Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, agosto 22, 2012

Chicana jurídica em pauta


ASSIM que terminar o julgamento dos envolvidos no escândalo do Mensalão empreendido por Zé Dirceu (PT-SP) e sua trupe petista, O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar, ainda este ano, um recurso extraordinário que é decisivo para a liberdade de Imprensa no País. Trata-se de uma ação de reparação de danos causados, envolvendo o exercício da liberdade de informação, seja por meio de jornais e revistas, seja por meio de sites e blogs da internet.

TAL litígio começou há cinco anos, quando a mãe de uma aluna de um colégio particular da Capital paulista classificou como preconceituosa uma apostila distribuída em classe pelos professores. Além de ter retirado a filha da escola, a mãe divulgou um artigo na internet, criticando as apostilas de história e geografia adotadas pelo estabelecimento. Segundo ela, os textos conteriam erros de português, equívocos de informação, falsificação de dados históricos e "panfletagem grosseira".

ESSAS apostilas foram elaboradas por um grupo educacional de Ribeirão Preto (SP) especializado na produção de material didático e pertencente a uma das maiores empresas multinacionais do setor. Assim que as críticas às apostilas foram colocadas na internet, a empresa pediu o direito de resposta. Ela alegou que os trechos das apostilas criticados haviam sido extraídos de questões formuladas nos processos seletivos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Também reconheceu que a qualidade da redação das apostilas poderia ser melhorada, mas refutou erros de informação histórica.

ALGUNS dias depois, os advogados da empresa multinacional impetraram, no Fórum da Justiça em Ribeirão Preto, uma ação de indenização por danos morais contra a mãe da aluna e contra o site que publicou seu artigo. Assim que o processo começou a tramitar, o juiz responsável pelo caso acolheu pedido de tutela antecipada, determinando que o site retirasse imediatamente os nomes do grupo educacional do texto do artigo. E fixou multa de R$ 3 mil para cada vez que esse site ou qualquer outro veículo de comunicação mencionasse o nome da empresa ao noticiar o litígio.

DESDE então, o eixo do litígio judicial mudou e os advogados das duas partes passaram a discutir uma questão processual, acerca do foro competente para o julgamento da ação. Os advogados da empresa multinacional insistiram em que a ação deveria tramitar na comarca onde a empresa tem sua sede - ou seja, Ribeirão Preto. Os réus alegaram que o caso deveria ser julgado em São Paulo (SP), onde moram.

COM base no artigo 100 do Código de Processo Civil (CPC), quem se considera ofendido tem o direito de ajuizar a ação no foro de seu domicílio. Por isso, quem se manifesta por jornais ou pela internet corre o risco de ser processado em qualquer lugar do País. Se várias pessoas se sentirem ofendidas pela mesma matéria e cada uma morar numa cidade diferente, o autor de um artigo terá de se defender em cada comarca - arcando com os custos dos advogados. Foi o que ocorreu em 2008, quando a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) estimulou seus seguidores a processar o Jornal Folha de S. Paulo, devido a uma reportagem investigativa. A empresa jornalística teve de se defender em mais de 90 cidades. A mesma estratégia foi usada pelo deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) contra Jornal O Globo (Infoglobo S/A). A empresa Infoglobo S/A que controla o Jornal O Globo foi acionada na Justiça em 20 Estados da Federação, por causa de uma reportagem sobre a Força Sindical, da qual o parlamentar é presidente. "Vou dar um trabalho desgraçado. Vou fazer de mil a duas mil ações contra eles no Brasil inteiro. A Universal vai ser fichinha", disse ele na época.

COMO essa chicana jurídica colide com o artigo 5.º da Constituição Federal do Brasil (CFB), que assegura o direito de opinião e determina que "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação", o caso foi levado para o STF, com base no princípio da "repercussão geral". Caberá, então ao STF decidir se o artigo 100 do CPC - no qual se baseiam as tentativas de intimidar jornais, revistas, TVs, Jornais, portais e blogs - é um obstáculo à liberdade de informação jornalística e se pode ser aplicado às ações de reparação de danos morais causados no exercício da liberdade de expressão. O relator do processo é o ministro Luiz Fux e o caso interessa a todo o setor de comunicação.