Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, dezembro 10, 2009

O dia em que o lullismo desmoralizou o Enem

COMO desdobramento natural da sucessão de equívocos que as autoridades educacionais cometeram a partir do momento em que tentaram converter esse importante mecanismo de avaliação em bandeira política com vistas às eleições presidenciais de 2010 – a abstenção de quase 40% dos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2009, a maior já registrada desde a criação da prova, há 11 anos -, foi o desfecho crônico da barbeiragem anunciada, tendo a frente o senhor ministro de Estado da Educação, Fernando Haddad (PT-SP). Dos 4,1 milhões de inscritos, apenas 2,5 milhões fizeram o teste no primeiro fim de semana deste Dezembro. Com 1 milhão de inscritos, São Paulo foi o Estado que registrou o maior número de ausentes, com um índice de abstenção de quase 46,9%.

É FATO que o Enem sempre gozou de enorme credibilidade no meio estudantil. Concebido pelo ex-ministro de Estado da Educação, Paulo Rento Souza (PSDB-SP), no primeiro mandato do, então, presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), como um teste optativo e aplicado pela primeira vez em 1998, o Exame veio até aqui batendo recordes sucessivos de inscrições.

O ÍNDICE de inscrição no Enem atinge 80% dos estudantes da 3ª Série do Ensino Médio, segundo dados apurados no Censo Escolar da Educação Básica (CEEB). Enquanto seguiu critérios rigorosamente pedagógicos, o Enem foi o principal instrumento de avaliação das escolas públicas e privadas, dando ao Ministério da Educação (MEC) condições de identificar as diferenças entre elas e de tomar as medidas necessárias para reduzi-las.

PORÉM, os rumos do Exame começaram a mudar no primeiro semestre deste ano, quando o ministro Hadadd decidiu reformular o sistema de avaliação, com o objetivo de utilizá-lo como alternativa para os concursos vestibulares e de unificar o processo seletivo nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).

A PROPOSTA, inspirada no modelo educacional em vigor nos Estados Unidos da América (EUA), foi bem recebida pelas Instituições de Ensino Superior. Elas só recomendaram que a mudança fosse feita sem pressa e com planejamento adequado, para não comprometer a excelente imagem do Enem perante os estudantes do Ensino Médio e pôr em risco o calendário das Faculdades de Ensino.

CONTUDO, as autoridades educacionais do País desprezaram a advertência e agiram de modo açodado, procurando persuadir as Instituições de Ensino Superior a substituir os vestibulares pelo Enem ainda em 2009. À medida que o MEC implementou o "novo" Enem a toque de caixa, para usá-lo como trunfo político a serviço de um projeto eleitoral, o que se temia aconteceu. Desde o início, houve falhas gritantes de infraestrutura, com o colapso da rede de informática do MEC, que não estava preparada para dar conta do alto número de inscrições pela Internet.

MESES depois, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) atrasou a entrega dos cartões definitivos de inscrição. A definição dos locais da prova também gerou problemas, pois muitos candidatos teriam de se deslocar para cidades distantes até 330 quilômetros de suas residências.

ENTRETANTO, a maior falha ocorreu na logística e na segurança, com o vazamento da prova na madrugada de 1º de Outubro, dois dias antes de sua realização, quando o Jornal O Estado de S. Paulo publicou reportagem de autoria colega jornalista Renata Cafardo mostrando a tentativa de venda das questões.

COMO o vazamento foi confirmado, o Exame teve de ser anulado, o que obrigou o MEC a gastar R$ 33 milhões apenas com a contratação de uma gráfica para a impressão de uma nova prova. E, para não pôr em risco o calendário escolar, as mais conceituadas universidades do País, como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Campinas (Unicamp), desistiram de vez de utilizar os resultados do "novo" Enem em seus processos seletivos.

POIS quando se imaginava que todos os problemas para a realização do Enem de 2009 já haviam sido contornados, nas últimas semanas, surgiram outros. Um deles foi a elaboração de questões com nítido viés político e ideológico, que acabaram sendo anuladas. Outro problema foi a elaboração de perguntas confusas e com erros conceituais, que também tiveram de ser anuladas.

ADEMAIS, após o término da aplicação das provas do Enem, no Domingo, 06, o MEC divulgou um gabarito oficial errado, o que o obrigou a retirá-lo do portal do ministério na Internet, sob a justificativa de que “o site do MEC estava embaralhado".

FRANCAMENTE, o que foi planejado, havia mais de uma década, para ser uma avaliação inovadora do Ensino Médio afetou a credibilidade do Enem, o que é reconhecido até pelos técnicos desse (des) governo. O número recorde de abstenções dá a medida do desafio que ele terá de enfrentar para tentar recuperar a imagem daquele que, quando a racionalidade administrativa ainda imperava no MEC, era não só um dos mais eficientes mecanismos de avaliação escolar como, também, ferramenta de gestão e política pública deste, ainda, grande e bobo País.