Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, fevereiro 19, 2006

Rolling Stones: a Big Band do Rock do Brasil!


WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
RIO DE JANEIRO

Do fim dos anos 1960 para cá, a era dos espetáculos de massa, jamais se viu coisa igual. Do desbravamento dos Beatles, que em 1965 inauguraram os concertos em estádios, ao desembarque dos músicos “Pedras Rolantes” nas areias de Copacabana – “A Princesinha do Mar” tupiniquim, se passaram quatro décadas. Durante este período, Mick Jagger e companhia driblaram o tempo e se tornaram a maior banda de Rock’n Roll deste planeta. Mas, nem por isso, era deles o maior concerto. Até esta noite de Sábado, 18, quando a banda desfilou para 1,3 milhão de pessoas sucessos dos anos 1960, 70, 80 e 90 durante exatas durante duas horas e quinze minutos de um espetáculo maravilhoso e irretocável, que se tornará, em breve, DVD. Para muitos, o filme marcará o fim da carreira do quarteto britânico. Abaixo, confira o registro e as impressões da festa, que terminou sem qualquer ocorrência grave de violência, contrariando - como bem ensinaram os Rolling Stones - todas as previsões.

A área VIP (mantida por uma operadora de telefonia celular), somente para convidados, foi alvo de protestos e tentativa de invasão. Minutos antes do início do show, policiais tiveram que agir com energia para conter um grupo de espectadores que tentavam forçar o alambrado que separava os VIPs do restante da platéia. Os policiais chegaram a puxar os cacetetes. Teve quem conseguisse penetrar, mas os seguranças agiram rápido para retirar os invasores. Algumas latas de refrigerante e cerveja foram arremessadas contra a área VIP, mas não chegaram a atingir quem estava lá dentro.

No caminho entre a Avenida Atlântica e a área VIP muitos astros e estrelas foram hostilizados pelo público, revoltado com o privilégio dos famosos. No espaço reservado, houve correria para chegar ao local dos quitutes servidos aos convidados. Escoltados pelos seguranças, eles seguem sob vaia do povão para o espaço privilegiado do show. Foram os 100 metros mais difíceis da vida dos convidados naquela noite. Eles saíam com suas camisetas, onde estava escrito um imenso VIP, da porta do Hotel Excelsior, na esquina da Fernando Mendes com Atlântica, e tinham que caminhar até o outro lado da rua onde teriam o privilégio de ver o show praticamente olho no olho com Mick Jagger. O grupo saía em blocos de 20 pessoas, cercado por dez seguranças. Na curta travessia da Avenida Atlântica era vaiado de todas as maneiras e com todas as piadinhas pelo povão até a areia segura do camarote.

O espaço VIP era cercado de mordomias por todos lados, uma profusão de doces, salgados, sorvetes, cervejas e um escondidinho de calabresa que serviu quase como jantar. Mesmo assim, na hora de botar o gogó para funcionar, os convidados deixaram a desejar. Frios. Aquela turma parecia querer mais fotografar o show, e se fotografar, do que instalar um comportamento rock no pedaço. Enquanto a multidão se espremia no resto da praia, entre os famosos sobrou espaço. Estavam lá globais de diversas importâncias, mas a grande maioria era de ilustres desconhecidos confirmando a tese de que o Brasil não tem, não podia ter, VIPs aos milhares.

Luciana Gimenez, com ares de primeira dama, estava ao lado da mãe, Vera Gimenez, e do estilista Calvin Klein, num camarote especial, desanimadíssimo, dentro da área VIP. Marcelo Carvalho, seu namorado atual, dono da Rede TV!, ficou em outro camarote. Luciana dançava muito, respondia quando Mick perguntou em português se estava tudo bem com a galera. “Tudo”, gritou. Luciana não desanimou nem quando Mick cantou “Oh no, not you again” (algo como “Oh não, você de novo”), que segundo a crítica internacional teria sido feita para ela.

