Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, março 13, 2006

Outro acinte

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
SÃO PAULO

A estratégia de invadir favelas, na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro, para recuperar uma pistola e dez fuzis roubados de um quartel militar pode, na melhor das hipóteses, demonstrar aos bandidos que quando se trata do Exército o crime não compensa. Depois dessa asfixia, os narcotraficantes vão pensar duas vezes antes de invadir estabelecimentos das Forças Armadas do Brasil para roubar armamentos. É possível até que os ladrões tenham recebido ordem dos comparsas do crime, guardados ali no complexo penitenciário de Bangu (RJ), para devolver as armas, pois a guerra atrapalha o negócio das drogas.

Do ponto de vista do Exército Brasileiro, nada mais justo do que, além de resgatar as armas roubadas, o comanda daquela instituição queira recuperar a auto-estima e revidar o ultraje. Do ponto de vista da Sociedade brasileira, porém, cabe perguntar se terá valido a pena uma mobilização dessa envergadura para mais uma operação enxuga-gelo. Se essa invasão for provisória, como foram todas as anteriores, se não se transformar em ocupação permanente, planejada, seu efeito sobre a criminalidade será passageiro. Já vimos esse filme duas vezes em 2004 (por ocasião de assaltos idênticos), e o final do episódio ensinou que em lugar de correr atrás do prejuízo o melhor teria sido proteger o patrimônio — evitar o roubo em vez de reprimi-lo.

Para os que em criança cantavam na escola a “Canção do Exército” (“Nós somos da Pátria a guarda/Fiéis soldados,/Por ela amados...”), o que mais inquieta no presente é perceber como estão vulneráveis os depósitos de armamento e munição do Exército, da Marinha e da Aeronáutica Brasileira, justamente as instituições que são ou deveriam ser guardiões da segurança nacional e da inviolabilidade de nosso território.

Um levantamento realizado por técnicos da Polícia Civil do Estado Rio de Janeiro (PCERJ) e pesquisadores do Instituto de Estudos de Segurança Pública do Rio de Janeiro (Iser) concluiu que, das 86.849 armas apreendidas com bandidos entre 1999 e 2005 naquele estado e registradas na Delegacia Legal, mais de 8.000 (cerca de 10%) haviam sido desviadas das polícias e das Forças Armadas Brasileiras. Não existe levantamento sobre os desvios de munição, mas se presume que sejam mais freqüentes.

Assim, apropriar-se por furto ou roubo de material de uso privativo dos militares tem sido uma prática constante. Se esse assalto recente chamou a atenção foi por causa do acinte com que os sete bandidos, usando tática de guerrilha, invadiram o quartel e, mesmo no escuro, chegaram ao depósito de armas, depois de agredir e humilhar os soldados de plantão.

É preocupante constatar que a instituição que é “da Pátria a guarda” não consegue guardar seus próprios bens e propriedades. Nada mais vital para a segurança das Forças Armadas Brasileiras, ou seja, para a segurança deste País, do que o controle dos estoques e a proteção de seus arsenais e paióis.