Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, maio 30, 2011

O estado de coma coletivo e o culto a impunidade

NA última Terça-feira, 24, a 2.ª Turma de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que estavam esgotadas todas as possibilidades de recursos e, finalmente, o ex-jornalista Antonio Pimenta Neves deveria ser recolhido à prisão para cumprir a pena de 15 anos a que está condenado pelo frio assassínio da também jornalista Sandra Gomide, sua ex-namorada, em agosto de 2000. Réu confesso, Pimenta Neves - àquela época Diretor de Redação do Jornal O Estado de S. Paulo, e semanas antes, chefe e amante da jovem jornalista assinada -, passou sete meses detido, de Setembro de 2000 a Março de 2001. Depois disso, serenada na mídia a repercussão do bárbaro crime, seus advogados de defesa conseguiram, por meio de seguidas ações protelatórias, mantê-lo em liberdade. Quase 11 anos depois do assassínio foi que a Justiça, pelas palavras do ministro Celso de Mello, relator do processo no STF, decidiu que "é chegado o momento de cumprir a pena".

"COMO justificar que, num delito cometido em 2000, até hoje não cumpre pena o acusado?" Pois é. Se nem a ministra Ellen Gracie Northfleet, que já presidiu o STF tem resposta para essa pergunta, quem a terá?

TODOSO os brasileiros compartilham da perplexidade da ministra Northfleet. O episódio é "emblemático", na expressão do ministro Gilmar Mendes, também, ex-presidente daquela Corte. Mas emblemático do quê? Apesar da evidência incontestável de que o STF tem adotado decisões históricas na salvaguarda dos princípios constitucionais, o episódio Pimenta Neves é emblemático da forma como funciona mal, muito mal, no seu conjunto, um sistema judiciário que, por definição, deveria distribuir justiça para os brasileiros. Mas o pior é que não são privilégio do Poder Judiciário as mazelas que comprometem o padrão de civilização da nação brasileira. Tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Executivo - e especialmente este último, pela soma crescente de poder discricionário que acumula - têm sido pródigos em contribuições de toda ordem para manter o Brasil atrelado à mentalidade do atraso, à pedagogia da ignorância, ao predomínio dos privilégios, enfim, ao circo de horrores a que se assiste diariamente em assuntos da maior gravidade como as denúncias contra o ministro-chefe da Casa Civil Presidência da República, Antonio Palocci Filho (PT-SP), a (des) organização da Copa do Mundo da Fifa em 2014 no Brasil e da Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016, as brigas de foice no seio tanto das forças políticas governistas quanto das oposicionistas por questões eleitorais e de partilha de cargos, etc., etc. O mais grave, no entanto, parece ser a crescente indiferença, o progressivo aumento da incapacidade de indignação da sociedade, de modo geral, e da juventude, em particular, diante de tantos desmandos - entre eles a longa impunidade de fato de um criminoso confesso como Pimenta Neves. O anestesiamento da consciência cívica do brasileiro é preocupante.

SOB o manto protetor da indiferença geral, haverá sempre quem seja capaz de justificar, à luz das leis vigentes, a procrastinação que permitiu manter o assassino de Sandra Gomide livre da prisão por uma década. E com a perspectiva de não ficar na prisão mais do que 23 meses, graças aos benefícios do instituto da progressão de regime penal. É o culto da impunidade - o mesmo que, num outro plano, tem mobilizado todas as autoridades gradas da República para demonstrar que as denúncias contra o “primeiro-ministro” do governo Dilma Rousseff (2011-14), ad hoc são meras armações oposicionistas que não merecem resposta. Mais um exemplo de como dois assuntos que aparentemente não têm nada a ver um com o outro são, na verdade, gerados na mesma matriz.

ESSES assuntos disputam destaque no noticiário com outro acontecimento, de repercussão internacional, que, por coincidência, envolve tanto a questão da igualdade de direitos perante a lei e de tratamento das pessoas quanto a controvertida necessidade de "preservação" de altas autoridades: a prisão de Dominique Strauss-Kahn, o então todo-poderoso diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), por acusação de estupro de uma camareira de um hotel de luxo em Nova York (EUA). O prisioneiro não teve nenhuma chance de dar uma "carteirada" que amenizasse seu contratempo nem dispôs de intermináveis recursos judiciais que o mantivessem longe das grades. É de nos deixar perplexos.