Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, outubro 29, 2005

Faca nos dentes

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE

É muito bom todo mundo se preparar para uma longa e sangrenta campanha pela Presidência da República que consumirá o resto deste ano e entrará 2006. É nisso que vai desembocando a crise política deflagrada pelo estouro do delubioduto – a máquina petista de distribuir dinheiro para concentrar poder. O que se segue agora é a fuzilaria entre o Partido dos Trabalhadores (PT) ferido e o bloco formado pelos oposicionistas desde a primeira hora: PSDB-PFL de olho na boa chance de voltar ao governo.

Nesta semana, saindo do encolhimento de cinco meses para o ataque, os líderes do PT abriram fogo em seu programa nacional na TV contra a Oposição. Esta semana que se inicia, serão os líderes do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) quem responderão, também através da TV em horário nobre.
Primeiramente, destinando cinco dos 20 minutos dos programas regionais que começam a ser veiculados nesta Segunda-feira, 31, para responder ao PT e fustigar o governo Luiz Inácio da Silva (2003-6). Depois, por meio de comerciais curtos que serão exibidos em cadeia nacional. A inserção nos programas regionais foi regravada no fim de semana por causa do ataque petista de Quinta-feira, 27, e do anúncio da direção petista, na Sexta-feira, 28, de que pode pedir a cassação do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), ex-presidente do PSDB, ao Conselho de Ética do Senado Federal. Isso deixaria o Azeredo impossibilitado de renunciar, tal como aconteceu com ainda deputado Zé Dirceu (PT-SP), que também teve sua cassação pedida por um presidente de partido, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ). Ter um cassável em suas fileiras é o preço que o PSDB pode pagar por ter demorado a remover Azeredo da presidência nacional do partido.

Além de recordar tudo o que já foi revelado sobre o esquema do valerioduto e do mensalão, sobre a empresa do filho do presidente da República Luiz Inácio da Silva, com aporte de R$ 5 milhões investidos pela Telemar, sobre o uso de caixa dois na campanha presidencial, o novo escândalo dos U$ 3 milhões vindos de Cuba para abastecer as campanhas petistas (como revela reportagem da Revista Veja desta semana), os peessedebistas vão rebater os números apresentados pelos petistas numa comparação desfavorável ao governo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que o PT acusou de quebrar o Brasil e vender as estatais em processo suspeito de corrupção. A média de crescimento econômico no governo Fernando Henrique Cardoso, afirmou a propaganda petista, foi de 2,2%. No Governo Luiz Inácio da Silva, "só em 2004" o país cresceu quase 5%. Comparação tecnicamente imperfeita, que apresentou contra a baixa média da era peessedebista o melhor ano de Luiz Inácio da Silva.

Nenhum dos três presidenciáveis peessedebistas— o prefeito da cidade de São Paulo José Serra, O governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin e governador de Minas Gerais Aécio Neves — aparecerá nos comerciais ou na inserção nacional. A disputa está acesa entre Serra e Alckmin e tende a se acirrar na medida em que as pesquisas apresentam o prefeito de São Paulo com maiores chances de derrotar o presidente Luiz Inácio da Silva.

Na guerra aberta, o agora sexagenário Luiz Inácio da Silva é quem pagará pela decisão petista, que tentou em vão evitar, de partir para o tudo ou nada. O Partido da Frente Liberal (PFL) apresentará mesmo uma queixa-crime contra o presidente Luiz Inácio da Silva, por uso de caixa dois na campanha eleitoral, ainda que isso reforce o movimento para cassar Azeredo, a quem se atribui o os primeiros passos do valerioduto. A queixa-crime, se for aceita pela Procuradoria Geral da República, pode resultar em processo de impeachment, uma palavra que a Oposição já havia tirado do vocabulário da crise. A 11 meses da eleição presidencial, o processo de impedimento do presidente da República teria poucas chances, inclusive temporais, de ocorrer. Mas criada a situação, estará a Oposição realizando seu desígnio do início da crise: sangrar Luiz Inácio da Silva ao longo da campanha presidencial de 2006 para levá-lo exangue às urnas.

A propósito o governo norte-americano está muito interessado nas investigações sobre o delubiovalerioduto. Na semana passada, o Departamento de Estado de Justiça dos Estados Unidos da América (EUA) decidiu fazer cópias dos documentos sobre movimentações bancárias do marqueteiro baiano Duda Mendonça e da Trade Link (empresa ligada ao Banco Rural) antes de remeter o material ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os papéis estavam em poder da Promotoria Pública do Estado de Nova York.

