Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, maio 27, 2011

Sem escrúpulos

NENHUM fato sustenta a suposição de que a tramitação do novo Código Florestal na Câmara dos Deputados tenha acelerado o desmatamento na Amazônia, que aumentou nada menos que 475% no bimestre Março-Abril de 2011, em comparação com o mesmo período de 2010, atingindo 593 quilômetros quadrados, como foi constatado em tempo real por satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Isso porque uma emenda ao Projeto de Lei (PL), resultante de acordo entre o governo anterior (2003-10) e as lideranças dos partidos, prevê que o novo Código somente validará as áreas de plantio feitas antes de 22 de julho de 2008. O desmatamento feito depois dessa data estará sujeito a multas e outras sanções. Não é crível que os responsáveis por esse desastre ambiental não tenham conhecimento disso. Tudo indica que elementos inescrupulosos procuraram criar "fatos consumados", aproveitando-se de falhas da fiscalização.

O APELIDADO "efeito Código" é empulhação. O presidente da Federação de Agricultura de Mato Grosso, Rui Prado, que condena a prática de crimes contra o meio ambiente, confirma que é conhecida no meio rural a existência de uma data de corte para anistia aos desmatadores. Mas não é isso o que afirmam entidades ambientalistas. O coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace, Márcio Astrini, por exemplo, afirmou que, como o avanço do desmatamento não pode ser explicado por fatores econômicos, como a alta das commodities, "o único fato novo é a promessa de anistia aos desmatadores no texto do Código Florestal". O Greenpeace parece não perceber que a verdadeira causa é um fato velho. Ou seja, incentivado por madeireiras com a conivência de agricultores, o corte de árvores aumentará, se não houver fiscalização que não pode ser relaxada, devendo as autoridades agir sempre a tempo e a hora.

NAÕ é o que se tem observado. Embora técnicos do Inpe já indicassem, no início deste mês, o avanço das motosserras em Mato Grosso, como noticiou nossa reportagem no inicio deste Maio, a ministra de Estado do Meio Ambiente, Izabella Teixeira (PT-SP), se disse surpresa ao ser informada desses fatos. Quase duas semanas depois das primeiras constatações da destruição, a ministra anunciou a criação de um gabinete de crise, destacando mais de 500 fiscais só para Mato Grosso, onde se verificaram 80% do abate de árvores no bimestre passado.

APÓS arrombada a porta, reforça-se a vigilância para evitar nova onda de devastação, mas o prejuízo já causado pode ameaçar o cumprimento das metas internacionais de preservação com que o Brasil está comprometido. O Instituto Brasileiro de Amparo e Proteção do Meio Ambiente (Ibama), responsável pela fiscalização das áreas de preservação, identificou 20 pontos de desmatamento nos últimos 30 dias em Mato Grosso. Em uma propriedade de mais mil hectares, usou-se até "correntão", puxado por tratores, para "limpar" as áreas com maior rapidez.

DIANTE dessas revelações, o governador de Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB-MT), disse que intensificará também a fiscalização nas áreas mais atingidas. Ele atribuiu a ação devastadora a, no máximo, "uma meia dúzia" de aproveitadores, que não podem colocar em xeque o conceito dos produtores agrícolas daquele Estado. Essa atitude contrasta com posições condescendentes, para dizer o mínimo, assumidas por alguns representantes do setor agropecuário quanto à nova ofensiva de desmatamento na Amazônia, justamente em uma fase em que os esforços dos governos para preservar as florestas da região mostravam sinais animadores. Diante dos dados do Inpe, a senadora Kátia Abreu (PSD-GO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), declarou que não concordava com os números levantados, que seriam pontuais, devendo o desmatamento ser medido em períodos anuais. "Este mês específico é um mês ainda de forte desmatamento por causa da época - quando termina a chuva e já começa a seca", disse ela à reportagem do Jornal O GLOBO no último dia 19. Como se o que está acontecendo na Amazônia fosse coisa normal.

NÃO é nem pode ser. O que a sociedade brasileira espera é que, ao contrário do que afirmam os pessimistas, o combate ao desmatamento não esteja fugindo do controle do governo.