Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, outubro 14, 2012

Barbárie sem punições

RIO DE JANEIRO (RJ) – COMPLETOU-SE outro dia vinte anos a morte trágica de 111 presos no Pavilhão 9 da Casa da Detenção de São Paulo e o caso ainda continua tramitando na Justiça. Aquele estabelecimento penal tinha, à época, 7.257 presos, mais do que o dobro da sua capacidade. Cerca de 2.700 estavam recolhidos no Pavilhão 9, no dia 2 de Outubro de 1992, quando surgiu um conflito entre detentos de facções rivais. A situação tornou-se incontrolável e a direção da Casa de Detenção de São Paulo chamou a Polícia Militar do Estado de São Paulo (PM-SP). Durante a invasão, 102 presos morreram a tiros e 9 em decorrência de ferimentos provocados por facas.



AGORA, passados duas décadas daquele massacre, só um dos réus - o coronel da PM-SP, Ubiratan Guimarães, que comandou a invasão - foi julgado. Acusado pelo Ministério Público de São Paulo pela autoria de 102 homicídios e de 5 tentativas de homicídio, Guimarães foi condenado pelo 1.º Tribunal do Júri de São Paulo a 632 anos de prisão, em 2001. Mas, considerando que os jurados não responderam consistentemente aos quesitos formulados pelo juiz, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a condenação, em 2006, sob fortes críticas de entidades de advogados e Organizações Não-Governamentais (ONGs) de direitos humanos.



NO mês passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) marcou para o próximo 28 de Janeiro o início do julgamento dos primeiros 28 policiais militares acusados de homicídio qualificado, por terem participado da invasão do Pavilhão 9. Na época, foram denunciados pelo Ministério Público estadual cerca de 300 policiais militares, mas apenas 79 continuam respondendo a processo. A maioria dos denunciados respondia por crime de lesão leve, que já prescreveu. A promotoria já arrolou 75 testemunhas, das quais 22 são agentes penitenciários, um é ex-diretor da Casa de Detenção de São Paulo e os demais são detentos que sobreviveram ao massacre. Por seu lado, a defesa arrolou 10 testemunhas - dentre elas, os três magistrados que acompanharam as negociações com os presos durante o motim, o então secretário de Estado de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, e o então governador do Estado de São Paulo, Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP). Durante o inquérito, foram ouvidas 469 pessoas.



ANTES do início do julgamento será preciso identificar os réus e as testemunhas que já faleceram. Por causa do grande número de réus e testemunhas, o caso será julgado em três etapas, com um intervalo de 45 dias entre elas, pois não haveria condições para que acusação e defesa apresentassem suas teses se todos os policiais militares acusados de homicídio qualificado fossem levados de uma só vez a júri popular. Segundo a denúncia da promotoria, no 1º e 2º andares do Pavilhão 9 daquela Casa de Detenção de São Paulo, a repressão ficou a cargo do Batalhão de Choque da PM-SP. No 3º andar, ficou sob a responsabilidade do Comando de Operações Especiais (COE) da PM-SP. E no 4º andar, a invasão foi feita pelo Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da PM-SP.



PORÉM, nada garante que o julgamento começará efetivamente em Janeiro do próximo ano, uma vez que a advogada dos 79 policiais militares, Ieda Ribeiro de Souza classificou a decisão do TJSP como "precipitada" e alegou não ter sido notificada. Segundo ela, como até hoje as armas utilizadas pelos réus na invasão do Pavilhão 9 não foram periciadas, não há como se fazer a defesa de cada um deles. "É preciso individualizar a conduta de cada réu. Do jeito que está, todos estão respondendo por tudo", disse ela, depois de afirmar que poderá impetrar um habeas corpus para que o julgamento "ocorra com as provas adequadas".De fato, a legislação processual penal prevê que a acusação tem de demonstrar a responsabilidade de cada réu. Há quem veja nisso um defeito do Código de Processo Penal, que foi editado em 1941. Mas, do ponto de vista legal, a defesa está agindo rigorosamente dentro da lei. Para a promotoria, o desafio é sustentar as acusações sem ter como prova os exames de balística. Outra questão jurídica também atrasou o caso - entre 1992 e 1996, o processo tramitou na Justiça Militar, passando depois para a alçada da Justiça comum, por causa da entrada em vigor da Lei 9.299/96. Além disso, como foi eleito deputado estadual em 1997, o coronel Ubiratan Guimarães ganhou o direito a foro especial, o que exigiu o desmembramento do processo. No dia 10 de Setembro de 2006, Ubiratan Guimarães foi assassinado em seu apartamento em São Paulo, num crime ainda não esclarecido.



AGORA o desfecho do processo penal poderá ainda demorar anos.