Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, maio 05, 2012

A retórica como transferência da culpabilidade


RIO DE JANEIRO (RJ) - O DISCURSO contra os banqueiros é sempre um sucesso de público - e muitas vezes de crítica - e a presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS) tem-se dedicado com notável empenho a essa tarefa. O que não deve surpreender ninguém: os juros cobrados no Brasil, entre os mais altos do mundo, estão muito além de qualquer padrão aceitável, exceto em momentos excepcionais, nos países civilizados. Mas foi um tanto surpreendente a escolha dos juros como tema central de seu pronunciamento na última Segunda-feira, 1º deste Maio, para comemorar o Dia do Trabalho. Dona Rousseff aproveitou a celebração do trabalhador brasileiro para cobrar mais uma vez a redução do custo dos financiamentos, como se fosse essa, neste momento, a ação mais importante para a criação de empregos e para o aumento do bem-estar dos trabalhadores. Os bancos brasileiros, disse a presidente da República, são muito sólidos e isso é bom para o País, mas nada justifica a manutenção de juros tão altos. Ela exortou o setor bancário, mais uma vez, a seguir o exemplo dos bancos públicos que atuam no varejo: Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco do Brasil (BB S/A).

TAL campanha presidencial diversifica e enriquece o discurso oficial sobre os grandes entraves ao crescimento econômico e ao desenvolvimento do Brasil. Durante algum tempo a presidente da República concentrou os ataques num alvo externo - a política dos bancos centrais do mundo rico, acusados de causar um tsunami monetário. O excesso de dinheiro emitido na Europa e nos Estados Unidos da América (EUA) é apontado como causa da valorização do real e da perda de competitividade da indústria brasileira.

ESTA é uma campanha politicamente interessante, embora inútil do ponto de vista econômico. Nenhuma autoridade monetária do mundo rico vai mudar sua política para atender o governo brasileiro. Mas a função principal desse tipo de retórica não é resolver problemas. É transferir culpas. No caso dos bancos brasileiros, a capacidade de ação do governo é certamente maior, embora limitada. Além disso, a opinião pública é sem dúvida mais sensível a esse tipo de discurso do que à peroração sobre os bancos centrais estrangeiros.

NINGUÉM, exceto os banqueiros e seus porta-vozes, considera como razoáveis os juros cobrados no mercado brasileiro. As justificativas apresentadas - impostos muito altos, elevada inadimplência, depósitos compulsórios muito grandes - são obviamente insuficientes. Afinal, cerca de um terço do spread (a diferença entre o custo de captação dos bancos e os juros cobrados nos empréstimos) corresponde ao lucro dos bancos. Esse lucro só é sustentável porque o grau de concorrência no setor financeiro é muito baixo e as instituições têm enorme poder na formação de seus preços.

TODOS esses pontos foram analisados tecnicamente em vários estudos. Daí a decisão do governo de forçar o aumento da competição por meio dos bancos oficiais. Mas qual a eficácia real dessa estratégia? Instituições privadas cortaram os juros de algumas linhas de financiamento, mas muito mais para dar uma satisfação ao governo e à opinião pública do que para enfrentar, de fato, competidores estatais. O jogo pode não ter acabado e talvez sejam necessários novos lances das entidades federais. Até onde poderão avançar sem comprometer a rentabilidade e sem precisar recorrer ao Tesouro Nacional (TN)?

JUROS são importantes, mas não são tudo. Dona Rousseff sabe disso e mencionou a "diminuição equilibrada de impostos" e o combate à sobrevalorização cambial. Mas o governo pouco tem feito nessas e em outras áreas muito relevantes para a competitividade da indústria e para a criação de empregos. Não é preciso insistir na lentidão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), nas deficiências da infraestrutura, nas distorções tributárias, na falta de uma política eficiente de tecnologia e na baixa qualidade do gasto público. Rousseff prometeu mais de uma vez melhorar a capacidade gerencial da administração federal. Ficou na promessa.

TAIS campanhas contra o tsunami monetário e os juros altos no Brasil seriam mais dignas de crédito se fossem precedidas de ações sérias para a solução de problemas da alçada direta do governo. Sem isso, a retórica da presidente da República Federativa do Brasil não se distancia muito das perorações habituais de sua congênere argentina Cristina Fernándes Kirchner.