Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, agosto 02, 2011

Discurso perdido

A CENTRAL Única dos Trabalhadores (CUT) parece estar perdendo o foco de sua atuação. Depois de ter perdido o acesso privilegiado ao Palácio do Planalto no governo Luiz Inácio da Silva (2003-10) - até agora, a presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), não recebeu o presidente daquela entidade sindical, Artur Henrique da Silva (PT-SP), para uma audiência exclusiva -, a CUT passou a atirar para todos os lados, querendo participar de todas as decisões importantes do governo, da reforma tributária à mudança do regime de operação dos aeroportos. Enquanto endurece seu discurso político, demonstra desatenção com as questões que afetam diretamente a vida dos trabalhadores, e vai ficando isolada dentro do movimento sindical.

SUA diretoria queixa-se de não ser ouvida pelo governo Rousseff (2011-14), mas, quando tem oportunidade de se manifestar, dá sinais de não entender patavina dos problemas de cuja solução pretende participar, nem o impacto que a demora dessa solução tem sobre a vida das pessoas afetadas por eles, o que inclui os filiados às entidades sindicais que diz representar.

O PRESIDENTE da CUT disse em entrevista à reportagem do Jornal VALOR ECONÔMICO que enquanto discute determinados temas com o secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho (PT-SP) - designado pela presidente Rousseff para os contatos com os movimentos sociais -, decisões são tomadas sem que ele seja ouvido. "Se for esperar acabar aquele tema em discussão na Secretaria-Geral da Presidência da República para entrar no outro tema, o assunto já foi resolvido dentro do governo", disse. "Um exemplo: aeroporto".

DE FATO trata-se de um ótimo exemplo do papel desempenhado até há pouco pelo governo e ainda agora pela CUT. A incapacidade do governo de enfrentar o problema da precariedade do sistema aeroportuário e da necessidade de sua modernização e expansão para atender a uma demanda que cresce exponencialmente já provocou situações dramáticas. O caos nos aeroportos observado nos últimos anos foi a demonstração mais nítida da incompetência do governo para prover um serviço adequado.

A RAPIDEZ do crescimento do movimento nos aeroportos não diminuiu. "O mercado doméstico brasileiro é o que mais cresce no mundo", apontou o relatório mensal da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) divulgado há pouco em Genebra. Entre Janeiro e Junho, o número de passageiros transportados no mercado doméstico cresceu 19% em relação ao primeiro semestre de 2010, índice quase cinco vezes maior do que o crescimento do mercado mundial, de 4%.

SEM reformas profundas na gestão dos aeroportos, seriam cada vez maiores os riscos de repetição, e com frequência cada vez maior, do caos aéreo, comprometendo totalmente a credibilidade das autoridades responsáveis pelo sistema antes mesmo da realização dos grandes eventos internacionais previstos para os próximos anos.

FINALMENTE, em Maio último, o governo Rousseff tomou a decisão correta de transferir para o empreendedor privado a tarefa de fazer aquilo que o setor público, sobretudo a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), não conseguiu fazer nos últimos anos, isto é, ampliar e tornar mais eficiente o sistema. O modelo para a concessão da expansão e da operação dos principais aeroportos do País - inicialmente, serão privatizados os aeroportos de Guarulhos (SP), Viracopos (SP) e Brasília (DF) - ainda não foi concluído e, para concluí-lo, o governo tem ouvido as partes interessadas.

UMA dessas partes, pois a concessão envolve questões trabalhistas, é o movimento sindical. Da reunião promovida pela Secretaria-Geral da Presidência da República e pela Secretaria da Aviação Civil (SAC) com sindicalistas, para discutir a questão trabalhista, Henrique saiu ameaçando recorrer à Justiça caso o governo insista em transferir para o setor privado o controle da empresa que ampliará e operará esses aeroportos - questão sobre a qual não tem credenciais para opinar. Pretendendo meter o bedelho nas grandes questões nacionais - deixando de lado as principais questões trabalhistas para outras centrais sindicais, que se mobilizam para realizar um ato conjunto em Agosto -, a CUT ignora os interesses dos brasileiros, que precisam de aeroportos eficientes, os quais o sistema atual não conseguiu oferecer.