Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, maio 12, 2006

Fogo amigo!?...


WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


Ricardo Berzoini (PT-SP), presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), chamou o ex-secretário-geral do partido, Silvio Pereira de traidor. Ele poderia ser chamado assim se tivesse ido até a liderança da agremiação e dito algo diferente do que disse agora. Mas um detalhe estranho desta história é: por que Silvio Pereira, tendo tido o cargo que teve, não foi chamado para contar aos líderes do partido o que aconteceu? Ele conta que procurou Berzoini e se ofereceu para falar, mas não foi chamado. As revelações de Silvio Pereira são gravíssimas; mostram o elo de ligação: empresas fraudavam as licitações, o governo fingia que não via e essas mesmas empresas pagavam as contas do partido.

Pelo que Pereira disse, todo o plano de arrecadar R$1 bilhão dependia do Banco Central do Brasil (BC). Eles queriam ganhar dinheiro com operações de bancos que estavam no Programa Nacional de Reestruturação Administrativa e Financeira das Instituições Bancárias (o Proer): o Banco Econômico e o Banco Mercantil de Pernambuco, e com negociação de dívidas rurais. Também citou o Banco Opportunity. Tudo passava pelo BC. Nada foi aprovado por aquela Autoridade monetária do País.

A liderança do PT acusou o Proer de ser uma forma de ajudar os banqueiros falidos e incompetentes, porém todos os donos dos bancos que sofreram intervenção os perderam. É por isso que o lobista Marcos Valério de Souza ia conversar com a direção do BC em Brasília (DF) levando “pelo braço” diretores e emissários da cúpula do Banco Rural. O Banco Rural detinha mais de 20% do capital do Banco Mercantil de Pernambuco. O que propuseram é uma correção de ativos e passivos que favorecesse os ex-donos. Bastava trocar os indexadores. Eles receberiam o banco de volta com o dinheiro dentro. A direção do BC respondeu que era impossível pois as regras do Proer tornariam sempre o banco deficitário.

O curioso é que, se o Proer fosse mesmo para favorecer os banqueiros, não haveria banqueiros armando, junto com o esquema de corrupção montado pelos antigos integrantes da cúpula do PT, abordagens do BC para facilitar a vida dos ex-donos de bancos liquidados (ou sob a intervenção extra-judicial). Outros ex-donos rondaram o BC. Todas as abordagens falharam; essa barreira foi uma parte da derrota do esquema montado pelos petistas da cúpula governista para arrecadar R$1 bilhão.

Todas as declarações de Silvio Pereira à colega jornalista Soraya Aggege, repórter do Jornal O GLOBO em São Paulo, são graves, gravíssimas, e só a complacência moral do partido do governo pode tratá-las com desdém. O que há de novo: Pereira deu várias informações que ou tornam mais concreto o que era apenas ilação, ou permitem que a investigação avance sobre a forma de agir disso que o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, chamou de “organização criminosa”.

O ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira revela a origem do dinheiro que financiava o partido governista: um pool de empresas, empenhadas em ganhar contratos no governo do vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (2003-6), financiava as campanhas do PT. Faziam de conta que não viam e, portanto, validavam as tenebrosas transações das empresas. “Empresas. Muitas. Não vou falar nomes. As empresas entre si fraudam as coisas. Às vezes o governo não persegue, e é só isso. Eles se associam em consórcios, combinam como vencer (licitações). O Delúbio começou a usar Marcos Valério para pagar as contas”. É a comprovação de uso do dinheiro público para favorecer empresas que contribuíam para o PT. Isso fura a barreira que o vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (PT-SP) tentou criar dizendo que os erros se limitavam ao partido. Mostra, também, que não adianta procurar a origem do dinheiro num lugar só, na Visanet (empresária subsidiária e controlada pelo Banco Brasil S/A, especializada em recebimento de pagamentos eletrônicos), por exemplo. Espalhou-se por milhares de licitações feitas pelo governo Luiz Inácio da Silva.

