Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, novembro 10, 2010

De lambanças em lambanças

SE OS pais, mestres, estudantes, bem como o cidadão contribuinte tinham alguma dúvida sobre a capacidade do Ministério da Educação (MEC) de recuperar a imagem do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e evitar que sua desmoralização comprometesse todo o sistema de avaliação escolar, ela foi desfeita no último fim de semana com a prova aplicada a cerca de 3,4 milhões de estudantes. Além de avaliar a qualidade do Ensino Médio da Educação Básica, o Enem é usado como processo seletivo para muitas Instituições Públicas de Ensino Superior - principalmente as Universidades Públicas Federais.

AGORA os problemas decorreram de falhas de montagem de um dos cadernos da prova, o que levou os estudantes a se deparar com textos repetitivos e falta de questões. Além disso, os cartões de resposta foram impressos de forma invertida - fato que não foi comunicado à maioria dos candidatos. No Sábado, 06, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Nísio Teixeira (Inep) subordinado ao MEC, o mesmo que fracassou na organização do Enem de 2009, divulgou que quem foi induzido a erro, no preenchimento do cartão, poderá solicitar que a prova seja corrigida "ao contrário". Isso dá a medida da inépcia administrativa do MEC.

SEGUNDO balanço extraoficial, os problemas ocorridos com o Enem envolveram 20 mil provas. Mas, segundo o reitor da Universidade de Brasília (UnB), Professor Doutor José Geraldo de Souza Jr., o número de provas impressas com falhas seria de 30 mil. A instituição foi encarregada, juntamente com a Fundação Cesgranrio, de preparar as questões.

E MUITO embora as autoridades educacionais tenham afirmado que nenhum estudante será prejudicado, nem os representantes do Inep nem do MEC sabem ainda qual é a extensão das falhas ocorridas e de que modo elas poderão ser corrigidas. A aplicação da prova foi classificada como um "desastre" pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O Ministério Público Federal (MPF) anunciou que poderá ingressar com ação judicial pedindo a anulação do Enem. A Defensoria Pública da União (DPU) anunciou que tomará iniciativa semelhante. No Estado do Ceará, a Justiça Federal concedeu liminar determinando a suspensão imediata do Enem. E a Associação Nacional das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) reconheceu que a insegurança jurídica acarretará para as Universidades problemas ainda mais graves do que aqueles problemas criados pelo Enem de 2009.

NAQUELE ano, os problemas começaram quando se constatou que o MEC não dispunha de infraestrutura adequada para fazer inscrições pela internet. Em seguida, o Inep determinou que vários estudantes deveriam prestar o exame em colégios situados a mais de 300 quilômetros das escolas em que estavam matriculados. Depois, a prova vazou dois dias antes de sua realização, deixando claro que as autoridades educacionais não haviam tomado as medidas de segurança necessárias. Isso as obrigou a preparar um novo teste às pressas, a um custo superior a R$ 30 milhões, e aplicá-lo dois meses após a data prevista, o que desorganizou o calendário das universidades. Na sequência de confusões, constatou-se que várias questões da nova prova tinham viés ideológico. E, no dia em que ela foi aplicada, o MEC divulgou o gabarito errado.

AGORA em 2010, as dificuldades começaram com falhas de logística e amadorismo no planejamento, o que levou à substituição do presidente do Inep. Em seguida, descobriu-se que os dados pessoais dos candidatos às três últimas edições do Enem tinham vazado. Com isso, informações que deveriam ser mantidas em sigilo foram expostas no site do Inep com acesso livre. Depois o MEC se atrapalhou na escolha dos órgãos responsáveis pela formulação das questões, o que acabou criando problemas para a licitação da gráfica e atrasando a contratação de cerca de 300 mil pessoas, entre coordenadores, aplicadores e profissionais encarregados da correção.

ESSE é o quadro, descrito com o máximo de objetividade, da desmoralização do Enem. Mas o principal responsável por ele não parece preocupado. Muito pelo contrário. De fato, o presidente do Inep, José Joaquim Soares Neto, dizendo-se "orgulhoso" pela aplicação do Enem, disse em entrevista à nossa reportagem que considera que "não houve problemas graves" na aplicação das provas deste ano.

ESTÁ aí uma apreciação sobre a qual os estudantes prejudicados teriam muito a opinar...