Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, maio 15, 2006

Pés de barro

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


Na semana passada, o País viu novas e deprimentes cenas de corrupção. Um dos ex-todo-poderosos líderes do Partido dos Trabalhadores (PT) ofereceu aos brasileiros e ao mundo civilizado um espetáculo lamentável em todos os aspectos. O ex-secretário-geral do PT, senhor Silvio Pereira, fez de esquecido de declarações feitas dias atrás e foi ajudado pela falta de objetividade dos parlamentares naquelas intervenções mentalmente desgovernadas, feitas para favorecer quem pergunta e não a busca do esclarecimento. Um novo escândalo apareceu (com a denúncia da revista Veja publicada na sua última edição semanal datada de 17 de Maio, sobre o dossiê elaborado a pedido do empresário e banqueiro baiano Daniel Dantas em que se revelam os detalhes de uma suposta operação de achaque de líderes do petismo sobre os negócios de seu grupo empresarial) o que mostra o mesmo enredo; as mesmas práticas. Assalto ao erário brasileiro.

A Oposição tenta pegar o governo do petismo, o governo do petismo tenta salvar a pele do presidente-candidato Luiz Inácio da Silva (PT-SP) de olho em mais quatro anos de poder; o povo vai sendo enrolado por meias verdades. Há momentos de resistência institucional, como a denúncia feita pelo procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza mas o fato é que o País parece estar sendo tragado por uma sucessão invencível de esquemas, negociatas e espertezas. A falência da Câmara dos Deputados como primeira instância de punição dos culpados agrava a sensação de impunidade que cerca o caso.

Se o resultado do mais amplo e grave caso de corrupção no Brasil for isto — três cassações na Câmara do Deputados e muito bla-bla-blá haverá conseqüências perigosas. A agenda anticorrupção é ampla e complexa. Não é apenas a briga para saber quem vai ganhar a próxima eleição presidencial. Não é uma luta contra Luiz Inácio da Silva. A corrupção é moralmente repugnante e inimiga de todos os avanços que a sociedade busca. A luta pela democracia marcou, com os valores da liberdade e do estado de direito, as gerações mais velhas do Brasil. As novas estão tendo seus valores minados pela falta de punição dos culpados, pelo descaramento, pela disseminação dos atos de corrupção no País. Como diz a colega Miriam Leitão (Jornal O GLOBO/Rádio CBN/GLOBONEWS/TV GLOBO): 43 milhões de eleitores têm 28 anos ou menos, ou seja, nasceram a partir do ano em que acabou o Ato Institucional Número 5 (AI-5) da ditadura militar (1964-85) no Brasil. Esta geração poderá, quem sabe, concluir que a democracia não vale o que custa. Se concluir, o País será terreno para qualquer aventura autoritária.

Temos vivido um incessante bombardeio de novos casos de corrupção. Alguns são escatológicos: propinas carregadas nas cuecas. Pela freqüência dos casos, pela abrangência das denúncias, pela disseminação da prática, o País parece estar sofrendo um surto de Al Capone. Sanguessugas se espalham pelos negócios públicos. Precisa-se urgentemente de mecanismos de proteção contra esse mal.

De minha parte já disse aqui mais de uma vez: o Brasil não é o único, nem o último, a enfrentar uma onda de negócios escusos. Esse tem sido um mal que assola o mundo inteiro. Alguns países já desenvolveram mecanismos de proteção; outros ainda têm muito trabalho para aumentar o grau de transparência nos negócios públicos. O Brasil está neste segundo grupo. O fato de não ser o único a enfrentar uma onda de corrupção não atenua o crime dos corruptos, nem conforta os cidadãos. Tira talvez um pouco da vergonha extrema que o País sente diante do que vê diariamente. O olhar para fora deve servir para encontrar mecanismos de redução do problema.

A guerra contra a corrupção tem mobilizado gente em todo o mundo, principalmente a partir dos anos 1990. Na última edição da revista norte-americana Foreign Affairs, dois estudiosos do tema escreveram um artigo sobre o que chamaram de “A longa luta contra a corrupção”. Ben Heineman, membro do Belfer Center, da Kennedy School of Government, de Harvard e Fritz Heimann, co-fundador da Organização Não-Governamental (ONG) Transparência Internacional, argumentam que a corrupção é ainda mais lesiva do que parece.

No passado, foi vista, dizem, como uma forma de contorno das distorções criadas por governos hiper-regulados; tolerada como um subproduto meio inevitável. Hoje essa interpretação está superada. “A corrupção distorce o mercado e a competição, alimenta o cinismo entre os cidadãos, mina o respeito à lei, fere a legitimidade do governo e corrói a integridade do setor privado”, diz o artigo. A corrupção, afirmam estudiosos, é contra o desenvolvimento, e as maiores vítimas são os pobres.

Mesmo sendo difícil contabilizar a corrupção global, há algumas tentativas. O Banco Mundial (Bird) estimou em 2004 que funcionários públicos do mundo inteiro recebem por ano propinas no valor de US$ 1 trilhão. Pesquisadores de um centro de estudos russo calcularam no ano passado que o valor das propinas pagas no País pode chegar a US$ 300 bilhões anualmente. O relatório Paul Volcker, feito sobre o escândalo no “Programa petróleo por alimento”, implementado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no Oriente Médio, diz que havia 2 mil companhias no esquema.

