Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, janeiro 17, 2011

Tragédia construída pelos imprevidentes

FRANKFURT - DESASTRES naturais de proporções assustadoras, como os que ocorreram no Brasil esses dias, na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, geralmente são causados por uma rara combinação de fatores, como uma chuva de intensidade anormal, a existência de solo encharcado e instável em decorrência de chuvas anteriores, declives acentuados, falta de vegetação adequada, entre outros. Mas desastres como esses só se transformam em tragédias humanas porque, com a tolerância e até o estímulo irresponsável do poder público, áreas sob risco permanente de deslizamentos são ocupadas desordenadamente. Na Região Serrana fluminense, nas encostas e nas áreas devastadas pela avalanche de lama e pedras encontram-se desde favelas até residências de padrão elevado, sítios de lazer e hotéis de luxo.

HÁ décadas, a ocorrência de tragédias semelhantes à registrada agora em Teresópolis (RJ), Nova Friburgo (RJ), Petrópolis (RJ) e Sumidouro (RJ) - os municípios fluminenses mais afetados pelos deslizamentos que, além das centenas de mortes, provocaram o caos, com a interrupção dos serviços urbanos essenciais, o que dificultou ainda mais o socorro às vítimas - deveria ter servido de alerta às autoridades no sentido de adotar medidas preventivas para, pelo menos, reduzir os efeitos das tempestades de verão. Em 1967, a região de Petrópolis foi duramente castigada por um temporal que provocou a morte de 300 pessoas. Em 2010, deslizamentos em Angra dos Reis (RJ) matou 53 pessoas e desalojou outras 3.500. Em todo o Estado do Rio de Janeiro, desastres naturais decorrentes das chuvas provocaram a morte de 74 pessoas em 2010.

ESSA liberação imediata de R$ 780 milhões do governo federal - por meio de medida provisória assinada pela presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS) -, para auxiliar os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo e os municípios mais afetados pelas chuvas recentes, permitirá o início rápido de obras e serviços de recuperação da infraestrutura danificada ou destruída. O dinheiro se destinará também a socorrer as vítimas e, na medida do possível, restabelecer a normalidade nas localidades mais atingidas. Certamente essa verba é insuficiente para tudo isso, mas sua rápida liberação - da mesma forma que a liberação de 7 toneladas de remédios e materiais médicos e o envio de homens da Força Nacional de Segurança Pública para auxiliar no socorro às vítimas - autoriza a esperança de que as coisas mudem com o governo recém instalado no País.

O QUE não houve, até agora, foi a decisão de impedir que as tempestades que açoitam a Região Serrana fluminense todos os verões produzam tragédias como aquela da última Quarta-feira mostrada pelas redes de TV aqui na Europa. Desde sempre, as autoridades locais, às quais compete regulamentar e fiscalizar o uso do solo e impedir a construção de moradias em áreas de risco, como as encostas e as regiões sujeitas a inundações, assistiram impávidas à ocupação desordenada dessas áreas.

NA esfera federal, a verba reservada no orçamento do ano passado do Ministério da Integração Nacional (MIN) para o Programa de Prevenção e Preparação para Emergência e Desastres era de R$ 425 milhões, mas apenas R$ 167,5 milhões foram aplicados, de acordo com levantamento da Organização Não Governamental (ONG) Contas Abertas, com base em dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal.

NENHUM centavo dos R$ 450 mil previstos para "apoio a obras preventivas de desastres/contenção na estrada Cuiabá" (em Petrópolis, uma das áreas onde houve deslizamentos) foi aplicado. Nova Friburgo, que registrou o segundo maior número de mortes na última Quarta-feira, 12, deveria receber R$ 21,5 milhões para "obras de pequeno vulto de macrodrenagem", mas nada recebeu, de acordo com reportagem da GLOBONEWS.

FOI graças à imprevidência das autoridades - para não dizer descaso - que se repete em 2011 a tragédia de 1967. Além de afetar dolorosamente a vida das famílias, a falta de projetos e ações destinadas a evitar a ocorrência de desastres naturais em áreas ocupadas por residências tem um forte impacto financeiro. Por não aplicar o que pode em prevenção, o governo acaba tendo de gastar muito mais em obras de recuperação. Que a presidente Rousseff aproveite este primeiro desafio a que é submetida para demonstrar que não veio apenas para continuar o que o vosso ex-guia fez.