Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, dezembro 25, 2005

Minha prenda

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


Trata-se de um raro fenômeno cultural consagrado pela crítica e pelo público, que chora, ri e aplaude na maioria das sessões. Eu resumiria o que senti assim: o documentário “Vinícius” (de Miguel Faria Júnior e Susana de Moraes) foi o melhor presente de Natal que o Cinema tupiniquim poderia nos dar. O filme é tão bom, tão comovente, que resiste inclusive aos eventuais problemas que na minha opinião ele possa ter — uma opinião muito particular e, claro, discutível.

Acho, por exemplo, dispensáveis os números de declamação de poemas, não por causa dos atores em cena, que são ótimos, mas porque seria melhor ter em lugar do pocket-show mais falas e imagens do poeta. Também não entendi a presença do grande cronista de Xerém (RJ) Zeca Pagodinho completamente deslocado naquele contexto. Finalmente, foi agradável ver a cantora Maria Bethânia contando história, mas uma pena não ouvi-la cantando pelo menos uma música do poetinha Vinícius de Moraes (o homenageado) de quem gravou um excelente CD em 2004.

No mais, o filme de Faria Jr. é impecável, a começar pelos depoimentos descontraídos que conduzem a narrativa. Os testemunhos da filha do poetinha: Susana de Moraes e seus amigos: o cantor e compositor Chico Buarque de Holanda, o poeta Ferreira Gullar, a atriz Tônia Carrero, o cantos e compositor Edu Lobo, o escritor Antonio Candido traçam um perfil que, sem omitir os divertidos aspectos anedóticos do personagem, corrige uma certa visão folclórica que fazia do poeta-compositor o poetinha, um poeta menor, ele que é um dos mais refinados sonetistas da língua poética de Camões.

Sua aventura existencial foi tão excitante, com suas libações etílicas, seu desprezo às convenções, sua ampla liberdade sentimental, seus nove casamentos e sua renovada disposição de se apaixonar, que não raro fez sombra à sua arte. Pois o documentário reforça a certeza de que Vinícius de Moraes, que promoveu a conciliação entre o erudito e o popular, permanece um grande artista não por suas atitudes, mas por sua obra, não por causa de sua vida boêmia, mas apesar dela. Susana de Moraes, a produtora do documentário, tenta uma explicação para o sucesso, cujas razões talvez não se limitem às qualidades artísticas do filme. Desprendido, sem apego a dinheiro, sempre pronto à entrega, Vinicius de Moraes encarna, segundo ela, alguns valores perdidos que são recuperados pelo filme, que é também um retrato de época. De fato, o documentário é uma irresistível celebração da fraternidade, do afeto, do amor, da música, da poesia, da vida. Que haja demanda para bens tão em falta no mercado é um bom sinal.