Aliás e a propósito: na frente do Copacabana Palace, um grupo de meninas segurava uma faixa com os dizeres “Mick, make a son in me (Mick, faça um filho em mim)”.

O senador Delcídio Amaral (PT-MT) compareceu com a maior de todas as camisetas, quase um abadá. Dizia que “Simpathy for the devil” seria uma boa trilha sonora para as CPIs do Planalto.

Malu Mader foi a celebridade que mais ganhou camisetas para a área VIP. Foram seis ao todo. Para a atriz, os filhos e alguns parentes, mais a mordomia de uma van com segurança e adesivo de “trânsito livre” no caos de Copacabana buscando-a na porta de casa. “Malu merece. Os filhinhos dela tinham o direito de ver, com todo o conforto, o pai tocando nesse show histórico”, disse a promoter Alicinha Cavalcanti, pouco antes do show dos Titãs.

É verdade que naquela área nobre e restrita, parte dos milhares de convidados curtiram o show com muito entusiasmo. Entre os famosos que circularam por ali estavam Rodrigo Santoro e a namorada Ellen Jabour, Mariana Ximenez, Fernanda Lima, Thiago Lacerda e Vanessa Loes, Vanessa Camargo, Júnior, Priscila Fantin, Dado Dolabela, Vera Fisher, Rogério Flausino, Luis Fernando Guimarães, Malu Mader e Tony Belotto, Serginho Groisman, Debora Bloch e Olivier Anquier, Bruno Gagliasso, Murilo Benício, Cauã Raymond, Camila Pitanga Preta Gil, Supla, Alessandra Negrini e Otto, Felipe Dylon, Beth Lago, Beth Gofman, Christiane Torloni, Vitor Fasano, Tuca Andrada, Malvino Salvador e Ana Luiza Castro, Aline Moraes e Giovana Antonelli. O evento reuniu fãs de todas as tribos e idades, que cantaram juntos todos os hits da banda e dançaram sem parar. Malu Mader, Flávia Alessandra e Suzana Vieira, esta de pé quebrado, foram as mais animadas e deram um show na pista.

São 21h45 uma "bigger bang" explode no telão de 13 metros de altura, meteoritos coloridos voam, um "space shuttle" surge voando, guitarras e aparelhos de som passam, o ruído é quase ensurdecedor. Keith Richards entra em cena martelando o riff de ''Jumping Jack Flash'', Mick Jagger ataca "I was born in a crossfire hurricane...". Começara o concerto de Rock’n Roll mais memorável a passar pelo Brasil, a inquestionável maior banda de rock'n roll do mundo na Cidade conhecida internacionalmente Maravilhosa, na sua praia mais famosa, com transmissão ao vivo para os quatro cantos do Planeta diante de uma platéia recorde de 1,3 milhão de pessoas. Vinte músicas em duas horas e quinze minutos de show com uma precisão impressionante. Quando Mick Jagger, Charlie Watts, Ron Wood e Keith Richards fizeram seu agradecimento final e deixaram o palco eram 00h do Domingo, 19, e o show começara, como combinado, às 21h45 do Sábado.

O set de 20 músicas foi quase todo de sucessos, um privilégio exclusivo de bandas com alta quilometragem. Jagger cheio de simpatia e quase amor, como o bloco que desfilara horas antes em Ipanema, falou muitas frases em português ajudado por um teleprompter, o que lhe permitiu saudar o povo com um "Tudo bain? Boa noche galera" após a segunda música, "It's only rock'n'roll". Além das canções de "A bigger bang" (2004), os Stones pegaram uma única canção dos anos 90, "You got me rocking" (Voodoo Lounge, 1997) e se concentraram nos anos 1960 e 70, incluindo desconhecidas por aqui como ''Get off of my cloud'', tocada quando um pedaço do palco se deslocou 60 metros para ficar a apenas três metros do galera.

