Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, março 26, 2006

Ligações perigosas

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
RIO DE JANEIRO

Quebrar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, de maneira clandestina, pode. Quebrar o sigilo bancário do presidente do Sebrae Paulo Okamotto, dileto companheiro do vosso presidente-candidato da República Luiz Inácio da Silva (PT-SP), a pedido da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura as irregularidades nos contratos da Caixa Econômica Federal (CEF) e as empresas e empresários de jogos, não pode? Tratar de assuntos pessoais do ainda ministro de Estado da Fazenda Antonio Palocci Filho não pode. Mexer na vida privada do simples e honesto que trabalhou numa casa do Lago (utilizada para encontros e orgias promovidos pelos lobistas da vulga “república de Ribeirão Preto”), pode?

Mais uma vez revela-se o caráter autoritário do petismo (essa doença que solapa a vida nacional, no governo Luiz Inácio da Silva) no episódio da quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, e ficamos todos indignados e impotentes diante de tamanha afronta aos direitos individuais, praticado no mínimo com a conivência do Departamento de Polícia Federal (DPF), onde o caseiro estava prestando depoimento, como investigado, na hora em que o extrato foi tirado, e da diretoria da CEF, única fonte para a obtenção da senha, já que o próprio titular da conta não a forneceu.

Seria a inaceitável instalação de um estado policial, que já havia sido vislumbrado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quando entrou em uma batalha contra o Ministério da Justiça contra a atuação dos agentes do DPF nos escritórios de advocacia em vários pontos deste País, a pretexto do combate à corrupção.

Escutas telefônicas, conseguidas através de subterfúgios, eram a ponta do iceberg de um processo investigativo tão popular quanto duvidoso. O ministro de Estado da Justiça Márcio Thomaz Bastos, precisa fazer mais do que simplesmente lamentar o que aconteceu. Precisa mostrar claramente que o governo Luiz Inácio da Silva (2003-6) não compactua com esse tipo de procedimento, pois até o momento a sensação é de que um fato desses só ocorre quando o agente do estado, se não recebeu orientações nesse sentido, tem certeza da impunidade.

A informação de que o extrato do caseiro Francenildo Costa já circulava entre políticos e autoridades petistas antes de ser publicado pela Revista ÉPOCA reforça a idéia de que se tratava de uma estratégia oficial para desmoralizar o testemunho contra o ministro Palocci. Testemunho, por sinal, que só tem relevância por indicar que o ministro freqüentava a casa onde lobistas amigos de longa data faziam negócios, o que sugere que o faziam com o seu beneplácito, o que agora é preciso se investigar. E não por outras utilizações que eventualmente tivesse o “aparelho”.

O projeto de reeleição do presidente-candidato Luiz Inácio da Silva, que no início do governo parecia favas contadas, sofreu considerável contratempo com o resultado da eleição municipal de 2004, de cujas urnas o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) saiu com uma vitória política expressiva, em que pese o Partido dos Trabalhadores (PT_ ter ampliado sua penetração no Interior do País. Na ocasião, o presidente do partido José Genoino (PT-SP) identificou como razão principal da derrota petista o que classificou de “uma bem sucedida campanha da Oposição” para instalar no País um clima antipetista, cuja base seria um autoritarismo do partido, que ele negava.

O autoritarismo do PT, outra doença do petismo, não se expressava apenas nas alianças políticas literalmente compradas, como depois ficou provado com as denúncias sobre o mensalão e a descoberta do delubiovalerioduto, mas em tentativas de controlar a Imprensa e as produções culturais, com a criação de conselhos estatais, e em declarações de ministros de Estado que deixariam à mostra uma face política radical que estaria apenas aguardando um bom momento para se manifestar mais claramente.

Nunca é demais lembrar que ex-presidente do partido Tarso Genro (PT-RS), por exemplo, cogitado para coordenar a campanha de reeleição do presidente-candidato Luiz Inácio da Silva, defende no seu livro “A Esquerda em progresso”, a democracia direta à la Hugo Chávez (na Venezuela), com a “exacerbação da consulta, do referendo, do plebiscito e de outras formas de participação”, e o controle dos meios de comunicação através de “conselhos de Estado”.

