 140 milhões para a reconstrução do estádio do Morumbi. O governo também propõe uma linha de financiamento para projetos de mobilidade urbana – trens metropolitanos e corredores de ônibus, por exemplo. Com o envolvimento na Copa do Mundo de 2014, amplia-se mais um pouco o leque de responsabilidades atribuídas ao BNDES. Também, fica um pouco mais difícil entender o seu atual papel como instituição de fomento e seus padrões de administração financeira.

NÃO HAVERIA dinheiro público envolvido nas obras para a Copa do Mundo no Brasil, garantiam há dois anos as principais autoridades envolvidas no empreendimento. Mas a ideia foi abandonada e, como registrou a reportagem do Jornal O GLOBO, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, anunciou o provável financiamento de obras com recursos públicos. Ele só excluiu, na ocasião, os três estádios particulares.

O GOVERNO poderia ter proposto o uso de verbas orçamentárias, mas preferiu usar o BNDES como canal de financiamento. Formalmente, pelo menos, prefeituras e governos estaduais tomarão empréstimos e assumirão o compromisso de devolver o dinheiro. Pela proposta apresentada ao governo do Rio Grande do Norte, haverá dois anos de carência e dez para pagamento, com remuneração de 1,9% ao ano mais Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente fixada em 6% ao ano. Mas terão os governos e prefeituras suficiente rentabilidade, com esse investimento, para liquidar o empréstimo no prazo estabelecido?

PORÉM, este não é o único e talvez nem seja o detalhe mais importante. Falta esclarecer se o financiamento de obras para a Copa do Mundo de 2014 é de fato prioritário para um banco de fomento. Essa questão é especialmente relevante quando esse banco é a principal fonte de empréstimos de longo prazo para a ampliação e a modernização das empresas brasileiras. Também não se pode esquecer o papel do BNDES como financiador das exportações. A importância desse papel deverá crescer nos próximos anos, porque a competição no comércio internacional será provavelmente mais dura nos primeiros anos depois da crise internacional.

TAIS DÚVIDAS sobre os objetivos, prioridades e funções do banco não são novas, no entanto. O BNDES interveio, no começo do ano, para facilitar a compra da empresa Aracruz Celulose pelo Grupo Votorantim. "É uma das tarefas do BNDES apoiar a formação de empresas brasileiras eficientes, com atuação global", me disse outro dia o presidente do BNDES, Luciano Coutinho (PT-SP), procurando justificar o negócio.

DE FATO, uma das empresas, a Aracruz, estava com grave problema, depois de perder R$ 2,18 bilhões em operações com derivativos cambiais. Porém, outras grandes empresas também perderam dinheiro com operações desse tipo e não foram socorridas por bancos públicos.

TÊM CAUSADO estranheza, também, a participação do BNDES no financiamento à Companhia Petrobrás S/A, mesmo depois da melhora das condições no mercado internacional. A companhia pública, assim como outras grandes companhias brasileiras, tem normalmente acesso ao crédito externo e pode dispensar o apoio de bancos ligados ao governo, deixando espaço para outras empresas.

ESTA ação do BNDES, nesse e noutros casos, parece obedecer não a critérios próprios nem a um plano formal de desenvolvimento, mas a uma estratégia de poder definida dentro do Palácio do Planalto, em Brasília (DF). Essa estratégia envolve o Banco do Brasil S/A (BB), a Caixa Econômica Federal (CEF) e as companhias do setor produtivo, como a Petrobrás, a Eletrobrás e a Telebrás. Na prática, essas empresas deixam de ser órgãos do Estado, com funções claras e critérios técnicos, para se tornarem instrumentos políticos.