Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, julho 23, 2009

Ausência de escrúpulos

CAMPOS DO JORDÃO (SP) - NA Quinta-feira, 16, ainda prestes a entrar em recesso parlamentar, que começou no último Sábado, 18 e terminará oficialmente em 03 de Agosto, membros da chamada “tropa de choque” do presidente do Senado Federal, senador José de Ribamar Sarney (PMDB-AP), trataram de difundir a previsão de que esse período de duas semanas, a que se seguirá, com poucos dias de intervalo, o início dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar irregularidades em contratos da companhia pública Petrobrás S/A e da Agência Nacional de Petróleo (ANP), tirará o seu combalido chefe do centro das atenções do noticiário político. Segundo o prognóstico, ou melhor, a expectativa que esperam ver convertida em realidade, doravante a prioridade da Imprensa, municiada pela Oposição, será a divulgação de presumíveis irregularidades na estatal. Com isso, os escândalos que envolvem diretamente o oligarca e o seu clã maranhense - dos atos secretos que os beneficiaram aos desvios de dinheiro na Fundação José Sarney - esfriarão, ou até sairão de cartaz.

É DE FATO curiosa a mente desses políticos. Talvez Freud explicasse. Eles acham, ou querem fazer crer, que a seqüência de revelações que há meses mantêm o senador maranhense na berlinda não é escabrosa o bastante para resistir a uma nova temporada de possíveis denúncias, dessa vez referidas a uma personagem incomparavelmente maior, como a Petrobrás. A idéia por trás do argumento é que a Imprensa não tem fôlego para fazer duas coisas ao mesmo tempo nem a sociedade manterá o interesse pelas lambanças no Senado Federal quando começar o espetáculo da CPI na TV. Há, nessa visão cínica, uma confusão provavelmente deliberada. O cenário para a sobrevivência de José Sarney no posto que ocupa pela terceira vez, para não falar do seu mandato, está montado dentro da própria instituição. Pelo menos a curto prazo, a sua sorte não depende da continuidade das apurações jornalísticas que possam desentranhar evidências adicionais sobre os seus procedimentos e os de sua laboriosa família no eixo São Luís-Brasília.

DE FATO o que deve sustentá-lo por ora é a armação que depositou no comando do Conselho de Ética do Senado Federal - já não bastasse a maioria de 2/3 que o governo nele detém -, a figura ominosa do senador fluminense sem-voto (suplente do suplente do atual governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho), Paulo Duque (PMDB-RJ). Até para os padrões da baixa "política de compadrio" que dias atrás o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) fingiu condenar, ele é um tipo excepcional. Transmite a impressão de não estar na plena posse das faculdades mentais, tamanhas as barbaridades que profere, mas, na realidade, o que lhe falta é outra coisa: a mais tênue noção do que sejam escrúpulos. Quando o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o líder do seu partido e primeiro centurião de José Sarney entre os seus pares, o pinçou para o cargo, foi como se tivesse a calculada intenção de arrastar à lama o colegiado responsável pelo julgamento dos atos dos senadores que atentem ao decoro parlamentar.

SENDO pois não apenas o octogenário, desbocado - e debochado - político fará o que for preciso para barrar as denúncias e representações contra Zé Ribamar Sarney que se acumulam no Conselho de Ética, mas porque, no naufrágio moral daquela Casa do Legislativo, o seu descaramento e a sua subserviência encarnam o que dela possa ter descido mais depressa e mais profundamente. Ele está para o Senado Federal como o deputado gaúcho Sérgio Moraes (PTB-RS), o que disse que se "lixava" para a opinião pública, está para a Câmara dos Deputados. Duque prefere dizer que a opinião pública não o preocupa porque "é muito volúvel" e feita pelos jornais, "tanto que (?) estão acabando". Mas, afinal, as suas palavras não deveriam espantar. Ainda na semana que passou, em mais um discurso autocongratulatório, diante de um plenário praticamente vazio, por sinal, Zé Sarney posou de vítima de "uma campanha pessoal contra mim", iniciada pelo Jornal O Estado de S. Paulo, "obrigando (?) os outros jornais e a televisão a repercuti-la".

E NESSE panorama desalentador, em que o Conselho de Ética do Senado Federal foi exposto à mais completa desmoralização, enquanto o presidente daquela Casa do Legislativo Brasileiro recorre à esfarrapada teoria conspiratória para se desvencilhar de fatos objetivos que o atingem - e outro não é o motivo pelo qual repercutem -, a única manifestação inequivocamente honesta, o único lampejo de dignidade foi proporcionado pelo sindicato dos pizzaiolos de São Paulo. Ofendidos, estes sim com razão, pelo uso pejorativo do termo clássico que designa a sua atividade, num rompante do vosso “CARA” contra os senadores oposicionistas, ressalvaram em nota que exercem "uma profissão que merece respeito". Decerto não era a sua intenção, mas acabaram criando um símbolo do contraste entre a sociedade civil e o estamento político que a despreza.