A cada explicitação desse caráter autoritário, desfaz-se a imagem do “Lulinha Paz e Amor”, criação imortal do marqueteiro e cliente preferencial do delubiovalerioduto, Duda Mendonça, e aumenta o temor do que seria o “verdadeiro PT” num eventual segundo mandato presidencial de Luiz Inácio da Silva (2007-10). A classe média, que abandonara o presidente-candidato num primeiro momento, voltou a flertar com ele a partir dos bons resultados da economia brasileira.

Mas, se é verdade que a maior parte das decisões de voto é motivada por valores, é previsível que, diante de novas manifestações de autoritarismo do governo petista, e com a opção do peessedebista Geraldo Alckmin (PSDB-SP) agora colocada à sua disposição, a classe média reflua de uma posição quase oportunista devido ao dólar barato, que lhe permite usufruir viagens internacionais e importados (a popular Bolsa-Miami), e volte a emitir sinais de que teme esse DNA petista.

Assim como, para chegar ao poder, Luiz Inácio da Silva teve que ampliar suas alianças a ponto de buscar apoios nas oligarquias nordestinas do PFL e do PMDB, e agora evolui com desembaraço para o populismo mais escrachado, terá que deixar de lado antigas alianças com movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ou com a esquerda socialista, para governar com setores mais amplos da sociedade.

Se não o fizer, correrá o risco de ver-se rejeitado pelo mesmo eleitorado que o fez pela primeira vez superar os 30% de votos em que se situava historicamente. Antigos temores da classe média com relação ao governo petista voltam à tona com as invasões de terras que o MST retomou. A falta de ação do governo para coibir esse “verão vermelho” é sinal de que a cumplicidade com os trabalhadores sem-terra não dá espaço para o uso da lei.

A rejeição da classe média ao governo se deve também à ineficácia da administração, e já se manifesta novamente nas pesquisas de opinião e intenção de voto, que voltam a registrar o declínio da aprovação ao governo e à maneira do presidente-candidato Luiz Inácio da Silva governar. Há também a repulsa à utilização da máquina administrativa, à “peterização” das repartições públicas, que ficou patente agora nesse episódio do caseiro Francenildo Costa.

Todos esses fatos levaram a um declínio da popularidade do vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva, do qual ele se recuperou no que já está sendo chamado de “descanso do verão”. A retomada da ofensiva oposicionista, e o surgimento de novos fatos envolvendo o governo, abrem perspectivas novas na corrida eleitoral.

Mesmo assim, até o momento o desfecho da campanha eleitoral parece depender mais de Luiz Inácio da Silva que de Geraldo Alckmin. O candidato do PSDB não é daqueles que arrasam quarteirão (como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que foi eleito majoritariamente no primeiro turno em 1994 e 1998), mas pode ser uma alternativa se Luiz Inácio da Silva voltar a perder a confiança do eleitorado.

Poliglotas ou javaneses

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


Eu tinha uns 12 pra 13 anos, e a minha tia, uma amiga casada com um norueguês. Certo dia, a tal ex-colega de trabalho se ofereceu para me trazer alguma coisa de Oslo. Nem pensei muito: “Quero um dicionário de norueguês”. Minha tia logo voltou com a reação da amiga: “Um dicionário de norueguês?! Ele não prefere uma mulher de lá, não?”

Não sei se era pergunta metafórica — na época, os escandinavos eram famosos por suas revistinhas de sacanagem — ou literal — e ela traficava escravas pálidas. Mantive-me firme no pedido que, vejo hoje, era a resignação precoce de que não se pode ter todas as mulheres do mundo. A esperança de falar todas as línguas do mundo, porém, de vez em quando ainda se manifesta. Semana passada, comprei um guia de conversação em quíchua.

