Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, outubro 25, 2012

Liberdade sombria

NAQUELES cantos do mundo com os quais a América Latina (AL) aspira a se equiparar, a Imprensa e os meios de comunicação em geral vivem tempos atribulados. Os modos convencionais de produzir e difundir informações enfrentam, com diferentes resultados, o desafio sem precedentes da revolução tecnológica que criou a internet. A partir daí, como é impossível ignorar, surgiu o fenômeno mundial da blogosfera e das redes sociais, onde o incessante fluxo de notícias - ou o que passa por sê-lo - transformou drasticamente as relações entre a mídia (que, na forma clássica, coleta, organiza, expõe e discute os fatos presumivelmente relevantes para a maioria) e o público (que os consumia com escassa ou nenhuma intervenção no processo). Posto em xeque esse padrão, também o modelo tradicional de negócios do setor busca atalhos para se adaptar à mudança, sob os efeitos agravantes da crise das economias desenvolvidas.



ESSA espinhosa realidade já contém problemas suficientes para determinar a agenda de qualquer evento que reúna executivos de empresas de comunicação, jornalistas em postos de comando nas redações, analistas, especialistas e pesquisadores. Mas neste canto do mundo, a pauta da Imprensa inclui forçosamente a questão política das ameaças à sua liberdade. Eis por que, além dos debates sobre o futuro do Jornalismo, como os debates que se travam em toda parte, a 68.ª Assembleia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que ocorreu este mês em São Paulo (SP) depois de cinco dias de atividades, concentrou-se em boa medida no que o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), que participou do evento proferindo uma palestra e debatendo com o público presente, chamou "um ressurgimento do pensamento contrário à democracia", que se traduz em crescentes pressões contra a Imprensa na Região. "Governos democraticamente eleitos", apontou por sua vez o presidente da SIP, Milton Coleman, jornalista do jornal norte-americano Washington Post, "estão tratando de promulgar leis que solapam a liberdade de expressão".



O QUADRO latino-americano se tornou mais sombrio, portanto. Extintas as ditaduras nascidas de golpes militares - e com a evidente exceção da tirania castrista em Cuba -, líderes que chegaram ao poder pelas urnas adotam políticas deliberadas de cercear o Jornalismo independente, enquanto cumulam de benefícios a mídia “chapa-branca” ou pura e simplesmente estatal. Na Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela, a pretexto de democratizar o acesso à informação, busca-se institucionalizar o garrote ao redor das organizações noticiosas, a par de outras formas de intimidação, como é o caso da verdadeira guerra de extermínio que a presidente da República da Argentina, Cristina Kirchner, move ao grupo empresarial que edita o Jornal Clarín, desde que o mais importante diário argentino cometeu o pecado mortal de opor-se ao governo no seu confronto com os ruralistas em 2008. É a aplicação do princípio chavista segundo o qual ou o órgão de comunicação se alinha automaticamente com o governo ou é inimigo a ser tratado como tal.



AQUI no Brasil, no que dependesse do Partido dos Trabalhadores (PT), esse tratamento já estaria em curso, sob o assim chamado "controle social da mídia", a ser exercido por grupos sociais controlados pelo petismo. O mais recente rosnado nessa direção, como se sabe, se seguiu à condenação dos mensaleiros e dos empreendedores do delubiovaleriododuto por um imaginário conluio entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Imprensa. A mídia não pode ser um partido político, esbravejam os adoradores do petismo. Se não opera em regime de concessão, pode ser o que queira - e se entenda com o seu público. O Estado, como lembrou o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB-SP), no encontro da SIP, é que não pode ser juiz da Imprensa. É o que também parece pensar a presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), para quem o melhor controle da mídia é o controle remoto em poder das pessoas.



DE TODO modo, 72% dos diretores de veículos de comunicação no País - ante 67% na média da Região latino-americana, numa pesquisa patrocinada pela SIP - entendem que a liberdade de Imprensa "é esporadicamente ameaçada ou coagida"; pelos governos em primeiro lugar, mas também por medidas judiciais (como a que há mais de dois anos impede o Jornal O Estado de S. Paulo – o Estadão -, de noticiar a investigação do Departamento de Polícia Federal sobre os negócios da família Sarney) e ainda pelo crime organizado.