Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, maio 22, 2012

O “dele”, o “teu”, o “nosso”


NA última Quinta-feira, 17, em plena sessão da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Caso Carlinhos Cachoeira, um telecinegrafista (SBT) em Brasília (DF), flagrou o inadvertido ex-líder do governo na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza (PT-SP), escrevendo ao governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ), no smartfone: "A relação com o PMDB vai azedar na CPI. Mas não se preocupe, você é nosso e nós somos teu (sic)". Talvez, sem o grosseiro erro de concordância da mensagem do deputado federal petista endereçada ao governador fluminense, pode-se apostar que um certo número de integrantes dessa CPMI poderia tranquilizar nos mesmos termos qualquer “peixe grande” da política ou dos negócios ameaçado de se tornar alvo do inquérito parlamentar das duas Casas do Congresso Nacional sobre as relações do contraventor Carlos Augusto Ramos, vulgo Carlinhos Cachoeira, com agentes públicos e privados.

A CONVICÇÃO de que Vaccarezza está longe de deter, entre os seus pares, o monopólio da proteção a possíveis protagonistas da trama da qual Cachoeira é o pivô ganhou força com as decisões tomadas naquela mesma sessão pelo relator da investigação, o deputado federal Odair Cunha (PT-MG) - com o apoio tácito ou explícito de setores da Oposição -, aguando essa CPMI. Como se temia, ele blindou o governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo (PSDB-GO); o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT-DF); e o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, contra tentativas de apurar o envolvimento desses, ou com Cachoeira, ou com o dono da Delta Construções, Fernando Cavendish, de cuja empresa o contraventor seria "sócio oculto", no dizer do Ministério Público (MP). Foram igualmente poupados de convocação para depor ou da quebra dos seus sigilos o empresário, a empreiteira sediada no Rio de Janeiro e três deputados goianos da quadrilha de Cachoeira.

PARA que não se dissesse que melhor faria essa CPMI se, para todos os efeitos, desse os trâmites por findos, o relator aprovou 51 convocações e 40 quebras de sigilo fiscal, bancário e telefônico. Os visados são familiares, operadores e cupinchas do batoteiro; o ex-diretor da Delta Construções no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, preso no último dia 25 de Abril; as filiais da empresa em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Distrito Federal; o tesoureiro da campanha de Perillo e porta-voz do seu governo, Jayme Rincon; e o ex-chefe de gabinete de Queiroz, Cláudio Monteiro. Quanto aos dois outros governadores, acertaram-se os partidos que são "teu" como diria Vaccarezza. Em vez de Cavendish, um ex-preposto. Em vez da matriz da Delta Construções, as suas distantes filiais. "Falta de indícios", a mentirosa justificativa que raros membros da CPMI rejeitaram. Citem-se, por justiça, os senadores Pedro Taques (PDT-MT), e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).

CONTRARIAMENTE ao que o dono da Delta Construções quis fazer crer, os nexos da cúpula da empresa com o contraventor goiano foram constatados em pelo menos 22 telefonemas interceptados pelo Departamento de Polícia Federal (DPF). E o nome de Cavendish aparece em conversas de Cachoeira com o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), enredado em negócios com as duas pontas da linha. Sem investigar o empreiteiro, que certa vez proclamou que, "se botar 30 milhões na mão de um político", seria convidado "pra coisa pra …", aí sim não se chegará aos eventuais malfeitos do governador do Estado do Rio de Janeiro, onde a Delta Construções, em cinco anos da gestão Cabral, fechou contratos no valor de R$ 1,49 bilhão. O que é notório é a proximidade entre ambos, incluindo cenas de esbórnia explícita em Paris. À falta de provas objetivas, sobrevive a palavra de Cabral de que não mistura governo e amizades, não obstante o prestimoso Vaccarezza ter achado necessário acalmá-lo com a lembrança de que ele é "nosso".

E POR fim, sem investigar a Delta Construções, aí sim não se chegará às eventuais traficâncias que poderiam ter sido providenciais para torná-la a maior executora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desde 2003, nenhuma firma de nenhum ramo recebe tanto do governo federal. Só em 2011, ela faturou R$ 862,4 milhões por obras em 20 Estados. As irregularidades descobertas nos respectivos contratos montam a R$ 632 milhões. A Delta Construções está para ser considerada "inidônea" pela Controladoria-Geral da União (CGU). Em 2010, doou R$ 2,3 milhões, divididos praticamente ao meio, ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).