Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, maio 01, 2010

Para não ficar enxugando gelo

ESSA decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) em sua reunião da última semana não ofereceu nenhuma surpresa e, fato raro, não levantou os protestos que uma alta da Taxa Selic costuma desencadear. Como a retomada das pressões inflacionárias é reconhecida pela maioria dos agentes econômicos, eles estão conscientes de que algo tinha de ser feito.

CONTUDO, diante da urgência de brecar a espiral inflacionária, a elevação da Taxa Selic será suficiente? uma vez que as autoridades monetárias repetem que a decisão leva cerca de seis meses para surtir seu pleno efeito? A propósito disso, os dados sobre as operações de crédito do sistema financeiro nos levam a algumas dúvidas quanto à eficácia da decisão do Copom, caso se confie apenas nela.

NENHUM analista de Economia pode negar que a atual alta de preços tem origem no superaquecimento da demanda, provocado, essencialmente, por um excesso de liquidez decorrente não apenas dos gastos do governo, mas também da oferta de crédito às pessoas físicas. Sabe-se que num ano eleitoral não se pode esperar austeridade de governo populista nos seus gastos e as autoridades monetárias não tem ampla autonomia e também não dispõem de meios para reduzir o impacto do excesso de crédito.

ANALISANDO os dados divulgados esta semana pelo Banco Central do Brasil (BC), as operações de crédito em favor das pessoas físicas aumentaram no último mês de Março, em relação ao mês anterior, em 2,0%, sendo 2,5% só para o crédito referencial para taxa de juros, e em 12 meses aumentaram 18,6%, sendo 20,8% para o crédito referencial para taxa de juros. Ora, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego relativa a seis regiões metropolitanas, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento real cresceu 0,4% em Março, sobre Fevereiro, e 1,5% em 12 meses. Percebe-se uma anomalia entre o crescimento do crédito e da renda, mesmo levando em conta a inflação e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A redução da taxa de juros nesse período só está contribuindo para aumentar a discrepância da evolução entre crédito e renda.

ENTÃO caberia ao Conselho Monetário Nacional (CMN) tomar medidas para conter, na fase atual, o crédito e não deixar apenas o BC recorrer ao instrumento do qual dispõe para isso, que é a elevação da Taxa Selic.

O CONSELHO é composto por três membros - o ministro de Estado da Fazenda, o ministro de Estado do Planejamento Orçamento e Gestão e o presidente do BC. Sabe-se que os ministros não aprovam a política do BC e não mostram a coragem de aprovar medidas de contenção do crédito, como, por exemplo, aumentar o compulsório sobre os depósitos. Com isso, têm de assumir as consequências nem sempre boas da elevação da Taxa Selic.

NOSSA economia está aquecida e a temperatura é bastante alta para justificar a preocupação do BC com a inflação. Mais uma confirmação do intenso ritmo de atividade foi divulgada na última Quinta-feira, 29. O desemprego nas seis maiores áreas metropolitanas, 7,6% em Março, foi o mais baixo para esse mês desde o início da série, em 2002. A massa de rendimento habitual dos ocupados aumentou 0,6% no mês, descontada a inflação, e no primeiro trimestre foi 5,2% maior que a de um ano antes. Combinado com o crédito disponível, esse aumento de renda tem permitido uma rápida expansão do consumo, refletida tanto nos índices de preços quanto nos volumes crescentes de importação. Mais empregos e mais dinheiro para gastar no varejo são boas notícias, especialmente depois de um ano de estagnação econômica. Mas só com a inflação contida esses ganhos serão preservados. É esse o melhor argumento a favor de um aperto da política monetária. Se o aumento de juros básicos de 8,75% para 9,5% ao ano está bem calibrado é outra questão. O BC acompanhará a evolução dos indicadores nos próximos meses e novos ajustes ocorrerão.

E OS ÚLTIMOS dados nacionais de consumo são de Fevereiro e mostram intenso movimento no comércio varejista. Naquele mês, o volume de vendas foi 1,6% maior que o do mês anterior e 12,3% maior que o de um ano antes. No primeiro bimestre, as vendas ficaram 11,3% acima do volume registrado em Janeiro e Fevereiro de 2009. Como este foi o pior momento da crise econômica internacional, a recuperação pode parecer apenas normal. Mas o quadro fica mais claro quando se verifica um aumento de 6,9% em 12 meses. Além disso, o consumo das famílias não deixou de crescer em 2009, apesar da retração da maior parte dos indicadores da economia. Também nesse aspecto, a recessão foi muito menos severa no Brasil do que na maior parte dos países desenvolvidos.

ADEMAIS os números da produção indicam também a firme expansão do mercado consumidor. Sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou, com base na avaliação de executivos de 1.227 empresas de todo o País, um firme crescimento da produção, do emprego, das vendas e do uso da capacidade instalada. Além disso, foi registrada expansão em 26 de 28 setores cobertos pela pesquisa. Dos outros dois, um recuou e o outro permaneceu sem variação.
E A ASSESSORIA da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) divulgou terça-feira o Índice do Nível de Atividade. O aumento de 2,8% de fevereiro para março, descontado o efeito sazonal, foi o maior para o período desde 2004. Comparando-se o primeiro trimestre deste ano com o primeiro de 2009, o resultado obtido - uma diferença de 18,2% -, é o melhor da série iniciada em 2001. No acumulado de 12 meses, a variação ainda é negativa (-1,15), mas um nível igual ao anterior à crise já deve ter sido alcançado em Abril, segundo o diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp, o economista Paulo Francini. Além disso, a indústria usou 81,6% de seu potencial produtivo, pouco mais que no mês anterior.

E UM dos melhores indicadores do aquecimento econômico é a redução do superávit comercial. A importação voltou a crescer bem mais rapidamente que a exportação, por causa da expansão da demanda interna. Sem a entrada de produtos estrangeiros, a inflação seria certamente mais alta. Apesar disso, os preços continuam crescendo aceleradamente, embora tenham perdido algum impulso nos últimos dois meses.
NO ÚLTIMO mês de Março, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para a política oficial, subiu 0,52%. Subiu menos do que em Fevereiro (0,78%), mas ainda acima do ritmo compatível com a meta central fixada para este ano, de 4,5%. Apesar da redução do IPCA, o grau de difusão cresceu de 61,7% para 66,4%: elevou-se, portanto, o número de itens com aumento de preço. As pressões se espalharam, portanto, e esse é um forte sinal de excesso de demanda.
E UMA considerável parcela dessa tendência é explicável pela rápida expansão do crédito ao consumidor. Em Março, o saldo dos empréstimos a pessoas físicas foi 2% maior que em fevereiro. Em 12 meses, o crescimento foi de 18,6%, segundo relatório divulgado na última Quinta-feira, 29, pelo BC. Esse quadro mostra que o aumento da Selic pode não bastar.