Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, novembro 25, 2005

Enxugando gelo

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


Na apresentação de “Terror e êxtase”, de José Carlos Oliveira, que acaba de ser relançado, o escritor, jornalista e noveleiro Aguinaldo Silva (TV GLOBO) chega à conclusão de que o melhor romance sobre o Rio de Janeiro atual é esse livro, escrito há quase 30 anos. “Nossos autores de hoje fogem, como o diabo da cruz, da cidade em que vivem”, afirma o criador de “Senhora do destino” (TV GLOBO, 2004), lançando algumas farpas: “E preferem escrever sobre Budapeste ou a Mongólia, mesmo sem ter lá estado”.

Apesar de algumas gírias datadas — “saqualé”, “saca essa”, “não cansa a minha beleza”, “estamos conversados”, “putz”, “de montão” — o romance é atual pelo tema, o amor-bandido. Uma menina da Zona Sul carioca, bonita, bem-nascida, apaixona-se pelo assassino e traficante “1001”, assim chamado porque só tinha na frente os dentes caninos. Tempos depois, esses personagens deixaram o livro para freqüentar as páginas dos jornais.

Curioso como um cronista tido na época como politicamente “alienado”, que escreveu grande parte de sua obra bebendo na varanda de um bar, tinha a premonição de nossa tragédia social. Em uma crônica sobre “Garrincha”, um jovem delinqüente, ele diz que não temos futuro para oferecer aos garotos pobres. “Só pensaremos neles daqui a 20 anos, daqui a 50 anos, quando eles forem numerosos como ratos e agressivos como ratazanas bloqueadas pelo perigo”.

Como Oliveira previu, o futuro chegou. Se é verdade que a literatura não se interessa por ele, talvez seja não por falta de sensibilidade, mas por impotência. É como se a realidade tivesse se tornado mais irreal do que a ficção pode ser. Durante a Primeira Guerra Mundial, desesperados diante do irracionalismo que se acreditava ter chegado ao máximo, artistas europeus criaram o dadaísmo, um movimento pelo absurdo e contra uma civilização que não conseguira evitar a barbárie da Guerra.

Acho que só um dadaísmo tupiniquim poderia dar conta de apreender o nosso estado de coisas. Mesmo o Jornalismo foi vencido pela violência. De tanto ter que noticiá-la, somos identificados com ela. Essa semana mesmo, enquanto o Ministério da Justiça anunciava os índices de aumento de crimes — assalto a residências e a pedestres, roubo e furto de veículos, assalto a ônibus — o vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (PT-SP) continua afirmando que os problemas da violência no Brasil são exagerados pela Imprensa. É o caso de perguntar às vítimas.
Em suma, acho que há de nossa parte também um cansaço pelo esforço repetitivo.
A exemplo da polícia na sua luta contra o crime e do ainda ministro de Estado da Fazenda Antonio Palocci Filho (PT-SP) na sua persistência em pagar em dia os juros da nossa dívida externa, também estamos enxugando gelo.