Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, junho 24, 2009

Exemplar da ética lullista

O VOSSO presidente da República Luiz Inácio da Silva (2003-10) é um político que não tem princípios. Tem fins. Dele só se poderia esperar, portanto, que saísse em defesa do presidente do Senado Federal, José Sarney (PMDB-AP), engolfado pela onda de escândalos na instituição que comanda pela terceira vez. É notório que "O-CARA" deve a alma, como se diz, a Sarney, seu aliado firme desde a campanha eleitoral de 2002, e conta com ele e a sua patota para adquirir em 2010 a adesão do Partido da Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) à candidatura da, então, ministra de Estado Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff (PT-RS) - a "sacerdotisa do serviço público", como o senador a endeusou em um comício. Além disso, desde que alcançou o Plácio do Planalto, "O-CARA" tem demonstrado uma coerência impecável: sempre que se viu obrigado a escolher entre a ética e a conveniência, jamais desapontou os que apostavam que ficaria com esta em detrimento daquela. Ainda outro dia, quando rebentou na Câmara dos Deputados a história da farra das passagens aéreas, "O-CARA" deu de ombros. "Sempre foi assim", desdenhou, como que repetindo o comentário, no auge da crise do mensalão, em 2005, de que o caixa 2 é "usado sistematicamente" por todos os partidos.

MESMO que novamente ele tenha confirmado o retrospecto, suas palavras chamam a atenção por desnudar uma vocação insanável para a desmoralização das instituições. Se as posições do presidente não surpreendem, os termos que lhe ocorrem para manifestá-las retratam uma mentalidade à qual pode se aplicar, no sentido mais raso, o que já considerou "a evolução da espécie humana" (para justificar a teoria de que, com a idade, os esquerdistas migram para o centro). Na política, ele não perde para ninguém em matéria de capacidade adaptativa. Vinte anos atrás, quando fazia questão de se exibir como o demolidor de "tudo isso que está aí", dizia que Sarney era "grileiro" e "grande ladrão". Hoje, quando inebriado pelas delícias do poder só pensa em desfrutá-las pelo maior tempo possível, ensina que "Sarney tem história suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum". Pelo visto, na atual escala lulista de valores, as pessoas incomuns devem desfrutar de um salvo-conduto que lhes permita afrontar, se não a lei, o decoro pelo qual, dada a sua condição, deveriam ser as primeiras a zelar.

"O-CARA" fez coro com o senador maranhense que, representa no Senado Federal o Estado do Amapá, bom companheiro que foi à tribuna invocar a "correção de uma vida austera, de família bem composta" como uma espécie de manto protetor contra críticas e notícias constrangedoras - como o recebimento indevido, meses a fio, de R$ 3.800,00 de auxílio-moradia (o que primeiro negou e depois disse desconhecer) ou o fato de ter sete parentes e dois afilhados políticos incluídos por baixo dos panos na folha de pagamento do Senado. "O-CARA" também ecoou a versão sarneyana de que é vítima de "setores radicais da mídia" e outros supostos interessados em enfraquecer o Legislativo, ao desqualificar como "denuncismo" a exposição objetiva de indecências que os políticos e seus parceiros na alta burocracia do Congresso Nacional escondiam nos porões. O caso escabroso dos atos administrativos secretos, já na casa dos 650, por exemplo, foi revelado por dois repórteres deste jornal que tiveram acesso às descobertas de uma comissão de sindicância do próprio Senado.

IMPERMEÁVEL à realidade e com a sua famosa quase-lógica, "O-CARA" perguntou retoricamente "o que ganharia o Senado Federal em ter uma contratação secreta, se tem mais de 5 mil funcionários transitando por aqueles corredores". Talvez ele devesse procurar a resposta com o notório Agaciel Maia, que recentemente teve de se demitir da direção-geral daquela Casa do Legislativo para a qual foi nomeado por Sarney há exatos 14 anos. "O-CARA" atacou a Imprensa por "todo dia arrumar uma vírgula a mais" no noticiário da esbórnia. Para ele, com o seu amoralismo, pode parecer uma vírgula. Para a opinião pública, é um ponto de exclamação. Ressalte-se que nada do que se veiculou sobre as mazelas das Casas do Congresso Nacional foi desmentido, o que torna dispensável a advertência do "CARA" sobre o risco de a Imprensa ser "desacreditada". Ele se disse preocupado com as denúncias, porque "depois não acontece nada". Não venha o presidente do mensalão empreendido pelo delubiovalerioduto ofender a sensibilidade dos brasileiros ao sugerir que, em razão da impunidade - assunto sobre o qual ele pode falar de boca cheia -, melhor faria a mídia se o imitasse, compactuando, nesse caso pelo silêncio, com os abusos dos poderosos.