Nas condições peculiares do show de Copacabana, com o público muito distante, eles podiam ter estendido os números dessa parte, mas ficaram no previsto, uma música no deslocamento para a frente, ''Miss you'', duas músicas lá, ''Get off'' e ''Rough justice'' e uma quarta na volta ao palco principal, ''Honky tonk women''. Executada pela primeira vez na turnê no palco B, praticamente dentro do público, ''Rough justice'' foi um belo presente para a galera. É um rockão de primeira à altura de mísseis como ''Rocks off'' e ''If you can't rock me''.

Outro presente foi a canção do saudoso mestre Ray Charles "Night time is the right time", tocada apenas três vezes este ano. Trata-se de um bluesão que vai direto às origens da banda. Os Stones eram cinco moleques ingleses de classe média que se amarravam na música negra norte-americana mais autêntica (os Beatles preferiam a diluição do studio Motown). A vocalista Lisa Fischer arrasou nesta música, de minissaia brilhante e pernas maravilhosas, lembrando a TinaTurner com quem os Stones excursionaram na virada dos 1960 para os 1970. Se eles tivessem tocado "Gimme Shelter", Lisa teria dado outro show. Ficaram devendo esta. Na balada ''Wild horses'', Lisa e o vocalista Bernard Fowler dançaram agarradinhos.

Quando pegou a gaita para uma maravilhosa interpretação de 12 minutos de ''Midnight rambler'', a melô do estrangulador de Boston, Jagger fez uns corinhos de ''uuuhum'' e a seguir disse ''John Lee Hooker'', numa alusão ao grande mestre do blues. Mais adiante fez um ''oh yeah'' gutural a la Muddy Waters, duas homenagens aos influenciadores da banda.

Keith Richards, a ruína roquenrol em pessoa, arrasou no set de duas músicas, "This place is empty" e ''Happy''. "É bom estar de volta. É bom estar em qualquer lugar", disse Richards, numa prova de que não abre mão de um dos seus grandes vícios, a estrada. Seu companheiro de guitarra, Ron Wood, solou muito o show inteiro, especialmente no que faz de melhor, a slide guitar. Ele brilhou no set de Richards num violão e numa guitarra tipo weissenborn (havaiana) - e ainda em ''You got me rocking''.

Charlie Watts, que passou por um tratamento para câncer no pescoço, mostrou o vigor e a precisão de sempre, mandando umas viradas sempre que a banda fazia um pequeno intervalo entre uma música e outra para tomar água e trocar de guitarras. O baixista Daryll Jones, que andou se aventurando pela boate Help ali mesmo em Copacabana na noite anterior, fez seu solo em "Rain fall down" e segurou bem a cozinha com Watts.

Outro veterano da banda de apoio, Chuck Leavell, se destacou nos pianos de ''Miss you'', ''Sympathy for the devil'' e no órgão de ''You can't always get what you want''. O naipe de sopros, com músicos de formação jazzística e o roqueiro Bob Keys, foi bem prejudicado na mixagem de som. Keys brihou apenas no solo de ''Brown sugar'', soltando os bichos no sax tenor.

Mas demorou a esquentar os privilegiados que viram o espetáculo bem de pertinho. Estranha mas previsivelmente, a platéia de VIPs se conteve e demorou a ceder aos incontáveis encantos de Jagger, Richards, Watts, Wood e seus comparsas. Enquanto desfilavam seu colar de clássicos do Rock’n Roll, os Stones se remeteram sempre ao infinito, um lugar no horizonte onde todo mundo é igual - embora ouça e reaja ao som gerado pela máquina stoniana com bastante atraso, numa metáfora perfeita do que é a sociedade brasileira, com sua pequena quantidade de privilegiados e uma imensa massa à qual a informação chega incompleta e com injusto retardo.

Em "You got me rocking", Jagger fez sua primeira tentativa de aquecer a turma previlegiada, correndo pela passarela que o levaria mais perto da platéia livre. Com sucesso moderado nas investidas, acabava se mostrando mais preocupado em agradar a multidão, erguendo os braços e o microfone e apontando para o "fundo do salão".