Em busca destes mesmos dados, embarcam hoje para os EUA o presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MT); o relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR); o sub-relator deputado Gustavo Fruet (PSDB-RS) e a senadora Ideli Salvatti (PT-PR). Eles vão amanhã ao Departamento de Estado Justiça, em Washington (DC), e na Terça-feira, 01, à Promotoria Distrital de Nova York, que vem se recusando a transferir os dados sigilosos à CPMI dos Correios, embora o próprio DRCI, órgão do Ministério da Justiça que combate a lavagem de dinheiro, tenha se empenhado — diferentemente do que divulgam integrantes da Comissão Parlamentar.

Os acontecimentos políticos recentes indicam que teremos uma das campanhas presidenciais mais radicalizadas dos últimos tempos. O governo Luiz Inácio da Silva já identificou o adversário imediato no PSDB, o que sinaliza para o PT uma guerra permanente contra o suspeito de sempre, que, por sua vez, volta a falar em impeachment do presidente da República. Mas essa polarização entre os dois partidos hegemônicos há 15 anos na política brasileira pode corresponder a uma ótica política viciada, que já não reflete os anseios atuais da sociedade. É o que pensa, por exemplo, pelo menos parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). E está também na estratégia do PFL, que aguarda o início do ano, analisando pesquisas eleitorais, para tomar sua decisão.

Embora o mais provável seja que o PFL venha a aderir à candidatura do PSDB, se as pesquisas confirmarem que essa polarização entre PT e PSDB está sendo rejeitada pelo eleitorado, pode se abrir caminho para a reaglutinação das forças políticas alternativas como o PFL e o PMDB, que voltaram a sondar um caminho novo para a disputa eleitoral, isoladamente, ou revivendo a união do MDB com a Frente Liberal que elegeu o ex-presidente da República Tancredo de Almeida Neves em 1984, de onde nasceu o PFL.

O consenso é que a radicalização muito grande é pouco construtiva: querem saber quem roubou mais, ironiza um cacique peemedebista. Uma eventual candidatura deveria construir uma proposta alternativa à atual política econômica, com novos valores de uma nação que quer se desenvolver. Combater a desigualdade é fundamental, e essa política econômica não contemplaria uma saída, em uma avaliação feita por interlocutores dos dois partidos que tateiam uma aproximação mais profunda.

PT e PSDB foram os únicos a lançar candidatos próprios nas quatro últimas eleições presidenciais, e disputaram as últimas três entre eles, e por isso mesmo fixaram uma imagem nacional. O PT teve um processo de nacionalização próprio, fora do poder, que se consolidou em 2004, nas eleições municipais. E o PSDB, que chegou ao poder central com a força do Plano Real em 1994, se aproveitou dos oito anos de governo federal para se estruturar nacionalmente.

O fato de PFL e PMDB terem se recusado a disputar a eleição presidencial explica por que eles não têm uma imagem política nacional, embora dominem a política regional. O último candidato próprio do PFL foi o ex-governador de Minas Gerais Aureliano Chaves, em 1989. E o PMDB “cristianizou” primeiro Ulysses Guimarães em 1989, depois Orestes Quércia em 1994, e nenhum deles passou dos 10% dos votos.

Deixando que questões locais se sobrepusessem às nacionais, os dois partidos estavam demonstrando uma vocação política restrita, assumindo o papel de coadjuvantes. Por isso, mesmo que decidam mais uma vez não lançar candidatos próprios, PFL e PMDB terão bancadas expressivas no Congresso Nacional, por que são partidos montados em torno de máquinas locais, que foram reforçadas nas eleições municipais de 2004. O PMDB continua sendo o partido com maior número de prefeitos, vereadores e senadores. E o PFL manteve-se como a terceira força municipal, atrás apenas do PT e do PMDB.

A campanha que está se esboçando mais radicalizada lembra as campanhas petistas mais agressivas, não tem nada a ver com o estilo que fez Luiz Inácio da Silva (PT-SP) ganhar a presidência da República em 2002, nem com a imagem de um Presidente “estadista”. Tudo remete ao PT que perdeu, e sem a mística que tinha, na análise da Oposição. Por isso cresce no PSDB a idéia de que um candidato que passe a idéia de estabilidade e segurança, como o governador de São Paulo Geraldo Alckmim (PSDB-SP), é a imagem mais adequada para os anseios atuais do eleitorado.

O programa do PT da última Quinta-feira, 27, deixou claro que a comparação é com o governo Fernando Henrique Cardoso, e o prefeito da cidade de São Paulo José Serra (PSDB-SP) está muito próximo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, relembra ele, foi ministro de seu governo nos dois mandatos, assumindo o primeiro o Ministério do Planejamento, depois o Ministério da Saúde. Alckmin não. O governador é uma nova face nacional do PSDB, uma outra vertente política, distante da Academia.

Mas seja como for, as facas afiadas, de um lado e de outro, estão entre os dentes. E o bloco está na rua, mesmo porque 2006 está logo ali.