Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, agosto 25, 2009

Rasgando a fantasia

O LULLISMO está colocando o petismo de quatro. Movido por um projeto inequivocamente pessoal que se desdobra em três etapas - eleger a ministra-candidata Dilma Pinóquio à sucessão que escolheu em decisão solitária, ser a eminência parda do próximo governo e voltar ao Palácio do Planalto em 2015 -, o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) faz o que for preciso e obriga o Partido dos Trabalhadores (PT) a pagar qualquer preço para que se cumpram as cláusulas desse contrato que celebrou consigo próprio. É a coerência da intoxicação com o poder. Se der certo, há de ter calculado, sairá mais em conta do que a aventura de um terceiro mandato consecutivo. Os eventuais espasmos de má consciência dos companheiros, aos quais serviu o prato pronto da candidatura da ministra de Estado chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Dilma Pinóquio Rousseff, com os seus indigestos pertences, são problema deles. Diante da estelar popularidade do “CARA” e do seu competente manejo do sistema de prêmios e castigos ao alcance da cadeira presidencial, à esmagadora maioria só resta efetivamente adaptar a posição da espinha dorsal às circunstâncias que lhes foram ditadas.

DESSE ângulo, a crônica política dos últimos dois meses - quando a crise do Senado Federal assumiu as feições do seu presidente, o senador José de Ribamar Sarney (PMDB-AP) - pode se resumir à constância com que “O-CARA” empregou o seu poderio em favor do aliado. Ele partiu da premissa de que a criação de uma imagem palatável da ministra Pinóquio perante parte totalmente ignorante do eleitorado depende das máquinas estaduais do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e do tempo desta agremiação no horário eleitoral gratuito de propaganda no Rádio e na TV. “O-CARA”, também acredita que Zé de Ribamar Sarney é peça insubstituível na montagem da coligação com que conta para fazer da disputa de 2010 um plebiscito sobre o seu governo, promovendo a transferência de votos para Dilma Pinóquio. O resto foi decorrência. Por via das dúvidas, a caciquia peemedebista não hesitou em chantagear “O-CARA” cada vez que a bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) parecia propensa a complicar a vida do senador maranhense, ora com um pedido para que se afastasse da direção da Casa, ora com a tentativa de desarquivar pelo menos 1 das 11 denúncias ou representações apresentadas contra ele no Conselho de Ética do Senado Federal. E “O-CARA” sempre respondeu à altura - por assim dizer.

E, DE arrocho em arrocho, obteve na última Quarta-feira, 19, os três votos petistas necessários para livrar Zé Sarney de um processo por quebra de decoro parlamentar. O enquadramento da bancada ficou escancarado com a leitura, em plena reunião do Conselho de Ética do Senado Federal, de uma nota do presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), o interventor lullista naquela agremiação, que desqualifica as acusações ao senador como "manipulação hipócrita dos interesses eleitorais" da Oposição. Numa reunião do politburo do partido, horas antes, com o ministro Gilberto Carvalho (PT-SP), o chefe de Gabinete da Presidência da República, o líder da bancada do PT no Senado Federal, senador Aloizio Mercadante (PT-SP), da linha anti-Sarney, se comprometera a ler o texto. Depois, amarelou, deixando a incumbência para o colega João Pedro (PT-AM). Isso foi só uma amostra. Há dias ele vinha falando em renunciar à liderança se a cúpula petista exigisse a submissão dos representantes no Conselho de Ética. Diante do fato consumado, contorceu-se, pateticamente. "A minha vontade, hoje, verdadeira, era sair", entoou. "Meu cargo está totalmente à disposição, só não quero agravar a crise num dia como hoje".

NA QUINTA-FEIRA, 20, enfim, anunciou que renunciaria irrevogavelmente, decisão que, mais tarde, deixou para Sexta-feira, 21. E então resolveu deixar o dito pelo não dito e permaneceu na liderança. De todo modo, o seu comportamento hesitante já havia descontentado o grupo dos lullistas, bem como o grupo dos os éticos, dentro do PT. Um destes últimos, o paranaense Flávio Arns (PT-PR), roubou a cena com uma demonstração - incomum nos tempos que correm - de integridade política e autorrespeito. Ele se declarou "envergonhado" de sua filiação ao PT porque o partido "rasgou a página fundamental de sua constituição, que é a ética", e se move por "bandeiras visando à eleição do ano que vem". A "quebra do ideário" será o seu argumento na Justiça Eleitoral para manter o mandato. Ele não foi o único petista a dizer que perdera as ilusões. Também na Quinta-feira, 20 - numa data decerto escolhida a dedo -, a senadora acreana e ex-ministra de Estado do Meio Ambiente, Marina Silva anunciou a sua esperada desfiliação do PT. Provável candidata presidencial pelo Partido Verde (PV), com uma plataforma centrada no desenvolvimento sustentável, ela deplorou a falta de condições políticas para "fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo".

ESSA tática do trator do lullismo fez por merecer o comentário ferino do senador Pedro Simon (PMDB-RS): "Hoje é o dia em que o PT abraça o Sarney e o Collor, e a Marina sai do partido".