Os especialistas fazem quatro recomendações para a luta contra a corrupção. Primeiro, fazer a lei ser cumprida através de investigação e punição da má conduta. Segundo, a criação de mecanismos de prevenção através, por exemplo, do aumento da transparência nos negócios públicos. Terceiro, reformas legais que institucionalizem o respeito às boas práticas. Por fim, a formação de valores na sociedade.

Como o problema é global e não apenas de um País, há iniciativas internacionais de unir países dentro do mesmo arcabouço legal de combate à corrupção. Os autores citam o caso da Organização Mundial do Comércio (OMC), que firmou contratos com os países membros. Se corruptos agem em rede e desenvolvem cada vez mais modernos esquemas de lavagem de dinheiro, pagamento de propina e falsificação de toda ordem, a anticorrupção precisa também de redes e regras. Países começam a cooperar entre si e a desenvolver a tecnologia para combater a corrupção.

O governo do vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (2003-6) e a Oposição divergem sobre o desfecho da crise iniciada em Maio do ano passado com denúncias de corrupção na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e de pagamento de mensalão a deputados da base do governo Luiz Inácio da Silva no Congresso Nacional. Para a Oposição, a crise só acaba com a derrota ou o impeachment do presidente da República. Para os seguidores do petismo, o resultado das eleições de Outubro porá um fim à radicalização política.

Dirigentes do Partido da Social Democracia Brasiléia (PSDB) e do Partido da Frente Liberal (PFL), em reiteradas declarações, garantem que mesmo após a eleição, se o presidente-candidato for reeleito, continuarão lutando para que ele responda por crime de responsabilidade. Citam como exemplo o caso do ex-presidente da República dos Estados Unidos da América (EUA), Richard Nixon que perdeu seu mandato logo após ter conquistado a reeleição. Sobre a comparação, um ministro filiado ao PT diz que a Oposição esquece do elemento principal que levou à queda de Nixon: a tentativa de impedir a investigação do escândalo Watergate, apagando parte de uma gravação que registrava suas audiências na Casa Branca. Aqui ocorreram cerca de 40 demissões no Executivo e a queda da direção do PT; além da denuncia contra 40 quadrilheiros que assaltaram o erário nacional, segundo peça do processo movido pela Procuradoria-Geral da República em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF).

Apesar das ameaças da Oposição de que continuará no encalço do impedimento de Luiz Inácio da Silva, não é com este cenário que trabalham os chamados ministros da Casa. Um deles argumentou que a população brasileira não quer viver num ambiente de crise eterna e que seria um suicídio insistir nessa linha contrariando a vontade popular manifestada nas urnas. Além disso, a coligação PSDB-PFL terá que reciclar seu discurso para se contrapor ao provável ressurgimento do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que deverá sair muito forte das eleições de Outubro, tendo ou não candidato próprio à Presidência da República. Sobretudo porque o PMDB adotou a linha de valorizar o que é bom no governo do petismo e criticar os seus erros, mas como disse seu presidente, deputado Michel Temer (PMDB-SP), no último programa gratuito em rede nacional de Rádio e TV: “sem ódios e sem revanchismos”.

Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado Federal, também não acredita que se mantenha o atual clima de beligerância. Refletindo a partir do cenário que avalia mais provável, o da reeleição do vosso presidente Luiz Inácio da Silva, prevê uma reorganização partidária decorrente da cláusula de desempenho, das divergências nos grandes partidos e da necessidade do futuro governo de um apoio parlamentar mais estável. Nessa rearticulação partidária a expectativa de Calheiros é que o governador do Estado Minas Gerais, Aécio Neves da Cunha (PSDB-MG), se filie ao PMDB para construir sua candidatura presidencial para 2010. Aliás no almoço com o Luiz Inácio da Silva, na última Quarta-feira,10, Calheiros cobrou a nomeação de um político para o Ministério da Saúde.

Ademais, a postura do presidente-candidato Luiz Inácio da Silva na crise da Petrobrás com o governo da Bolívia está sendo muito criticada. Uma parcela da opinião pública queria que o governo do Brasil adotasse posição mais dura. A Oposição acusa o presidente-candidato de estar sendo negligente na defesa dos interesses nacionais. O ex-governador de Minas Gerais e ex-presidente da República Itamar Franco (PMDB-MG) disse que o presidente Luiz Inácio da Silva exibiu “sinais de fraqueza”.

PS: Enquanto Luiz Inácio da Silva apanha na Bolívia de Evo Morales (e por tabela, de Hugo Chaves), a Petrobrás S/A acelerou os investimentos na área de Gás. Em quatro anos a indústria receberá gás brasileiro e a Bolívia vai ficar com um mico nas mãos. Acho que Evo Morales tem alguma razão ao protestar contra a anexação do Acre ao Brasil (1903). Dois senadores brasileiros que tiveram acesso a arquivos secretos do Itamaraty contaram que, na época, o Barão do Rio Branco instruiu o embaixador do Brasil em La Paz para abastecer de cortesãs brasileiras o então presidente da Bolívia, general José Manuel Pando Solares (1899-1904).