Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, fevereiro 14, 2012

Tropas de assalto

NÃO restaram vencedores na “lavagem de roupa suja” sobre a nomeação do presidente da Casa da Moeda do Brasil, Luiz Felipe Denucci Martins (PTB-RJ), recém-demitido há poucos dias depois de denúncias sobre movimentação de recursos em paraísos fiscais. Investigações poderão determinar se Martins cometeu algum crime ou se foi vítima de acusações sem fundamento. Mas o governo Dilma Rousseff (2011-14) e seus aliados já expuseram à luz, mais uma vez, uma das maiores aberrações políticas brasileiras - o loteamento administrativo como forma rotineira e "normal" de ocupação do setor público. A aberração, neste episódio, chegou a um nível nunca atingido na série de escândalos iniciada com a divulgação das bandalheiras no Ministério dos Transportes em 2011.

O FIO da meada entre todas essas histórias sempre foi a partilha de cargos federais como um grande butim conquistado por tropas de assalto. A novidade, agora, foi a espantosa troca de acusações entre o ainda ministro de Estado da Fazenda, Guido Mantega (PT-SP), e a liderança de um grupo aliado, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Ninguém assume a responsabilidade pela indicação de um indivíduo para presidir nada menos que a Casa da Moeda do Brasil, o departamento responsável pela impressão e pela cunhagem do dinheiro em circulação no País. Só não é exatamente uma piada pronta porque isso ultrapassa a imaginação dos melhores humoristas.

NA versão do presidente do PTB, o ex-deputado federal cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ), o ministro Mantega pediu ao líder do partido na Câmara dos Deputados, Jovair Arantes (PTB-SP), um aval ao nome de Denucci. "Ele não é do PTB", disse Jefferson. "É do Mantega". E Mantega contestou. Declarou desconhecer o possível candidato ao posto, nunca tê-lo encontrado e ter recebido seu currículo do deputado federal Jovair Arantes. Segundo Mantega, o currículo era adequado e Denucci até conseguiu modernizar a Casa da Moeda do Brasil. Além disso, ele atribuiu ao PTB as denúncias de operações irregulares no exterior.

MANTEGA afirmou isso cumprindo ordem da presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), para se manifestar sobre a demissão e esclarecer a participação do PTB na história. E, segundo se informou nossa reportagem em Brasília, a cúpula do Palácio do Planalto aprovou seu desempenho. Em outras palavras, a presidente Rousseff e seus conselheiros palacianos mais próximos teriam ficado satisfeitos porque o ministro Mantega se eximiu da responsabilidade pela escolha do presidente da Casa da Moeda do Brasil e a lançou sobre um partido aliado. Segundo as mesmas fontes ouvidas pela nossa reportagem, a presidente da República teria cobrado a nomeação de um técnico para o cargo.

DONA Rousseff pode insistir na nomeação de um técnico, mas isso de nenhum modo elimina a questão básica: a quem cabe a responsabilidade pela nomeação de ministros de Estado, de dirigentes de empresas e órgãos públicos estatais e de autarquias federais e, de modo geral, de ocupantes de postos de confiança no governo federal? Ao jogar para o PTB a responsabilidade pela nomeação de Denucci, o ministro Mantega reiterou de forma inequívoca a resposta conhecida até agora: as nomeações são sujeitas a critérios de loteamento. O encarregado de assinar o ato oficial - no caso, o ministro da Fazenda - pode até rejeitar algum nome, mas a indicação, de toda forma, cabe a um partido político, de acordo com algum critério de partilha.

E EM outras condições de normalidade, um ministro de Estado julgaria humilhante assumir publicamente o papel de mero carimbador de uma nomeação para um cargo vinculado ao seu gabinete. Mas os critérios dominantes neste governo do Partido dos Trabalhadores (PT) são de outra natureza. As palavras "não conhecia, nunca tinha visto o Luiz Felipe Denucci" estão no segundo parágrafo de uma nota divulgada no último dia 03 no portal do Ministério da Fazenda (MF) na web. Não constam de uma acusação ao ministro da Fazenda. São elementos - quem diria? - de sua defesa.

CONTUDO, o ministro da Mantega age segundo critérios considerados normais para a gestão pública brasileira. Esses critérios foram reafirmados pela presidente da República, ao manter sob controle do Partido Progressista (PP) o Ministério das Cidades. Partidos políticos têm cotas no governo. Obviamente, só brigam pela conquista e pela manutenção de cotas porque esperam servir-se da administração pública. O presidencialismo de coalizão é isso, no Brasil, e a presidente Rousseff nunca renegou essa concepção. Apenas a aperfeiçoou, ao aceitar que um ministro de Estado negue sua responsabilidade pela nomeação do presidente da Casa da Moeda do Brasil.