Talvez relembrado da sobrevivência do idioma usado pelos incas (mas anterior a eles), com a eleição do índio Evo Morales presidente da República da Bolívia, eu vi o livrinho da editora Lonely Planet em um estande da 19a Bienal do Livro no Centro de Exposições do Anhembi em São Paulo e levei para casa. Não tenho entre meus planos imediatos o de visitar La Paz ou Cochabamba, nem muito menos quero dominar a língua falada por dez milhões de pessoas entre o Norte de Argentina e o Sul da Colômbia.

A relativa semelhança entre o quíchua intindinichu e o castelhano entiendo faz-me pensar se o verbo não estará entre as palavras que os conquistadores espanhóis impuseram aos índios. As saudações cotidianas correntes nos Andes são todas derivadas do idioma invasor. Bom dia, por exemplo, é wuynus diyas , de buenos dias. Você sabia? São coisas como essas, lindamente inúteis se não se estiver mascando folha de coca, que folheio.

Sei que logo o interesse arrefecerá, e o “Quechua phrasebook” irá para as estantes da minha biblioteca, fazer companhia a guias de conversação em japonês, holandês, grego e turco, a dicionários de catalão, irlandês, árabe, tailandês e turco, além do norueguês. Livrinhos assim não são somente ótimos suvenires de viagem. Um si us plau na Catalunha faz milagres. Lá, afinal, o castelhano por favor — como o de sua variante, o portunhol — é a língua do opressor. Livrinhos assim são realmente úteis para externar gentileza com os habitantes e respeito pela sua cultura. Ser monoglota é, em mais de um sentido, falta de educação.

Seis anos atrás, em Barcelona, eu e minha Ellen comíamos lulas e feijão branco, no amável Pinotxo, o estande 466 do mercado La Boqueria, nas Ramblas, quando chegou-se ao balcão um casal de norte-americanos. Não apenas eles só conseguiam se expressar em inglês como o faziam num tom de voz arrogante. Como o pobre Juanito se enrolava mais e mais, nós e um casal de jovens catalães entramos na conversa para ajudar. Quando notamos que, além do mais, os gringos desconfiavam da qualidade da comida, desistimos. Deveriam ter lido o jornal New York Times.

Antes daqueles meus 13 anos, eu já havia recortado da saudosa revista Manchete a lista de cento e tantas coisas que um aventureiro riquíssimo queria fazer na vida, tipo “escalar o Everest, o Kilimanjaro e o Monte Branco” ou “ser recebido para um chá pela rainha da Inglaterra” (como aconteceu ao vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva, dias atrás) . O item que mais me fascinava, contudo, era “falar 20 idiomas” (ou número parecido). Tive esta meta. No mundo ideal, hoje estaria aprendendo árabe e/ou hebraico.

Neste mundo, fiz o que pude. Escolhi aprender a língua de Sheakspeare na Cultura Inglesa (unidade instalada ali naquela antiga casa rosa que ficava na Rua Fernandes Tourinho na vizinhança do Hospital ProntoCor do Bairro Funcionários) e cursei conversação no Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos (ICBEU) da Rua da Bahia, Lourdes, aqui mesmo em BH City. Li as revistas “El Gráfico” e “Guerin Sportivo” até decidir que sabia castelhano (com contribuições de uma e outra amante friulanas).

No entanto, tenho um problema com o francês. Leio o razoável, mas não consigo ter uma pronúncia aceitável, ao menos para os parisienses. Impossível entrar numa banca de jornais, pedir um “Magazine Litteraire” e não ser corrigido pelo jornaleiro numa entonação ou noutra. Saco. Um anglófono é incapaz de fazer isso: importa-lhe é que o estrangeiro fale. Um italianófono, dada a profusão de variantes regionais, também: se houver fluência, é mais provável até que ele identifique um dialeto inteiro num simples erro de pronúncia.

