Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, novembro 04, 2005

O bruxo e o aprendiz

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORZONTE

A desconstrução a que o até então deputado Zé Dirceu (PT-SP) vem sendo submetido por vontade própria, na luta diária para desqualificar sua atuação à frente do Gabinete Civil da Presidência da República (2003-5) e demonstrar que a figura quase onipresente e onipotente que ele criou para si mesmo não passa de uma mistificação política, tal qual o mito do guerreiro que aprendeu as artes da guerrilha nas selvas cubanas, vem recebendo uma providencial ajuda do Palácio do Planalto, mesmo à revelia do principal inquilino.

O vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva já deu todos os sinais de que preferiria uma morte súbita do antigo “capitão” a essa morte a conta-gotas, que acirra os ânimos no Congresso Nacional e coloca em suspenso uma solução para a crise política que há meses ameaça atingir o próprio Luiz Inácio da Silva (PT-SP).

A ajuda que Zé Dirceu vem recebendo, de maneira indireta, é ficar demonstrado que ele não era mesmo o único capaz do jogo bruto das articulações políticas, atribuídas a ele muitas vezes por inconfidências dele mesmo, mas que continuam sendo produzidas aos borbotões no Palácio do Planalto, como a confirmar a nova versão de Zé Dirceu sobre ele próprio, o de um simples ministro de Estado palaciano sem esse poder todo, que desconhecia as manobras corruptas montadas nos bastidores do poder pelo então tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) Delúbio Soares a mando do verdadeiro “chefe”.

A eleição do deputado Aldo Rebelo (PcdoB-SP) para a presidência da Câmara dos Deputados em Outubro último, desencavada a liberação de verbas para os mesmos líderes dos partidos envolvidos no delubiovalerioduto que sustentou o mensalão, muitos deles — como o presidente do Partido Liberal (PL) Valdemar da Costa Neto (PL-SP) e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti (PP-PE) — já fora do Parlamento, mas fortes o suficiente para continuar recebendo regalias do governo sem constrangimentos, foi a primeira prova de que o governo Luiz Inácio da Silva (2003-6) sabe vencer eleições com golpes baixos desferidos por outros que não o outrora belzebu Zé Dirceu.

Agora, surgem acusações, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, de ações sub-reptícias de órgãos de segurança e sindicalistas ameaçando líderes da Oposição, na semana seguinte ao atentado político contra o presidente do Partido da Frente Liberal (PFL) senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), retratado como nazista em cartazes encomendados e distribuídos em Brasília (DF) por sindicalistas da Central Única dos Trabalhadores (CUT) filiados ao PT. Um clima de guerra suja que recebeu da Oposição uma resposta violenta, que pecou até agora pela emoção, fazendo com que o governo pudesse acusar os partidos oposicionistas de apelarem para uma linguagem não compatível com as normas democráticas.

Dizer que pode até “dar uma surra” no próprio presidente da República Luiz Inácio da Silva, como disse e repetiu o senador Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM) na tribuna do Senado Federal, apoiado na Câmara dos Deputados pelo deputado Antonio Magalhães Neto (PFL-BA), que denunciou que está sendo grampeado pelos órgãos de segurança, não dá à Oposição as melhores condições políticas para se contrapor ao governo. Usando um tratamento desrespeitoso contra o presidente da República, ou uma linguagem política agressiva no pior estilo da Oposição udenista da década de 1950, ou mesmo do petismo oposicionista mais exacerbado de anos anteriores, a Oposição está dando chance ao governo de se fazer de vítima do destempero dos adversários, em vez de ter que responder conclusivamente às denúncias.

Enquanto vêm do presidente da República Luiz Inácio da Silva informações de que ele está interessado em acalmar os ânimos políticos, o PT adota a radicalização como tática de guerra e volta a prometer a mobilização das chamadas “forças sociais” para defender um governo indefensável, supostamente ameaçado por uma conspiração direitista, da qual faria parte a Imprensa. Viajaram na maionese!

O embaixador de Cuba no Brasil ousou até mesmo atribuir ao “imperialismo ianque” as denúncias originalmente publicadas pela reportagem da revista Veja (Editora Abril) sobre o ouro de Cuba, esta semana, num malabarismo digno do ex-boleiro argentino e viciado em cocaína Diego Armando Maradona e indigesto para o governo brasileiro, que recebe o presidente da República dos Estados Unidos da América (EUA) George W. Bush (2001-9) espremido neste Sábado, 05, entre seus cinco “companheiros” latino-americanos que querem mandar “al carajo” a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), como anunciou o presidente da Venezuela general Hugo Chávez, e o desejo de ser um membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o que não ocorrerá — se ocorrer — sem a ajuda dos EUA.

Pois todos esses movimentos, envolvendo ameaças de “venezuelização”; suposto uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para grampear adversários; compra de apoio parlamentar com liberação de verbas; acordos com mensaleiros e nomeações políticas estão sendo comandados do Palácio do Planalto sem que o ex-comissário todo-poderoso Zé Dirceu tenha movido uma palha, envolvido que está na campanha para acrescentar à sua biografia o rótulo de perseguido político, que será cassado não por ser o “chefe da quadrilha” que foi, mas pelo que representa. Não importa que, como bem disse seu ex-correligionário deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), ele esteja sendo cassado “pelo que deixou de representar”.

A via-crúcis de Zé Dirceu, apelando para todo tipo de expediente protelatório, já está se voltando contra ele. Não consegue comover a Opinião Pública, e está propositadamente desmontando a imagem que criou para si mesmo, no sonho de convencer as pessoas de que era, no máximo, um aprendiz de feiticeiro. Se ainda estivesse ocupando o Gabinete Civil da Presidência da República, estaria sendo acusado por todos esses atos, dos cartazes contra o senador Bornhausen aos grampos da Abin, passando pela eleição de Rebelo. Como já não está lá e, muito ao contrário, aparentemente não consegue nem mesmo falar com o vosso presidente da República para dar-lhe os parabéns no seu 60o aniversário, está começando a ficar claro que pelo menos não era o único responsável pelo arsenal de maldades de que o governo se utiliza na luta política. Por isso mesmo, o vosso presidente Luiz Inácio da Silva virou o alvo preferencial da Oposição, que identifica nele o verdadeiro feiticeiro.