Os analistas que dizem que não há nada novo na entrevista perderam o senso. Uma coisa é o enraivecido ex-presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ex-deputado (cassado) Roberto Jefferson (PTB-RJ), com um dos seus indicados flagrado em corrupção na diretoria da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), atacar tudo e todos. Outra é alguém que durante 20 anos foi militante do PT, que chegou ao segundo cargo mais importante do partido, que foi incumbido de distribuir empregos da máquina pública entre aliados, falar que um pool de empresas interessadas em negócios com o governo financiava o PT, que a meta era arrecadar R$1 bilhão, que o próximo passo era o assalto ao BC e que o presidente Luiz Inácio da Silva sempre manteve o poder no PT. Esta entrevista é totalmente diferente da declaração do ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares (PT-GO) de que houve caixa dois. O que Pereira fez foi o elo entre negócios públicos fraudados e o pagamento das dívidas do partido.

Aliás Pereira é mais um a falar que tudo começou aqui em Minas Gerais, na campanha derrotada do senador e ex-governador Eduardo Brandão Azeredo (PSDB-MG) para a reeleição ao governo do Estado. A propósito se os peessedebistas querem se apresentar como alternativa ao PT, não adianta fazerem uma campanha descarnada da questão moral; focada apenas em gestão. O tema permanecerá insepulto para o PSDB, porque o partido não o tratou a questão da forma certa na hora exata.

A entrevista realizada pela colega jornalista Soraya Aggege com o ex-secretário-geral do Partido dos Trabalhadores, Sílvio Pereira, revela fatos novos, avança sobre o que já se suspeitava e confirma o que se sabia. Mesmo no que ela apenas confirma, é mais um depoimento consolidando a convicção de que estamos diante do mais amplo e disseminado esquema de corrupção revelado no Brasil.

E as palavras de Pereira ficarão pesando sobre a nova direção do PT: “Se a direção do PT me chamar para ser ouvido, eu vou. Por que não me chamam? Eu liguei para o Berzoini e disse a ele que gostaria muito de ser ouvido para que minhas informações ajudassem nas investigações internas. Eu nunca fui ouvido pelo PT. Nunca quiseram saber. Mas deveriam. Ou talvez saibam".

Quanto às audiências na Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal, no Departamento de Polícia federal (DPF) e na Procuradoria Geral da República (PGR) em Brasilia nos últimos dias, qualquer cidadão brasileiro com um mínimo de bom senso sabia que as declarações de Silvio Pereira não iriam prosperar. A entrevista dada pelo ex-secretário-geral do PT, também, revelou, nas entrelinhas a farsa do desequilíbrio de um homem abandonado pelo partido, desejoso de vingança e confessadamente culpado de ter recebido um jipe Land Rover (de segunda mão!) para intermeditar negócios de um empresário inescrupuloso junto ao governo central.

Minha colega jornalista Soraya Aggege, que diga-se de passagem produziu um excelente trabalho, destacou sempre a personalidade controvertida do seu entrevistado. Do interesse inicial em transformar a entrevista num livro, com a ajuda da repórter, até o desespero final quando soube que a publicação era irreversível. Demonstrando-se emocionalmente perturbado, Pereira passou, teatralmente, a se bater e destruir móveis e objetos de sua casa, ameaçando suicidar-se ou temendo ser assassinado. Porém, era óbvio que levar adiante as declarações de uma pessoa com o perfil descrito pela repórter, que com ele conviveu por mais de oito horas, seria temerário. Mas a Oposição não pensou assim. Logo se assanhou e festejou Pereira como um novo “Nildo”. Afinal, ele forneceu mais munição para descarregar em cima de um presidente da República já fragilizado, agora também na frente externa com o episódio da nacionalização decretada pelo governo boliviano, mas que ainda sobrevive na liderança de todas as pesquisas da corrida para a eleição presidencial deste ano.