Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, outubro 16, 2012

Resistência inflacionária

MUITO além da inflação em alta - o aumento dos preços ao consumidor passou de 0,41% em agosto para 0,57% em setembro – mais preocupante a esta altura é o aparente descaso das autoridades monetárias em relação ao problema. O ministro de Estado da Fazenda, Guido Mantega (PT-SP), continua defendendo novos cortes de juros, como se o risco de uma escalada de preços fosse desprezível. Repete, com isso, a atitude da presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), empenhada numa espécie de guerra santa pela diminuição de todas as taxas. Os dirigentes do Banco Central do Brasil (BC), responsáveis pela política de juros e pela defesa do valor da moeda, parecem aceitar sem grande incômodo a perspectiva de inflação bem acima do centro da meta, de 4,5%, ao longo dos próximos dois anos - e talvez por mais tempo. Metas de inflação, aparentemente, são cada vez menos levadas a sério. No mercado financeiro já se especula sobre a possibilidade de uma nova redução da Taxa Selic, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC.



ESPECULAÇÃO reforçada por uma declaração do diretor de Assuntos Internacionais do BC, Luiz Pereira Awazu, ontem. Diante das perspectivas muito ruins da economia global, será conveniente, segundo ele, calibrar os juros para impulsionar a recuperação brasileira. Discursos desse tipo combinam com as preocupações manifestadas pelo primeiro escalão do governo, depois de dois anos de quase estagnação no Brasil. O BC prevê para este ano um crescimento de apenas 1,6%. Para os 12 meses terminados em Junho de 2013, a previsão é de um avanço de 3,3%, ainda modesto.



APESAR da expansão econômica muito lenta, o custo de vida tem aumentado. Subiu 3,77% no ano e 5,28% em 12 meses o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para a política do BC. Com mais três aumentos mensais de 0,3%, a alta acumulada em 2012 chegará a 4,7%, mas dificilmente a evolução será tão moderada neste último trimestre. O próprio BC divulgou uma projeção de 5,2% para este ano.



A EXPLICAÇÃO das autoridades monetárias para a alta de preços é simples e confortável: o índice de inflação tem sido impulsionado pelo aumento das cotações internacionais dos alimentos, uma consequência da seca nos Estados Unidos da América (EUA), e por alguns problemas de produção no Brasil. Não tem sentido, segundo essas autoridades, combater choque de oferta com juros. A alegação seria mais ponderável se o problema fosse mesmo apenas um choque de oferta.



EXISTEM sinais muito claros, no entanto, de algo diferente e muito mais grave. Vários grupos de preços de bens e serviços têm subido. Em Agosto, 65,66% dos itens cobertos pela pesquisa ficaram mais caros. Em Setembro, houve aumentos em 66,48%. Em outras palavras, a alta de preços foi observada em mais de dois terços dos componentes do IPCA. A variação mais importante foi a do custo dos alimentos - 1,26% -, mas a inflação está longe de ser concentrada. A alta dos chamados preços monitorados, como energia elétrica e gás de cozinha, passou de 0,13% para 0,30%. O condomínio aumentou 1,19%, depois de subir 1,11% em Agosto. Em vários outros itens a aceleração também foi evidente: calçados (de 0,49% para 1,06%), mobiliário (de 0,60% para 0,96%), aluguel (de 0,43% para 0,61%), serviço doméstico (de 1,11% para 1,24%), para citar só alguns.



ESSES dados apontam um desajuste mais sério que um choque de oferta. São claros sinais de inflação de demanda, hipótese perfeitamente compatível com o elevado nível de emprego, com a massa de rendimentos e com a expansão do crédito. A força da demanda explica em boa parte, também, o descompasso entre importações e exportações e a redução do superávit comercial.



O BC projeta inflação de 4,9% em 2013 e de 5,1% nos 12 meses até o terceiro trimestre de 2014. De vez em quando, algum diretor menciona uma possível convergência para o centro da meta já no próximo ano. O otimismo é baseado, em grande parte, na expectativa de acomodação dos preços agrícolas. É um otimismo perigoso, porque o problema, tudo indica, é bem mais sério que um choque de oferta. Um descuido agora pode levar a problemas muito mais graves e de solução muito mais penosa.