Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, março 02, 2006

O segredo dileto para o Oscar

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
RIO DE JANEIRO

Sou do tempo em que obras cinematográficas eram analisadas. Buscavam-se pontos em comum numa filmografia e, assim, você aderia ou rejeitava este ou aquele diretor do Cinema. Hoje, não é mais assim. E é difícil perceber o que leva um ou outro cineasta a fazer este ou aquele filme. Tenho alguma simpatia por Ang Lee. Principalmente por “Banquete de casamento”, “Comer, beber, viver” e pela obra-prima “Razão e sensibilidade”. Mas, sinceramente, não consigo perceber o que esses filmes têm a ver com “Tempestade de gelo”, “O Tigre e o Dragão” e, principalmente, “Hulk”. Portanto, não foi o talento do cineasta, nem mesmo sua irrepreensível capacidade narrativa, o que me seduziu em “O segredo de Brokeback Mountain”.

Também não fui atingido pelo escândalo que o filme provocou ou pela importância política que lhe atribuem. Entendo que, hoje, nos Estados Unidos da América (EUA), na era conservadora imposta pelo governo do presidente da República George W. Bush (2001-2009), o romance entre dois caubóis cause espanto. O homem de Marlboro nunca mais será visto da mesma maneira. Mas, vem cá, fora do Texas ou do Arizona, alguém ainda está preocupado com isso?

Os meus colegas da crítica especializada lá da AGÊNCIA O GLOBO foram ferozes. “A obra não é transgressora, nem corajosa”, gritou um. “Um caso de projeto que foi parar na mão errada”, acrescentou outro. “Um discurso clássico-narrativo fedido a formol”, concluiu um terceiro. Concordo que a obra não é transgressora, mas... e daí? Discordo de que a narrativa seja velha ou que o classicismo da narrativa seja prejudicial à obra. Se há um talento que ninguém pode negar a Ang Lee é sua capacidade de contar bem uma história. E nem imagino o que seria “O segredo de Brokeback Mountain” em outras mãos. Seria outro filme e não o que está sendo exibido agora.

Só há uma maneira de se assistir a “O segredo de Brokeback Mountain” e aproveitar o que o filme tem de bom: entrar na sala de Cinema desarmado. Se você ainda não foi ver o filme — será que alguém ainda não viu esse filme? — esqueça a trajetória do cineasta, esqueça o impacto que o filme vem provocando na sociedade bushiana, esqueça, principalmente, a rabugice dos críticos especializados e deixe-se levar pelo que é mostrado na grande tela.

“O segredo de Brokeback Mountain” narra uma história de amor. Uma história de amor impossível, como as que rendem bons filmes. Mais do que mostrar o que acontece com um casal gay em que uma das pontas não assume sua homossexualidade, o filme mostra o que acontece com um ser humano que não assume seus desejos. A linguagem é de melodrama. É bom levar óculos escuros para não dar bandeira no fim da sessão. Minha enamorada e sensível companheira começou a chorar dez minutos antes do último plano e não conseguiu evitar alguns soluços; tive que consolar a bela.

Filmes ruins não conseguem este envolvimento da platéia.

Não pode ser por acaso também que, até agora, o filme já se aproxime de 50 prêmios desde seu lançamento, há pouco mais de três meses, no Festival de Cinema de Veneza. E que, embora a entrega do Oscar só vá acontecer em Los Angeles (EUA) no Domingo, 05, ninguém duvide que receberá o prêmio de melhor filme de 2005. Não há uma barbada como esta desde “Titanic”, o grande vencedor em 1997. Porém, não seria justo comparar “Titanic” com “O segredo de Brokeback Mountain”. O primeiro é um filme-espetáculo, e conquistou o mundo por esta característica. “Brokeback” vem conquistando o planeta por seu humanismo. Não resista. Entre na sala de Cinema deixando a razão do lado de fora, mas acompanhado de toda a sua sensibilidade e, de preferência, leve a sua amada (o), companheira (o) de paixão. Tenho certeza de que o crítico que mora em seu coração vai aplaudir “O segredo de Brokeback Mountain” de pé.