Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, novembro 30, 2010

Lambança engendrada

O MINISTRO de Estado da Fazenda, Guido Mantega (PT-SP) teve outra de suas mirabolantes ideias. Agora ele propõe uma trapalhada para a gestão Rousseff (2011-14): usar um índice especial de inflação para baixar os juros mais velozmente. Se essa lambança for executada, as metas oficiais serão desmoralizadas, como ocorreu na Argentina, o combate à inflação será relaxado e toda a estratégia dos próximos quatro anos poderá ser prejudicada. Convidado pela presidente da República eleita, Dilma Rousseff (PT-RS) para permanecer no posto, o Mantega deu uma entrevista coletiva e prometeu uma gestão séria, renegando implicitamente seu currículo. A mudança foi desmentida rapidamente por ele mesmo.

A IDEIA é adotar um Índice de preços ao consumidor sem contabilizar a alta dos combustíveis e dos alimentos para servir de referência para a meta de inflação e para a política de juros. Mas o Banco Central do Brasil (BC), o mercado financeiro e muitas consultorias de macroeconomia já dispõem de índices desse tipo. O expurgo do índice permite obter o chamado núcleo de inflação. A exclusão dos itens mais instáveis ou das variações extremas pode ajudar na avaliação da tendência geral dos preços.

TAL técnica é usada em muitos países. O BC leva em conta esse tipo de informação ao fixar os juros. Mas não se baseia só nesses dados, porque sua missão é atingir um alvo definido em termos do Índice de Preços ao Consumido Ampliado (IPCA) cheio, isto é, com todos os componentes. Pode-se corrigir qualquer erro de avaliação num prazo curto, porque a política é revista a cada 45 dias. Tem havido muito mais acertos do que erros.

AQUI no Brasil, a maior parte dos preços flutua livremente. Uma alta sazonal ou acidental é compensada num prazo razoável por uma queda. Mas é perigoso apostar, sempre, no recuo dos preços de alimentos e de combustíveis. Pode haver longos períodos de alta, não apenas em consequência de mudanças nas condições de produção e de consumo, mas também de alterações financeiras. Produtos agrícolas, petróleo e outras commodities são objetos do jogo financeiro tanto quanto ações, títulos de crédito e moedas.

OS NÚCLEOS de inflação podem dar informações importantes, quando avaliados com discernimento. Mas concentrar a atenção em dados como esses pode levar a resultados desastrosos. O exemplo mais evidente é o erro cometido pelo Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano, ao manter os juros muito baixos por muito tempo. Os condutores da política levaram em conta um número muito restrito de preços, quando deveriam ter dado importância à especulação nos mercados de commodities. Da mesma forma, deveriam ter estado atentos à formação da enorme bolha no setor imobiliário.

MANTEGA parece não ter percebido ou interpretado corretamente esses fatos. Para produzir uma boa política monetária e financeira é preciso levar em conta um número maior - e não menor - de informações. O núcleo de inflação só é útil porque é um dado a mais, isto é, porque propicia uma perspectiva adicional para o exame do índice cheio. Não é bom por apresentar menos informações, mas por enriquecer o conjunto. Ademais, as pessoas pagam os preços da inflação cheia, não da expurgada, e um persistente erro de avaliação pode causar muito mal, especialmente aos pobres.

O ATUAL e futuro ministro de Estado da Fazenda tem um longo currículo de trapalhadas e de mágicas desastrosas. Mantega tem exercido o seu talento principalmente na tentativa de maquiar as contas do governo e, de um modo especial, o endividamento público. Se cuidasse melhor da política fiscal, contendo a gastança e preservando o Tesouro Nacional (TN) de operações promíscuas de financiamento, a economia seria mais saudável e seria mais fácil baixar os juros. O caminho é esse. A presidente eleita não deve maquiar a política de preços e de juros, mas promover com urgência o expurgo das más ideias.

TAMBÉM deve recomendar boas maneiras a seu pessoal. Segundo o ministro Mantega, o economista Alexandre Tombini, escolhido para presidir o BC, "não vai titubear" quando tiver de prejudicar o setor financeiro, por ser funcionário público de carreira. O atual presidente do BC, Henrique Meirelles, dirigiu um banco privado e seu desempenho no governo é muito superior ao do ministro Mantega. Essa diferença, reconhecida internacionalmente, talvez explique a descortesia de Mantega. Mas não a justifica.