Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, agosto 08, 2012

Cenário de normalidade


DE FATO, era inevitável que a mídia destacasse o estranhamento entre o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do Mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), e o revisor do trabalho, ministro Ricardo Lewandowski, já no início do julgamento da ação penal 470, como aquela Corte denomina formalmente o mais explosivo feito que já lhe tocou examinar em 122 anos de história.

PORÉM a aspereza com que Barbosa se dirigiu ao colega, acusando-o de "deslealdade" com o Tribunal, para dele ouvir que usara "um termo forte", prenunciando um horizonte "muito tumultuado", não deve turvar a percepção de que a tranquilidade, esta, sim, prevaleceu na semana inaugural do julgamento.

RELATOR e revisor bateram boca, para repetir a expressão amplamente utilizada na mídia, porque Lewandowski respaldou a tese do desmembramento do processo, apresentada, como previsto, sob a forma de questão de ordem pelo advogado (e ex-ministro de Estado da Justiça no governo lullopetista) Márcio Thomaz Bastos, defensor do ex-vice-presidente do Banco Rural S/A, José Roberto Salgado. Ele pretendia que o STF se limitasse a julgar os três únicos réus com direito ao chamado foro privilegiado, por serem deputados federais, despachando para a primeira instância todo o material que dissesse respeito aos 35 outros. As primeiras palavras de Lewandowski em favor do pedido irritaram Barbosa, mas a sua reação não impediu que o outro consumisse quase uma hora e meia lendo o meticuloso voto que havia preparado.
COM isso e os pronunciamentos dos demais ministros, dos quais apenas uns poucos foram breves, a agenda da jornada deixou de ser cumprida, ficando para o dia seguinte a leitura da peça acusatória preparada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Houve tempo, apenas, para Barbosa ler o resumo das 122 páginas do seu relatório - com o qual, aliás, o revisor concordou instantaneamente. Não faltou quem lamentasse a quebra da pauta e nela visse um indício de que o julgamento levará mais tempo do que o estimado, a ponto de privar de seu voto o ministro Cezar Peluso, obrigado a se aposentar até o próximo dia 03 de Setembro. Mas o tempo gasto não foi tempo perdido.

AQUELAS quatro horas dedicadas à questão de ordem, afinal rejeitada por 9 votos a 2 (apenas o ministro Marco Aurélio de Mello acompanhou Lewandowski), serviram para que a "belíssima" discussão do desdobramento, no dizer da ministra Rosa Weber, fosse definitivamente esgotada no caso. Três vezes aquela Corte já se manifestara contra a cisão, mas nunca em seguida a um debate exaustivo de seus aspectos constitucionais. Essa era uma das duas maiores pedras no caminho do julgamento. A outra, a da polêmica sobre a suspeição do ex-advogado-geral da União, ministro José Antonio Dias Toffoli, para participar do julgamento, foi igualmente transposta - sem alarde nem traumas.

O MINSITRO Toffoli foi indicado para o STF pelo então presidente da República, Luiz Inácio da Silva em 2010, depois de ter trabalhado para o Partido dos Trabalhadores (PT), prestado assessoria jurídica à bancada federal do partido e de ter sido levado à Casa Civil da Presidência da República pelo seu então titular, José Dirceu (PT-SP), que viria a ser apontado como "chefe da quadrilha" mensaleira, segundo autos do processo em julgamento. Como advogado da segunda campanha de Luiz Inácio da Silva à Presidência da República em 2006, sustentou que o Mensalão "jamais" foi comprovado. E a sua namorada, Roberta Rangel, advogou em 2007 para um dos acusados no processo, o ex-deputado federal Professor Luizinho (PT-SP). Na quinta-feira, Toffoli deixou claro que não se declararia impedido, ao mencionar a certa altura que já tinha redigido o voto que irá proferir no julgamento.

PODE-SE deplorar a decisão, mas a alternativa restante seria decerto pior. Se, como se especulou, o procurador-geral pedisse o seu afastamento, a contaminação da fase crucial do processo seria inevitável, com acusações de "politização" ao STF e clima de crispação geral em plenário. De toda forma, Toffoli não seria excluído. Tendo ele participado de diversas decisões que precederam o julgamento, os interessados em implodi-lo arguiriam a nulidade desses atos. Em vez disso, o cenário que felizmente se desenha é de normalidade, com embates eventualmente vivos, mas a partir de convicções amparadas nos autos e no saber jurídico.