Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, setembro 17, 2009

Restabelecendo a ordem jurídica

CLASSIFICANDO como "tendenciosas e ideológicas" as decisões já tomadas no julgamento do pedido de extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), o por enquanto ministro de Estado da Justiça, Tarso Genro (PT-RS), foi além dos despropósitos, que têm sido uma das marcas de sua gestão, demonstrando desconhecer o funcionamento do Estado de Direito.

ACUSAR a mais alta Corte deste grande e bobo País de converter o terrorista Battisti num "preso político ilegal no Brasil" e que sua extradição provocará uma "crise entre os poderes" é uma bobagem tão grande que o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, se sentiu obrigado a refutá-la de imediato, afirmando que as posições de Genro não têm endosso nem mesmo nos diferentes escalões do próprio Ministério da Justiça (MJ).

VALE a pena recapitular o caso: condenado em 1988 a pena de prisão perpétua pela Justiça italiana, por ter cometido quatro homicídios na década de 1970, Battisti fugiu para a França, depois para o México e chegou ao Brasil em 2004, aqui vivendo clandestinamente até ser preso em 2007, quando então pediu o status de refugiado político. Na ocasião, o Ministério das Relações Exteriores da Itália divulgou nota afirmando que Battisti era um delinquente comum que havia invocado motivos ideológicos e distorcido a história política italiana para justificar seus crimes perante a opinião pública internacional.

JULGANDO o caso, no final de Novembro do ano passado, o Comitê Nacional para Refugiados (Conare) - o órgão colegiado encarregado de tratar da matéria e que é integrado por representantes de cinco Ministérios e do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas (ONU) para Refugiados - acatou o argumento do governo italiano, recusou refúgio a Battisti e recomendou sua extradição. Contudo, em Janeiro deste ano, o ministro Genro revogou a decisão do Conare e concedeu a Battisti o status de refugiado político. Em resposta, o governo italiano arguiu a ilegalidade da decisão de Genro junto ao STF, contestou os argumentos históricos e políticos por ele invocados e entrou com pedido de extradição de Battisti. As provas anexadas ao processo não deixaram margem a dúvidas, mostrando que as liberdades públicas estavam em plenitude na Itália, quando Battisti matou um guarda, um policial, um joalheiro e um militante político.

AO JULGAR o recurso, semana passada, o plenário do STF o desdobrou em duas etapas. A Corte primeiro examinou a legalidade da revogação da decisão do Conare. Por 5 votos contra 4, ela entendeu que Genro exorbitou de suas funções. Além de decidir que o ministro de Estado da Justiça não podia anular a decisão de um órgão interministerial, o STF considerou arbitrária a concessão de status de refugiado a Battisti.

A PARTIR dessa decisão o STF enquadrou duplamente o ministro de Estado da Justiça. O STF apontou os limites de seu cargo, no caso, e não se deixou levar pela tentativa de Genro, com o apoio de parlamentares do petismo, de deslocar a discussão do campo da legalidade para o da legitimidade. O entendimento que prevaleceu foi o de que, quando a democracia está consolidada, ninguém pode apelar para a violência e depois invocar o princípio de que a "nobreza" dos fins justifica a torpeza dos meios. Essa é uma lição ensinada no primeiro ano dos cursos jurídicos, mas, no caso de Genro, ele teve de aprendê-la com base nas decisões do plenário do STF.

APÓS concluir a primeira parte do julgamento, o STF passou a julgar o mérito do pedido de extradição. Em seu parecer, o ministro-relator Cezar Peluso lembrou que o réu não comprovou as perseguições políticas que teria sofrido e que as vítimas de Battisti foram mortas com requintes de violência. E votou pela extradição. A sessão foi suspensa por causa de um pedido de vista do penúltimo ministro a votar, Marco Aurélio de Mello. Naquele momento a votação estava em 4 a 3 a favor da extradição e, como Marco Aurélio de Mello se inclina a votar contra e o ministro Gilmar Mendes deixou claro que Battisti terá de ser extraditado, em princípio o caso já estaria decidido. Pelo regimento do STF, porém, os ministros que já votaram ainda podem mudar de posição, o que torna incerto o julgamento do pedido de extradição. De qualquer modo, qualquer que seja o resultado final da segunda parte do julgamento, a decisão já dada à primeira parte, reafirmando a independência do Judiciário e enquadrando um ministro da Justiça que pretendeu prevalecer-se do cargo para impor uma decisão baseada unicamente em afinidade ideológica, é uma vitória da razão e do bom senso.