Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, outubro 01, 2011

Relatório da imprudência

RIO DE JANEIRO (RJ) – O CIDADÃO brasileiro terá que aguentar a inflação acima da meta por mais dois anos, segundo a hipótese mais otimista da autoridade monetária do País, o Banco Central do Brasil (BC). Se der tudo certo, o índice oficial baterá no centro do alvo no terceiro trimestre de 2013, com aumento de preços de 4,5% em 12 meses. Nos cenários menos favoráveis, a presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS) completará seu terceiro ano de mandato com o custo de vida ainda subindo mais do que o prometido pelas autoridades econômicas. São essas, pelo menos, as perspectivas apontadas no relatório trimestral de inflação divulgado na última Quinta-feira, 29.

APESAR disso, o tom do relatório é otimista com relação aos preços. O ciclo de inflação elevada de 12 meses deve ter acabado neste trimestre, segundo o documento, e agora o indicador deve avançar na direção da meta. Levará quanto tempo para chegar lá? Se alguém perguntar se o governo petista ainda leva a sério o regime de metas, a questão será pertinente.

O PRESIDENTE do BC, Alexandre Tombini, insiste em reafirmar o compromisso com esse regime. Além disso, ele usou um tom ainda mais otimista que o do relatório. "Trabalhamos com a inflação no centro da meta em 2012", disse Tombini, na manhã da última Quinta-feira, 29, numa palestra para executivos financeiros em Curitiba. Horas antes, no Rio de Janeiro, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) havia publicado o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) de Setembro, com fortes sinais de repique inflacionário. A variação geral passou de 0,44% em agosto para 0,65% em setembro. O índice de preços ao consumidor, um de seus três grandes componentes, aumentou 0,59%, bem mais do que no mês anterior, quando havia subido 0,12%. O IGP-M é apenas um entre muitos indicadores, mas é sempre prudente levá-lo em conta.

PRUDÊNCIA em relação aos preços parece artigo escasso no BC, ultimamente. O Relatório de Inflação aponta a possibilidade de novos cortes de juros, nos próximos meses, e reafirma a argumentação usada para justificar a mudança.

A ALEGAÇÃO mais convincente refere-se ao agravamento da situação internacional. Esse fator, segundo o pessoal do BC, deve eliminar as pressões inflacionárias. Mas esse detalhe continua sujeito à verificação, por causa da demanda chinesa, ainda vigorosa, e das condições incertas de suprimento internacional de produtos agrícolas.

O DOCUMENTO do BC também as avaliações sobre a situação interna. Para a autoridade monetária do País, a economia perde impulso tanto do lado da oferta - especialmente da produção industrial - quanto da demanda. Um dia antes de sair o Relatório de Inflação, porém, o próprio BC divulgou nota mensal sobre a política monetária, confirmando uma nova expansão das operações de crédito em Agosto. Além disso, no mesmo dia a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) revelou uma nova elevação do índice de atividade em Agosto, com melhor resultado para o mês desde 2005. Apesar disso, o crescimento acumulado será bem menor que o crescimento verificado no ano passado, mas a avaliação do BC é insegura em relação à oferta e ainda mais discutível em relação à demanda de consumo. Este último ponto é reconhecido até no relatório, onde os salários e o crédito são mencionados como fatores de risco.

ENFIM, o BC repete a profissão de fé no cumprimento estrito de uma política de consolidação fiscal em 2012, sem redução da meta fiscal fixada pelo Ministério da Fazenda (MF). Nem o projeto de orçamento autoriza essa aposta, nem a perspectiva de um ano de eleições combina com a hipótese de rigorosa disciplina fiscal. Há razões fortes para desconfiar de uma precipitação do BC.

A PRJEÇÃO das conts externas fica restrita a este ano e também é otimista. De fato, o resultado deve ser melhor que o previsto até há pouco tempo, principalmente por causa dos preços dos produtos básicos. Mas é estranho o relatório se deter antes de uma análise das perspectivas de 2012. Se o cenário global for tão ruim quanto a equipe do BC insinua, e se, além disso, for razoável a previsão de recuo de preços das commodities, o setor externo será uma área de risco, mesmo com o atual volume de reservas. Estranho e preocupante é o aparente descaso em relação a esse ponto.