Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, março 19, 2011

Nonsense made in China

RIO DE JANEIRO (RJ) - APÓS os primeiros ensaios de protesto contra o arquirrepressivo regime da Arábia Saudita, na esteira do despertar democrático na África do Norte e no Oriente Médio, o ministro do Exterior, príncipe Saud al-Faisal, um dos potentados da monarquia absoluta que controla aquele país desde a sua criação, disse que "cortará o dedo" que apontar acusações contra o governo. A milhares de milhas dali, o maior e mais poderoso estado totalitário do globo, o governo da República Popular da China, prefere cortar pela raiz o risco de contágio dos levantes árabes.

NESTAS últimas semanas, coincidindo com a sessão anual de 15 dias do Congresso Nacional do Povo, o obediente Legislativo chinês, as autoridades se puseram a reprimir por antecipação - e com métodos cada vez mais duros - o que afinal se revelaria uma fracassada tentativa de promover passeatas silenciosas em pontos centrais de 35 cidades, como a Praça da Paz Celestial dos massacres de 1989 em Pequim. Diferentemente da praxe seguida em situações que o Partido Comunista da China (PCC) considera potencialmente desestabilizadoras, desta vez as autoridades não se limitaram a cortar a internet - o instrumento por excelência de denúncia e mobilização no mundo de hoje.

ALGUNS colegas jornalistas, correspondentes estrangeiros, baseados em Pequim e em metrópoles do porte de Xangai foram advertidos de que precisariam permissão especial - que obviamente não seria concedida - para ir aos locais que pudessem ser palco de manifestações. Jornalistas que desconsideraram o aviso foram agredidos à vista de todos por policiais à paisana, em áreas movimentadas como o maior centro comercial de Pequim, e depois detidos por algum tempo, como forma de persuasão e de enviar recados ao mundo livre. Mas isso não foi nada perto do que os dissidentes chineses - e todos quantos tidos como suspeitos de atentar contra a segurança do Estado chinês, no jargão oficial - têm passado desde então.

SEGUNDO levantamento de uma organização de defesa dos direitos humanos sediada em Hong Kong, pelo menos 10 pessoas foram presas, sob a acusação de subversão - passível de ser punida com a pena de morte - ou incitamento à subversão. Três advogados foram levados de suas casas às vésperas de 20 de Fevereiro, quando deveria se realizar o primeiro protesto convocado anonimamente pela Internet. Desde então, não se tem ideia do seu paradeiro. Wang Songlian, diretora do Chinese Human Rights Defenders, responsável pelo levantamento, disse à nossa reportagem que esta é a mais forte onda de repressão a ativistas políticos no país em 5 anos.

PARA advogados que se especializaram em defender acusados de crimes políticos com base na própria legislação do regime - quase sempre em vão - o endurecimento não tem precedentes desde o início da acerba perseguição aos seguidores da seita Falun Gong, em meados de 1999. O clima é incomparavelmente mais tenso do que nas semanas que precederam a abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, cujo esplendor não poderia ser maculado por manifestações pró-democracia. A atual campanha de intimidação supera até a que foi desencadeada no final daquele ano.

ÀQUELA época, no dia 16 de Dezembro, 60.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU), três centenas de intelectuais e militantes assinaram a Carta 08, a versão chinesa da Carta 77 contra a opressão soviética na então Checoslováquia em 1977. O documento, idealizado pelo escritor Liu Xiaobo, pedia reformas democráticas e o fim do regime de partido único. Xiaobo, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2010, cumpre pena de 11 anos por "subversão". No momento, com o dissenso político mais reprimido do que nunca, o que leva desassossego à China são antes as mazelas econômicas.

A ELEVAÇÃO do preço dos alimentos e o agravamento da crise habitacional vêm se somar às crônicas desigualdades de renda e de condições materiais de vida entre a cidade e o campo, agravadas pelo explosivo crescimento do país, além da corrupção endêmica. Para sorte do regime, outro dia notou a reportagem da revista britânica The Economist, não existe na China um autocrata que concentre a ira popular, como na Tunísia, Egito e Líbia.