Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, outubro 29, 2009

O beco afegão

HAMID Karzai, o presidente do Afeganistão, é um intrincado problema para o Governo dos Estados Unidos da América (EUA). Já não bastassem a corrupção e o autoritarismo de seu governo, que auxiliou o Taleban a recrutar simpatizantes, ele procurou se reeleger no pleito de 20 de Agosto recorrendo a uma fraude colossal. Um comitê fiscalizador credenciado pela Organização das Nações Unidas (ONU) acabou anulando mais de 900 mil dos 2,1 milhões de votos que, se fossem validados, manteriam Karzai no poder sem a necessidade de um segundo turno eleitoral. A depuração das urnas reduziu a sua maioria de 54% para 49% do total. O seu principal adversário, o ex-chanceler Abdullah Abdullah, viu o seu porcentual aumentar de 28% para 32%.

KARZAI, sob intensa pressão dos governantes dos EUA e do Reino Unido da Grã-Bretanha, concordou com a realização do segundo turno que ele tentara evitar por todos os meios. Fez um discurso dizendo que era hora de seguir em frente, mas silenciou sobre a extravagante lambança que patrocinara. Os seus aliados ocidentais participaram da farsa. O presidente da República Norte-americana, Barack Houssein Obama, afirmou que a decisão de Karzai estabeleceu um precedente importante para "a nova democracia afegã". O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, chamou Karzai de "estadista". A eleição foi marcada para o próximo dia 07 de Novembro. A urgência se explica pela aproximação do inverno, que lá é rigoroso. Mas nada garante que as autoridades consigam organizar o escrutínio em um par de semanas nem que os partidários de Karzai deixem de recorrer à fraude.

É QUASE certo, por fim, que o Taleban tentará novamente aterrorizar os eleitores. Em Agosto, mais de 20 foram mortos em atentados. Enquanto o nó eleitoral não for desfeito, Barack Obama terá escassas condições de anunciar a sua esperada estratégia para mudar o rumo da guerra que os EUA travam há oito anos contra a Al-Qaeda e os seus apoiadores do taleban. O Governo dos EUA precisa ter certeza de contar em Cabul com um parceiro dotado de credibilidade antes de decidir se enviará novas tropas ao país. O comandante das tropas norte-americanas no Afeganistão, general Stanley McChrystal, defendeu o envio de mais 40 mil homens, o que elevaria a cerca de 110 mil o total de soldados norte-americanos em solo afegão. A ideia foi rechaçada pelo vice-presidente Joe Biden e por líderes do Partido Democrata. Os republicanos a apoiam entusiasticamente.

ENQUANTO Barack Obama promove sucessivas reuniões do seu conselho de guerra, em busca de uma saída para o atoleiro que ameaça transformar o Afeganistão em um segundo Vietnã, pesquisas indicam que apenas 40% dos norte-americanos apoiam o engajamento dos EUA naquela que o presidente considera "uma guerra necessária" (por oposição à "guerra de escolha" no Iraque). O governo norte-americano considera que o Afeganistão é o santuário da Al-Qaeda - que representa uma ameaça real ao mundo -, embora deva existir mais terroristas da facção no Paquistão, no Iêmen e mesmo na Somália do que no próprio Afeganistão. Por isso mesmo, argumentam os opositores do plano de McChrystal, o certo seria concentrar as operações para dizimar a organização terrorista e tratar o Taleban estritamente como um problema interno afegão.

AGORA a questão é saber se é possível dissociar os dois movimentos. E, ainda que fosse, argumentam os céticos, se a estratégia norte-americana se limitar a ações de contraterrorismo a cargo de forças especiais e de aviões não tripulados, o Afeganistão mergulhará numa guerra civil entre militantes e inimigos do Taleban. O conflito transbordará de vez para o vizinho Paquistão, onde a Al-Qaeda também se instalou. O que leva a perguntar se Barack Obama tem realmente escolha. Mas a intensificação da presença militar norte-americana, com vistas a retomar a iniciativa no terreno, depende vitalmente do tipo de governo a que os EUA se associem, para não parecer aos afegãos uma ocupação imposta por uma potência imperial, mas uma força destinada a estabilizar o país e proporcionar segurança aos seus habitantes.

NESSE sentido, o respaldo a Karzai, com a sua corrupção em escala industrial e intimidação sistemática dos líderes tribais, não poderia ser mais contraproducente. "A insurgência liderada pelo Taleban", observou dias atrás o colunista Thomas Friedman, do The New York Times Journal, "é cada vez mais uma insurreição contra o comportamento do governo Karzai".

E eu pergunte aqui: poderá o Governo dos EUA mudar esse padrão?