Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, outubro 03, 2011

Suprassumo do fisiologismo

RIO DE JANEIRO (RJ) - ATÉ o nome é plágio do velho Partido Social Democrático (PSD) concebido pelo astuto ditador Getúlio Dornelles Vargas para fazer par com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no seu esquema de sustentação à direita e à esquerda. Se a infidelidade partidária continuasse a existir, este novo PSD criado pelo prefeito municipal de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD-SP), não existiria. Tampouco existiria se pelo menos tivesse vingado a ideia da chamada "janela" para permitir que os políticos trocassem impunemente de legenda durante um período a cada quatro anos. À falta disso, o PSD vem para fazer o papel de partido da janela. Afinal, a legislação autoriza a migração, sem risco de perda de mandato, para siglas novas. O difícil é encontrar algo verdadeiramente novo na nova agremiação, cujo registro foi concedido na última Terça-feira, 27, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Já Kassab anunciou, com a maior candura, que a sua futura legenda não seria nem de esquerda, nem de centro, nem de direita.

DE FATO se tivesse a pretensão de ser qualquer dessas coisas - só se declarou de centro depois de registrados o partido e as adesões a ele -, entraria em colisão com a causa que o inspirou, com o perdão das palavras: ser o porto de abrigo de todos os políticos que se sentiam desconfortáveis onde estavam, por não enxergarem ali futuro para as suas ambições - caso do estiolado Democratas (DEM), de onde virá uma vintena dos 48 deputados federais que já fizeram as malas para o PSD, dando substância à previsão de que os adesistas poderão somar cerca de 60. Com isso, a social-democracia kassabista se tornará a terceira força na Câmara dos Deputados, depois do Partido dos Trabalhadores (PT, com 86 deputados federais) e do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB, com 80 deputados federais). Outra razão de desconforto, ligada à anterior, é a impossibilidade de dar vazão, nas siglas em que os insatisfeitos se alojam, ao insopitável desejo de se achegar ao governo da presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), sem integrar formalmente a base parlamentar governista no Congresso Nacional. Ou, como diz o prefeito Kassab, "não fazer oposição por oposição".

DESSE modo, o kassabismo põe de ponta-cabeça um clássico dito anarquista espanhol. Na versão pessedista, si hay gobierno, soy favorable. É também o mote do PMDB, entre outros, mas este pelo menos teve uma trajetória respeitável, antes de decair, lenta, gradual e seguramente no suprassumo do fisiologismo. Além disso, avantajou-se o bastante, nos últimos anos, para sonhar em ser, ele próprio, governo. As ambições de curto prazo do PSD são, em geral, menores. Exceto, talvez, no seu lugar de nascimento, onde o vice-governador do Estado de São Paulo, Guilherme Afif Domingos (PSD-SP), dá sinais de pretender suceder a Kassab. A ordem é apoiar nos Estados seja lá qual for o político no poder, com vistas a conquistar posições já a partir das eleições municipais em Outubro de 2012. O partido fará alianças com "qualquer um", disse o Kassab, "norteadas por nossos princípios e nossa conduta" - a perfeita contradição em termos.

A CONDUTA, por sinal, é no mínimo matéria controversa, diante das pencas de irregularidades de que o País tomou conhecimento no processo de coleta das 490 mil assinaturas necessárias à inclusão do PSD no balofo sistema partidário nacional, com as suas 27 siglas. Firmas falsificadas, compra de signatários, petições circulando em repartições públicas e o uso dos nomes de eleitores mortos para cumprir as exigências da lei. Ainda assim e apesar do zelo da procuradora-geral eleitoral Sandra Cureau para impedir que o vale-tudo compensasse, o TSE legitimou a agremiação. Cumprida a etapa processual e enquanto correm os conchavos para o transbordo partidário dos insatisfeitos nas suas embarcações, Kassab descobre que a sociedade também existe e quer saber a que vem o seu partido.

DAÍ ele anunciar a sua primeira proposta: a convocação, mediante emenda constitucional, de uma Assembleia exclusiva para revisar em dois anos a Constituição Federal do Brasil, à margem do Congresso Nacional. Como se a ordem institucional tivesse vindo abaixo e um novo regime tivesse sido implantado no País. A vida política tem problemas de sobra, e os brasileiros, motivos de sobra para deplorar as suas deformações, para levar a sério essa tentativa de tapar com a peneira a indigência programática de um partido que, pretendendo ser tudo para todos, nada de novo tem a oferecer à população.