Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, abril 15, 2006

Judas pra todos os credos
WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
ANGRA DOS REIS (RJ)


Além da denúncia do procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza contra a quadrilha do petismo que assaltou o erário nacional neste (des) governo do vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (2003-6), dois assuntos prenderam minha atenção na semana que passou: a divulgação do Evangelho segundo Judas Iscariotes e a entrevista de Suzane von Richthofen.

Esses dois eventos têm mais em comum do que a gente poderia supor num primeiro momento. Os dois chegaram com força na mídia com o mesmo objetivo: vender um produto. O primeiro vendia um programa de televisão e todos os seus futuros derivados, como revistas, livros, DVDs... O segundo vendia uma nova imagem para a ré confessa que chocou este País ao ser acusada de participar do assassinato dos pais com requintes de violência. Os dois usaram a Imprensa com as técnicas de uma produtora do Cinema, de uma grande editora de livros, de uma multinacional da indústria fonográfica. A idéia era, em determinado dia, aquele ser o único assunto que interessa. Assistir ao programa do carnal National Geographic (SKY-NET) sobre o Evangelho segundo Judas Iscariotes ou acompanhar a entrevista de Suzane no Fantástico (TV GLOBO) passou a ter a mesma importância de ir ao cinema, logo no primeiro fim de semana de exibição, assistir a comédia nacional “Irma Vap” (GLOBOFILMES) ou ao hollywoodiano “V de vingança”. São os filmes que se têm que ver, a reportagem que se tem que ler, a entrevista a que se tem que assistir.

Sinceramente, todo o estardalhaço provocado com a “descoberta” de que Judas Iscariotes não teria traído Jesus Cristo, mas apenas seguido as Suas ordens, ficou meio assim comprometido quando, 24 horas depois de os jornais abrirem muito espaço para a “revelação”, o canal de TV do National Geographic Institute já anunciar a exibição de um programa especial sobre o “acontecimento”. Ficou a desagradável impressão de que tudo era anúncio para o verdadeiro negócio: os direitos exclusivos do National Geographic Institute sobre o assunto.

Quanto à entrevista de Suzane, os advogados da moça erraram na dose. É ingenuidade imaginar que ela seja a primeira ré a ser orientada por seus defensores a chorar, a mentir ou a bancar a perturbada. O problema é que os tais advogados foram tão arrogantes que não se deram conta de que a artimanha poderia ser flagrada pela TV. Suzane perdeu a chance de bancar a boa moça só para o júri. Querendo convencer um País inteiro, ela acabou reforçando a imagem de criminosa, da qual vai ser difícil se livrar até o julgamento.

As mesmas armas que fazem vender — como as usadas pelo National Geographic Institute — podem transformar o produto em fracasso retumbante — como no caso de Suzane e seus advogados trapalhões.

Que não há mais heróis já se sabia. Os heróis do saudoso e brilhante poeta Cazuza morreram de overdose e outros mais velhos, de cinismo. Mas, e os vilões? Se não se pode mais acreditar no nnninnnn maior deles, se é para esquecer o que estava escrito nos quatro Evangelhos da Bíblia, se é para cancelar o Novo Testamento, tudo então é permitido e o mundo ameaça se transformar num grande Congresso brasileiro, onde todos são considerados inocentes até com provas em contrário. Talvez seja mais fácil aceitar a decepção com um ídolo do que a redenção de um traidor.

A descoberta do tal Evangelho de Judas, um manuscrito de 1.700 anos atrás mostrando que ele não traiu, que não foi o pior dos discípulos de Jesus Cristo, mas justamente o eleito para ajudá-lo a se libertar de seu corpo terrestre, soou para mim como se entre os Autos da Devassa da Inconfidência Mineira alguém encontrasse um documento dizendo que Joaquim Silvério dos Reis não havia traído o seu xará Joaquim José da Silva Xavier, mas sim que, ao contrário, entregara o pescoço do amigo à forca a pedido do próprio Tiradentes.

Na verdade, foi muito pior, porque Judas Iscariotes é — ou era — o arquétipo do traidor, a matriz que gerou todos os outros ao longo da história, a encarnação do mal, a ponto de ter-se enforcado de arrependimento, não sem antes receber o seu dinheirinho pela delação premiada. Só falta agora aparecer alguém para descobrir que também Caim não era tão mau assim e que, se assassinou o irmão por inveja, o fez com uma certa razão, por se sentir carente e discriminado pelos pais, que não escondiam sua preferência pelo caçula.

Achei que a reação no Brasil em relação a uma descoberta tão polêmica seria maior, mais indignada. Será que é porque a política já nos acostumou com a troca e a inversão de valores, em que vilões se transformam rapidamente em heróis e vice-versa? Ou será por causa de Paulo Coelho e Raul Seixas? Já nos anos 70, mesmo sem saber o conteúdo do manuscrito, eles davam a palavra ao acusado, numa música meio premonitória chamada “Judas: - Parte de um plano secreto, amigo fiel de Jesus, eu fui escolhido por ele para pregá-lo na cruz”.
O Vaticano silenciou sobre o novo “Evangelho”, mas uma pergunta não quer calar: será que é isso mesmo, será que Judas Iscariotes foi o único a compreender o verdadeiro significado dos ensinamentos de Jesus Cristo? De qualquer maneira, duvido que alguém vai deixar de o malhar neste sábado de Aleluia. Nem que seja um boneco de feições que lembram o vosso presidente da República, o comandante-em-chefe do petismo oficial.