Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, agosto 17, 2012

Os descalabros do PAC

ESSE padrão de incompetência do governo federal na gestão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem na transposição do Rio São Francisco talvez sua face mais dramática. Financiado inteiramente com recursos públicos, o projeto, que é o mais caro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foi alardeado como a salvação dos nordestinos acossados pela seca, ainda na gestão do então ministro de Estado da Integração Nacional, Ciro Gomes (PSB-CE), no governo Luiz Inácio da Silva (2003-10), mas tornou-se um manancial de irregularidades - das quais agora nem o Exército Brasileiro parece ter escapado.

ESTA ideia da transposição é desviar parte das águas do Rio São Francisco, por meio de canais de concreto, para irrigar o semiárido dos Estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. O projeto está dividido em dois eixos, o Norte e o Leste daquela Região. No início deste Agosto de Deus, como mostrou a nossa reportagem, o Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu uma auditoria no Eixo Norte e constatou que houve superfaturamento na parte desse trecho que estava entregue ao 2.º Batalhão de Engenharia do Exército, num montante estimado em mais de R$ 7 milhões. A auditoria sustenta que a irregularidade, em Cabrobó (PE), ocorreu em razão da "fiscalização inadequada por parte do Exército Brasileiro".

TAIS problemas não são incomuns quando se trata da transposição do Rio São Francisco, cujo Eixo Leste deveria ter sido inaugurado no segundo semestre de 2010, mas que agora deve ficar pronto, se Deus quiser, só em Dezembro de 2014. O Eixo Norte, esperado para este ano, pode ser concluído em 2015. Além disso, há várias suspeitas de superfaturamento e desvio de recursos. O mais recente relatório do TCU a respeito apontou sobrepreço de R$ 29 milhões em trechos no Estado do Ceará e mandou rever os custos. Além disso, o TCU constatou indícios de irregularidades na desapropriação de imóveis para as obras - teria havido avaliação muito acima dos preços de mercado, e locais em péssimo estado de conservação foram considerados "em bom estado". Não é à toa que a previsão de custo da transposição tenha saltado de R$ 4,7 bilhões para R$ 8,2 bilhões, e fica difícil acreditar na presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), quando ela diz, como fez em Fevereiro último, que o governo federal tem "uma clara perspectiva de fazer com que essa obra entre em regime de cruzeiro e não tenha nenhum problema de continuidade".

CAUSA-nos espécie, porém, a notícia de que pode ter havido irregularidades até em obra tocada pelo Exército do Brasil, instituição que costuma estar acima de qualquer suspeita. Os militares têm sido uma espécie de esteio dos programas de infraestrutura do governo federal, porque cumprem prazos e economizam recursos. O Exército Brasileiro está hoje em 25 obras do PAC. Atua na terraplenagem do novo terminal do Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), além de ter oferecido à Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) projetos de engenharia para a expansão dos aeroportos de Vitória (ES), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS).

NESTE caso do Aeroporto Internacional de Guarulhos, a competência da "empreiteira militar" foi amplamente comprovada: o prazo para a entrega da terraplenagem foi antecipado em 15 meses, e o custo, antes orçado em R$ 417 milhões, caiu 25%. É o exato oposto do que acontece na maioria das obras do PAC - inclusive, agora se sabe, em uma das que estavam sob incumbência do Exército Brasileiro.

O PRÓPRIO TCU acaba de constatar que houve desvio de pelo menos R$ 36,4 milhões na obra da Ferrovia Norte-Sul entre Palmas (TO) e Uruaçu (GO), como mostrou recente reportagem do Jornal Folha de S. Paulo. Entre outras irregularidades, foram comprados trilhos e dormentes que acabaram não sendo usados. Além disso, o empreendimento tem erros de execução que geraram superfaturamento de R$ 20,7 milhões e que podem comprometer a própria segurança da operação ferroviária.

NUM outro caso exemplar do descalabro do PAC, revelado na semana passada pela nossa reportagem as obras de construção da refinaria cearense Premium 2, tida como prioritária pela Companhia Petróleo do Brasil (Petrobrás S/A), não foram nem sequer iniciadas, por problemas fundiários. O lugar é apenas mato, nada menos que 18 meses depois do lançamento da pedra fundamental por um orgulhoso, então, presidente da República, Luiz Inácio da Silva, que logo em seguida passaria a faixa presidencial à dona Dilma Wana Rousseff, a quem apelidou de "mãe do PAC". Há apenas restos do palanque ali montado para mais uma sessão do prometido "espetáculo do crescimento".