Sugestivamente, em "Miss you", a banda se reuniu na pequena parte móvel do palco principal e, deslizando por uma ponte, fez parecer que a falta sentida na letra da canção era a do povo. Os Stones são filhos do proletariado inglês, como boa parte do rock britânico que fez diferença. E foi entre o povo brasileiro, em meio à platéia aberta, de costas para a elite "very important", que Jagger encontrou a resposta que buscava até então: calor e vibração sem medida da inconseqüência.

E soltou incontrolavelmente a franga, o que se queria dele.

O rock não pode prescindir deste contato íntimo, dessa bolinação irresistível que coloca todo mundo no mesmo patamar. Como disse Richards a certa altura do concerto, "é bom estar em qualquer lugar". Mas, como o rock é também um gênero cheio de contradições e até mesmo bizarrices, a banda voltou a seu lugar no presente - afinal, trata-se de um punhado de ingleses célebres, ricos e, sim, incontestavelmente talentosos - e retrocedeu, pela mesma ponte, à frente da imensa área negra dos VIPs. E tocou "Simpathy for the devil". Fez o maior sentido.

Jagger, de cartolinha e fraque, regeu a platéia, extraiu com poderosas poções de animação mais um pouco do morno sangue VIP. E devolveu - como tantas vezes durante a carreira - a vibração sedutora e sombria que cerca este hino, um pseudo-samba, composto depois de uma das incursões dele e de Richards pela densa cultura popular brasileira.

Na seqüência, "Start me up" incendiou definitivamente qualquer alma que não fosse sebosa. E, logo depois, no bis, veio "You can't always get what you want", cujo refrão diz, em resumo, que se você não pode ter tudo que quer, se tentar, pode ter tudo o que precisa. Ai, ai, ai.

Para fechar, Mick voltou com uma camisetinha com a bandeira do Brasil, uma legítima representante da moda do Saara, área de comércio popular no Rio de Janeiro. Quem sai aos seus não degenera, já dizia a minha avó Antonia.

Foi um show imperdível que pode ser o último da banda no Brasil, já que são velhotes que tiveram uma vida de excessos. Mas se o Rock for mesmo o elixir da juventude, como diz a lenda, as pedras vão continuar a rolar.

Após o show, o empresário Luiz Oscar Niemeyer promoveu uma festa para seus convidados na varanda do hotel Copacabana Palace. Ron Wood e Mick Jagger desceram de suas respectiva suítes por volta das 2h da madrugada e ficaram dentro de um curralzinho montado no hall de entrada do Salão Nobre. Junto com eles um grupo de socialites internacionais, como o arranjador americano Quincy Jones. Keith Richards e Charlie Watts não apareceram.

Suzana saiu do show com seguranças da produção que a levaram até o carro. Quem não era famoso não tinha esse privilégio e era obrigado a encarar uma espécie de corredor polonês na saída do espaço. “Figurante! Figurante!”, gritavam, quando passava por ali algum anônimo com a camisa da área VIP.

Keith Richards personalizou várias peças do seu apartamento com um adesivo que costuma usar como logotipo, uma caveira. A placa de “Do not disturb” na porta, por exemplo, ganhou o decalque. E certamente vai aparecer num leilão futuro valendo os tubos.

O prefeito Cesar Maia (PFL-RJ), que assistiu ao show da residência oficial, na Gávea Pequena, já tem novo sonho de consumo. Ele iniciou entendimentos para promover um show do cantor inglês Elton John em Copacabana, nos mesmos moldes dos Rolling Stones. Para o prefeito, Elton é o nome ideal por falar para várias gerações. “Vai depender da agenda dele. Elton John fala da diversidade e contra a discriminação e os preconceitos. Já tentei trazê-lo uma vez, dois anos atrás, para tocar no Dia Mundial contra a AIDS, mas não consegui”, diz o alcaide da Cidade Maravilha . (WAPJ)