Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, dezembro 19, 2003

Decisão comportada


Com a última resolução do Copom no ano, os juros consolidaram a queda de dez pontos percentuais do nível mais alto em que estiveram. Uma queda forte, mas insuficiente para impedir que o ano termine com crescimento zero. A dívida pública/ Produto Interno Bruto (PIB) caiu um pouco no ano, mas permanece alta demais, em parte, pelo custo excessivo provocado pelos juros altos. A política monetária implementada pelo comando do Banco Central do Brasil (BC) melhorou a composição da dívida. Caiu o volume de títulos corrigidos pelo dólar e aumentou o de papéis prefixados.
No fim do ano passado, o País não conseguia rolar sua dívida, o mercado não aceitava correr risco de emprestar para o Governo. A venda de títulos de curtíssimo prazo era apenas com papéis pós-fixados, aqueles nos quais os juros pagos são os do dia do vencimento. Isso significa, em outras palavras, que a expectativa era de que os juros subiriam. Além disso, 40% da dívida eram corrigidos pelo dólar. Em resumo: dívida de vencimento curto, protegida pelo câmbio e, mesmo assim, com juros a fixar no dia do vencimento. Todos sinais de medo de que algo fosse acontecer com a dívida.
Superado o risco do calote, o BC começou uma lenta caminhada para a normalização. Não completada, mas já com alguns sinais bons. Veja os gráficos abaixo feitos pelo Banco Central.
Primeiro, a queda dos títulos corrigidos pela variação do dólar, que são problemáticos em época de crise. Se o valor do dólar dispara — como já aconteceu várias vezes nos últimos anos — a dívida fica instantaneamente mais cara. O BC foi reduzindo o total da rolagem, resgatando um pouco a cada vencimento. Aumentou o volume de resgate durante o ano. Isso evitou que o real subisse muito e reduziu este ponto de vulnerabilidade. Agora, o volume de papéis cambiais é de 24% do total.
Segundo, a alta do volume de venda de títulos prefixados, dando mais um sinal de que o mercado prevê a queda dos juros nos próximos meses.
Terceiro, a queda dos juros privados. Nas operações de 360 dias que têm impacto nos custos de financiamento das empresas, os juros vêm caindo mais fortemente do que as taxas do Banco Central.
A taxa Selic com que se encerra o ano de 2003 é a menor desde Abril de 2001. Nos últimos anos, os juros têm sido altos e com oscilações bruscas. O ano de 99 começou com um mega-choque de juros para enfrentar a desvalorização. Chegou a 45%. Depois foi caindo ao longo do ano e fechou em 19%. Nos dois anos seguintes, ficou relativamente estável. No ano passado, começou o novo choque de juros que vem sendo desfeito este ano. Em outubro foi de 18% para 21% e continuou subindo até à segunda reunião do Copom de 2003 quando atingiu os 26,5%. Em junho, começou a lenta queda que, em sete meses, derrubou a taxa em dez pontos percentuais. O BC aproveitou a onda de melhora — após o sucesso na política antiinflacionária — para mudar a composição da dívida.
Ainda há uma enorme estrada no trabalho de tornar a dívida mais barata, reduzi-la como proporção do PIB, ter taxas compatíveis com o crescimento, diminuir os juros para as empresas e pessoas físicas, diminuir as enormes diferenças cobradas pelos bancos entre as taxas de captação e de empréstimo, aumentar o volume de crédito na economia. Passos fundamentais para que o Brasil tenha uma economia normal. Hoje ainda não tem. O que se fechou ontem, com sucesso, foi o processo de superação da gravíssima crise de confiança que fazia com que, há pouco mais de um ano, os relatórios dos bancos apostassem no calote brasileiro. Não houve calote e os juros caíram dez pontos percentuais em 2003. Isso não resolve a aflição da falta de crescimento, mas encerra de forma positiva o ano.
A propósito, o BANCO do Brasil S/A (BB) concluiu na Quarta-feira, 17, a sua mais longa captação no mercado internacional desde 1997: foram US$ 250 milhões com prazo de 10 anos e spread de 2,92%. Segundo o vice-presidente da área internacional do banco, Rossano Maranhão, “um sinal inequívoco de que a tendência é reduzir cada vez mais o spread e aumentar o prazo”. No total, o BB captou este ano US$ 940 milhões, quase o dobro da meta inicial. (Wladmir Álvaro Pinheiro Jardim)