Encontrei consolo lendo “Juventude”, romance autobiográfico do sul-africano J.M. Coetzee, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 2003, alfabetizado em africânder e premiado pelo límpido inglês. Na página 84, falando das desventuras idiomático-sexuais de seu alter ego, Coetzee escreve: “(...) Ele não tem sensibilidade para o francês. Ao ouvir discos em língua francesa, não consegue, a maior parte do tempo, dizer onde termina uma palavra e começa a seguinte. Embora possa ler textos simples em prosa, não consegue ouvir com seu ouvido interno o som que possam ter. A língua resiste a ele, o exclui: não consegue encontrar uma entrada” (a tradução, para a Companhia das Letras, é de José Rubens Siqueira).

Ah, aquele velho dicionário norueguês-inglês-norueguês me foi de grande utilidade no ano passado. Dada a semelhança entre as línguas escandinavas, comprovei que o título do último álbum da banda islandesa Sigur Rós, o excelente “Takk...” significa “Obrigado...”.

É mesmo como sempre diz a minha mãe: quem guarda o que não presta sempre tem o que precisa.
Sábias palavras!

O agradável retorno dos special boys ingleses

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
RIO DE JANEIRO

O público do Rio de Janeiro se esbaldou na noite deste Sábado, 25, ao som da banda inglesa Jamiroquai, no Claro Music Hall, ali no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste da Cidade Maravilha Mutante...

Os músicos de Londres, que não se apresentavam no Brasil desde 1999, fizeram mais de cinco mil pessoas dançarem durante exatas duas horas de apresentação. O repertório incluiu vinte músicas dos seis discos lançados nestes 14 anos de carreira da banda.

O Jamiroquai entrou no palco por volta das 23h35m com "Canned heat", do quarto álbum, "Synchronized" (de 1999). O vocalista Jay Kay surgiu com uma roupa típica indígena que logo depois foi substituída por um casaco da nossa seleção brasileira de futebol.

Esbanjando simpatia, Jay Kay não cansava de dizer "Rio is hot" ("O Rio é quente"), para o delírio dos fãs. “Demoramos muito tempo para voltar. Não queremos mais ficar tanto tempo longe assim“, me disse Kay após o espetáculo.

A músca "Space cowboy", do segundo álbum, "Return of the space cowboy" (de 1995), esquentou a platéia que transformou o Claro Music Hall numa grande pista de dança. Sucessos como "Revolution", "Cosmic girl", "Use the force" e "Dynamite" (faixa que dá título ao álbum mais recente, de 2002) também merecem destaque no repertório. "Deeper" foi a última música apresentada pela banda na noite; na hora do bis.

Os atores Marcelo Serrado (TV Record), Aline Moraes (TV GLOBO), Dudu Azevedo (TV GLOBO) e Lucio Mauro Filho (TV GLOBO) prestigiaram a área vip. Azevedo que interpretou o personagem Cássio na minissérie JK (TV GLOBO) que teve o último capítulo exibido no horário nobre na última Sexta-feira, 24, me disse que acompanha a banda desde o início da carreira, em 1992: “O trabalho do Jamiroquai é refinado. Tenho todos os cds e assisti o último show deles aqui no Rio”.

Para a atriz Beth Lago (TV GLOBO) que interpreta o personagem Calamity Jane na telenovela "Bang-Bang" (2a. a Sábado, 19:10h – TV GLOBO), o estilo dos rapazes lembra muito o ritmo dançante do cantor e compositor norte-americano Stevie Wonder.

Com um estilo musical especialmente voltado para músicas das décadas de 1960 e 1970, com muita Discoth Music, Soul e o Ryth’n’n Blues, o Jamiroquai está com a sua segunda formação. A banda agora é composta pelo vocalista e compositor Jason (Jay) Kay, o baixista Stuart Zender, o tecladista Toby Smith, o baterista Derric Mckenzie e o gutarrista Rob Harris.

Uma curiosidade é que o primeiro single independente da banda londrina, "Emergency On the Planet Earth", lançado em 1992, é composto apenas por canções ecologicamente corretas. E como das outras vezes em que estiveram na Cidade, botaram literalmente pra quebrar na noite do último Sábado, deixando um “gosto de quero mais” na brisa carioca.

E prometeram retornar à Cidade. Em breve. (WAPJ)